O Mauro Halfeld sempre dá boas dicas em seu programa diário na rádio CBN, e, dentre as dicas que ele normalmente dá aos ouvintes, boa parte delas se refere ao incentivo de investimento de parcela do salário no mercado de ações, já que as ações tendem a render mais que a renda fixa no longo prazo. Embora seja um grande incentivador do uso da Bolsa de Valores como mecanismo de construção de patrimônio, o Halfeld sempre procura advertir o leitor da necessidade de ter uma boa reserva em renda fixa, para se precaver em momentos de crise do mercado, como aquela que ocorreu em 2008.
A minha experiência pessoal valida o conselho do Mauro Halfeld: seja em épocas de fartura, seja em meio às tempestades da vida, ter um colchão de segurança é peça fundamental para a constituição de um patrimônio financeiro. Quero aqui expandir um pouco mais essa lição, expondo quatro motivos para se ter uma boa reserva em renda fixa. Antes, algumas importantes questões precisam ser respondida…
O que é o colchão de segurança?
Colchão de segurança nada mais é do que uma provisão financeira alocada em investimento conservador, de baixo risco e de alta liquidez, que lhe permita resolver problemas financeiros sem depender do salário ou outra fonte de renda ativa, nem recorrer a empréstimos ou soluções que causem endividamento. É muito útil principalmente em épocas de crise ou acontecimentos inesperados que tenham repercussões negativas no patrimônio do investidor. Por exemplo: perda de emprego, doença na família etc.
Quanto eu devo ter no colchão de segurança?
Aqui as pessoas divergem. Uns dizem que você deve ter pelo menos o suficiente para cobrir seis meses de despesas, que seria o tempo necessário para conseguir uma recolocação no mercado de trabalho. Assim, se você tem uma despesa média mensal de R$ 3 mil, precisaria ter R$ 18 mil num local seguro. Outros fazem os cálculos com base na renda – bruta ou líquida – da pessoa. Por exemplo: 24 meses de salário alocados num investimento conservador. E assim por diante. Não existe um padrão rígido e universal cuja solução atenda a todas as pessoas em todas as situações. O estudo deve ser feito caso a caso. De maneira geral, parece haver um consenso – ou pelo menos, maioria – de que o mínimo essencial do colchão seria quantia equivalente a 6 meses de despesas. Mas, quanto mais, melhor, como veremos adiante.
Em quais investimentos devo alocar o dinheiro do colchão de segurança?
Investimentos conservadores, preferencialmente de renda fixa (o que já exclui as ações), e com alta liquidez, para facilitar o saque, de preferência, portanto, num banco. Os exemplos mais recorrentes são poupança, CDB e fundos referenciados DI (desde que tenham cota de resgate em D+0). O Tesouro Direto, que, à época em que o artigo foi escrito – 2010 – só permitia resgates uma vez por semana, desde as mudanças implementadas há alguns anos, permitindo resgates imediatos, com depósito no dia seguinte, passou a ser outra ótima opção para alocação do dinheiro do colchão de segurança.
As duas funções básicas da boa reserva em renda fixa
Estabelecidas as premissas acima, podemos agora delinear as 4 razões para se manter uma boa reserva em renda fixa, como preconiza o Halfeld. Elas, na verdade, partem de duas funções básicas do colchão, que são: garantir proteção e proporcionar liquidez. Tais funções estão no núcleo do conceito de colchão de segurança. É um dinheiro “parado”? É, de certa forma. Porém, ele é muito importante também no seu processo de enriquecimento, como você verá abaixo.
A função de proteção
A primeira pergunta que vem é: proteger do quê? Proteger de um risco duplo: de tanto ter que recorrer a empréstimos, CDC (crédito direto ao consumidor), e dívidas, como também de proteger contra o risco de ter que se desfazer do dinheiro alocado para investimentos de longo prazo, como ações e planos de previdência privada, ou mesmo títulos do Tesouro Direto.
A reserva em renda fixa te protege para os imprevistos, que não são apenas os imprevistos negativos, como diz o senso comum, mas também os imprevistos positivos. Os imprevistos negativos todo mundo já sabe: situações de desemprego, doença na família, acidente etc. Tais situações envolvem custos monetários, os quais, muitas vezes, demandam altas quantias, como no caso de uma doença grave que necessite de internação em UTI. Se a pessoa não tiver um plano de saúde que cobre tal internação, o colchão será peça fundamental não só para evitar recorrer a empréstimos e dívidas, mas também a evitar que se retire dinheiro de aplicações de longo prazo, como investimentos em ações e planos de previdência privada.
Felizmente, a vida não é feita somente de imprevistos negativos. Mudanças imprevisíveis positivas também podem ocorrer em sua vida, as quais, por gerarem despesas, necessitam de um aporte financeiro substancial. E você, como pessoa previdente que é, não recorre a dívidas e empréstimos para solvê-las, mas sim ao seu colchão de segurança. Por exemplo: de repente, você recebe uma proposta de trabalho irrecusável… mas em outra cidade. Tal mudança fará com que você tenha que arcar com custos decorrentes da mudança: nova moradia, custos com transporte etc. Você pode também se apaixonar repentinamente e casar de uma hora para outra, numa situação totalmente inesperada. A fim de evitar que seja necessário liquidar posições em ações, você pode com tranquilidade recorrer à boa reserva em renda fixa para custear a festa de casamento e a lua-de-mel.
A função de liquidez
Essa é uma outra característica intrínseca do colchão de segurança, já que esse deve ser de fácil resgate. Mas liquidez pra quê? Para aproveitar oportunidades. Essa é uma função geralmente negligenciada do colchão de segurança, que é visto mais como uma reserva para evitar acontecimentos negativos, quando, na verdade, o colchão também tem a sua excelente função de produzir acontecimentos positivos. E é aqui que entra a função de enriquecer do colchão de segurança (quem diria!), mas enriquecer não só no aspecto de comprar ações (essa você já deve ter sacado enquanto lia esse parágrafo), mas também no aspecto de aproveitar as liquidações, pechinchas e bons negócios no ramos da compra de passivos!
Em outros termos, a liquidez serve, inicialmente, para aproveitar oportunidades na compra de ativos. Ações, imóveis, títulos públicos e qualquer outro tipo de ativo depreciado, isto é, cujo preço esteja abaixo de seu valor intrínseco (qualquer semelhança com Ben Graham e sua margem de segurança é mera coincidência…rs). Se você tem toda a sua grana alocada em ações, de que modo irá aproveitar os efeitos de uma crise sobre o Índice Bovespa?
A boa reserva em renda fixa faz parte do capítulo de alocação de ativos, e tem importância capital na constituição e manutenção de um portfólio de investimentos equilibrado por parte do investidor. Quem manja tudo de alocação de ativos e mais um pouco é o meu amigo Henrique Carvalho. Duvida? Dá uma olhadinha na estante dele publicada no excepcional HC Investimentos.
Mas se engana quem pensa que a boa reserva em renda fixa se restringe a aproveitar pechinchas na compra de ativos. Os passivos também podem muito bem ser aproveitados para aquisições usando o dinheiro do colchão, e pelos mesmos motivos listados acima: isso evitará que você tenha que retirar dinheiro de ações em momentos de crise, como também evitará que você fique endividado e recorra a financiamentos. Carros, pacotes turísticos, eletrodomésticos, gadgets, roupas…: nunca se sabe quando haverá uma oportunidade ímpar de aquisição de um passivo, ainda mais um passivo que você goste e invista sua grana. Vai que ela surja amanhã? E aí, você terá dinheiro para bancar o sonho de consumo sem se endividar? É para isso que serve a boa reserva em renda fixa.
Uma quinta função-brinde do colchão de segurança
Resumindo, então: a boa reserva em renda fixa te protege para imprevistos negativos, te ajuda nos imprevistos positivos, faz você aproveitar as oportunidades de compra de ativos depreciados em momentos de crise, e faz você comprar verdadeiras barganhas quando elas aparecem de surpresa.
Mas ainda tem uma quinta função-brinde do colchão de segurança: ela potencializa sua posição de credor. Quando você compra imóveis baratos, dando seu lance à vista, você não só paga menos do que se financiasse a compra, como também te dá o direito e a possibilidade de alugar o imóvel, tendo direito a receber os frutos da locação. Quando você compra um título público com taxas de juros prefixadas a 18% a.a. – como ocorreu no ápice da crise em 2008 (por mais incrível que pareça) – você passa a ser credor do Governo Federal, tendo a chance de ver seu dinheiro dobrar em 4 anos praticamente sem correr riscos. Quando você compra uma ação como a do Banco do Brasil a R$ 10 – como de fato ocorreu no auge da crise – você não só aumenta seu patrimônio de forma considerável, como também passa a ser credor de dividendos da ordem de mais de 10% sobre o valor pago – dividend yield de 10% a.a. – que era o yield do BBAS3 à época mais aguda da crise (isso considerando que a distribuição de dividendos permaneça constante e crescente).
Essa potencialização da posição de credor ocorre não apenas pela perspectiva positiva de produzir enriquecimento, mas também de evitar o endividamento, já que você, ao usar o colchão de segurança para comprar pechinchas no mercado de consumo – roupas, móveis, carros, gadgets – também fica longe, muito longe, de crediários e financiamentos.
Todas essas razões me convenceram a adotar uma estratégia de alocação de ativos que contemple, ao lado do investimento em ações, também uma boa parcela em renda fixa, em investimentos de boa liquidez, ainda mais considerado o cenário atual, de uma taxa SELIC de 8,75% a.a.
Construa sua reserva em renda fixa sem se deixar levar pela emoção do investimento em Bolsa ou pelo apelo do efervescente mercado de imóveis. Adote uma tática de alocação de ativos que deixe também um espaço para aproveitar os benefícios que uma boa reserva em renda fixa pode lhe proporcionar.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
p.s.: amanhã falaremos sobre outro tema vital de proteção financeira: seguros de vida e de invalidez, a partir de uma proposição do leitor Luciano. Não percam!
Alias Hotmar, não sei se vc acompanhou ontem a folha invest, a matéria principal diz respeito as aplicações na poupança…desempenho acima da média referente aos inuneros fundos de renda fixa e os DIs…que coisa né…a matérias deixa clara que o governo ainda não alterou a tributação porque não teve ainda uma migração em massa desses aplicadores para poupança, outro ponto a qual fiquei surpreso, deixam claro que o clientes renda fixa e DI nem percebe os altos custos de adm cobrados pelos fundos conservador.esse tambem é um ponto fortíssimo pelo fato do governo ainda estar quietinho no caso da tributação. a notícia boa é que está aumentando o número de milionários no colchão de segurança…mas entre nós…no atual cenário de taxas de juros,a poupança está tendo excelentes vantagens…
abração
Luciano
Luciano, ótima observação!
Isso só prova q existe uma lacuna muito grande de educação financeira na massa de investidores, pois a esmagadora maioria dos fundos de renda fixa e DI cobram severas taxas de administração no Brasil.
É a mesma coisa em relação ao volumoso estoque em títulos de capitalização…
Aliás, sobre a poupança, escrevi um artigo mostrando as vantagens ocultas da poupança: http://valoresreais.com/2009/05/24/as-vantagens-ocultas-da-poupanca-e-nao-vou-falar-do-ir/
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Grande Hotmar! Há algum tempo leio seu blog, mas hoje resolvi comentar e lhe parabenizar pelo excelente trabalho de informação com seu blog e tópicos altamente relevantes. Aproveitando o ensejo, eu, tal qual você, sou adepto do colchão de segurança na poupança. E agora (depois de algum estudo em matéria financeira, e do seu blog inclusive) comecei a investir em ações. Mas engraçado as questões das coincidências, fui averiguar meu rendimento da poupança de março e curiosamente percebi que só rendeu 0,498% (ou seja, nem 0,5% e muito menos TR) amanhã irei ao banco reclamar.
Abraço e continue postando.
C Jr, obrigado pelo comentário! 🙂
E parabéns por estar investindo em ações: aportar seu dinheiro se tornando sócio das boas empresas é participar da prosperidade econômica que os anos futuros renderão a todos aqueles que se dispuserem a investir no mercado de ações. É, sobretudo, acreditar que a economia brasileira de amanhã estará mais forte do que a de hoje, o que é bem razoável, considerando que a economia hoje está melhor do que a de 10, 20, 30 anos atrás.
Sobre a poupança, depois de alguma pesquisa, acabei verificando que hoje ela está pagando somente o 0,5%. A TR, infelizmente, está zerada. Mas verifique aí com seu banco onde foram parar esses 0,002% de rendimento que não estão te pagando. Afinal, é seu direito receber os juros na forma integral.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Belo texto Hotmar!
Realmente na época da crise tivemos grande oportunidades tanto em Renda-Fixa como nas ações. Os exemplos reais citados por você só comprovam esta idéia. Hoje o DY do BBAS3 está em torno dos 5,5%. Na crise era de 10%. Logo, quem comprou no meio do pânico generalizado está obtendo hoje praticamente um dividendo 2x maior do que quem irá comprar a ação neste momento.
E obrigado pela referência!
Grande Abraço meu amigo!
Ôpa, obrigado Henrique, pelo comentário!
De fato, aproveitar as crises com o foco certo pode resultar em belos ganhos já de modo imediato, como ocorreu com essa ação do Banco do Brasil e algumas outras q estavam com um DY excepcionalmente alto no turbilhão da crise.
E isso sem contar com os fundos imobiliários, q apresentaram DY superior a 1%. O exemplo que o Investimentos e Finanças deu no blog dele é a comprovação prática de q a crise de 2008 deu pra ser aproveitada tb no ramo dos FIIs.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Hotmar, concordo plenamente com o colchão de segurança, principalmente com a última função. Aproveitar as janelas de oportunidade que o mercado nos oferece é um bom motivo para uma alocação em renda fixa. Que coincidência… Aproveitei também as duas citadas. Nesses momentos é importante ter “capital de giro”.
Flávio, parabéns!
Aproveitar as oportunidades é isso mesmo: ter “capital de giro”, ou seja, cash. Como disse o Mark Tier no livro sobre Buffett e Soros, o dinheiro esconde uma “opção intrínseca de valor oculto”, revelada nesses momentos em que todos, desesperadamente, procuram transformar seus ativos em dinheiro vivo, procuram, em última análise, liquidez. E é justamente a escassez de liquidez que acaba imperando nessas épocas mais agudas de crise: todo mundo correndo para transformar seus ativos em dinheiro, e pouca gente com dinheiro em mãos…exceto aqueles com uma “boa reserva em renda fixa”….hehehe
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Aliás, eu li em alguma fonte estrangeira que o que na verdade causa as crises econômicas é a escassez de liquidez… a partir de um comentário que a Mara Luquet fez no podcast dela… vou procurar me informar e posto aqui no blog. 😉
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!