Normalmente, “fazer arte”, dito nesse contexto, tendo as crianças como sujeitos do verbo, está relacionado à bagunça. As crianças estão “aprontando”, fazendo o que não devem. Algumas vezes isso é dito de forma carinhosa, para bebês, por exemplo, diante da inofensividade das conseqüências de suas brincadeiras. Outras vezes, isso é dito de forma agressiva, num tom repressivo, exatamente por ter acionado nos pais o sinal de alerta de que as crianças podem estar praticando alguma brincadeira que resulte – ou possa resultar – em danos à sua integridade física.
No entanto, de forma subliminar, os pais que dizem que seus filhos estão fazendo arte estão também reconhecendo, implicitamente, que eles estão exercendo a criatividade – ainda que com quebra eventual de regras e costumes. Isso porque fazer arte – na mente dos adultos – remete ao processo criativo, ou seja, às artes plásticas, às pinturas, enfim, às manifestações artísticas (com o perdão da redundância) de uma maneira geral.
“Fazer arte” assume, então, um duplo significado, no contexto das crianças: explicitamente, denota bagunça, desordem, quebra de padrões sociais pré-estabelecidos. Implicitamente, conota criatividade.
O problema é que o exercício da criatividade muitas vezes é bloqueado ainda na infância, por atitudes às vezes inconscientes dos pais e da escola, o que provoca uma perda dessa habilidade no desenvolvimento desses jovens, que pode se deteriorar e se agravar à medida em que a pessoa cresce. Em outros termos, os seres humanos nascem com um alto potencial de criatividade, mas vão sendo tolhidos conforme a idade avança. Para ilustrar essa situação, trago aqui um trecho de um ótimo artigo que estampa a primeira página do site “Criatividade Aplicada”, uma descoberta muito interessante a respeito da própria criatividade:
Créditos da imagem: site Criatividade e Inovação
“Em 1968, os pesquisadores George Land e Beth Jarman realizaram uma reveladora pesquisa sobre criatividade com um grupo de 1.600 jovens nos EUA. O estudo se baseou nos testes usados pela NASA para seleção de cientistas e engenheiros inovadores. No primeiro teste as crianças tinham entre 3 e 5 anos e 98% apresentaram alta criatividade; o mesmo grupo foi testado aos 10 anos e este percentual caiu para 30%; aos 15 anos, somente 12% mantiveram um alto índice de criatividade. Teste similar foi aplicado a mais de 200.000 adultos e somente 2% se mostraram altamente criativos.
No livro Breakpoint and Beyond: Mastering the Future Today (1992), George Land e sua colega Beth Jarman concluíram que aprendemos a ser não-criativos. O declínio da criatividade não é devido à idade, mas aos bloqueios mentais criados ao longo de nossa vida. A família, a escola e as empresas têm tido sucesso em inibir o pensamento criativo. Esta é a má notícia. A boa notícia é que as pesquisas e a prática mostram que este processo pode ser revertido; podemos recuperar boa parte de nossas habilidades criativas. Melhor ainda, nós podemos impedir este processo de robotização.”
O processo de inibição da criatividade natural, segundo Jairo Siqueira, autor do referido site,
“Tem seu lado positivo, pois a vida em sociedade requer a observação de certas regras e costumes. No entanto, traz um efeito secundário pernicioso: o lento, mas inexorável, bloqueio de nossa curiosidade, imaginação e engenhosidade”.
Precisamos resgatar a criatividade. Hoje, ela tem valor não somente para profissionais que trabalham com artes ou publicidade e propaganda, mas para qualquer profissional, de qualquer área. Engenheiros, arquitetos, programadores de computador, cientistas, advogados, biólogos, pesquisadores de laboratório, filósofos, escritores, blogueiros, e até mesmo investidores financeiros – qualquer um e todos – precisam aprender a desenvolver a criatividade para que possam se destacar e ter sucesso em seus respectivos campos de atuação. No mundo do século XXI, ter criatividade é um requisito essencial para conquistar um sucesso duradouro.
O problema de delegar a educação para as escolas
Voltemos ao assunto que começou esse artigo: a educação das crianças. É lugar comum os pais falarem que vão se esforçar para colocar seus filhos nas melhores escolas, a freqüentarem mil e uma atividades extracurriculares, a começarem desde cedo a praticarem idiomas estrangeiros etc. etc. etc. Tudo isso é sem dúvida importante, mas as pessoas que dizem isso é porque focam muito nisso, talvez se concentrem exclusivamente no valor da educação através da escola, e se esquecem que elas próprias – os pais – é que são os principais agentes de educação na vida de seus filhos. Não só os pais, mas também os avós, enfim, o núcleo familiar.
É surpreendente a diferença positiva para o desenvolvimento das crianças, resultante de pais presentes “de verdade” na vida de seus filhos, principalmente aqueles de tenra idade. Por isso que achei genial a idéia semeada pela Luzia de Maria, contida no livro O clube do livro, resenhado tempos atrás, no sentido de desenvolver nas crianças o hábito pela leitura, e dar essa preciosa dica: histórias de literatura infantil precisam ser lidas em voz alta, e não tão-somente contadas em voz alta. O repertório de uma história contada é mais estreito que o repertório de palavras de uma história lida, e isso é absorvido na mente das crianças, portanto, quais mais elas foram expostas a um universo vocabular mais amplo, maiores as chances de incorporarem esse mesmo rico repertório à sua estrutura linguística.
O exemplo que a própria autora forneceu, um exemplo prático, vivo, concreto, em relação à sua neta, do impacto provocado por essa lição, nos dá a exata noção da importância de pais e avós serem, eles próprios, agentes de educação e de transformação na vida de seus filhos.
Não é que as escolas não desempenhem papel importante na vida das crianças – desempenham sim, e muito – mas os pais devem complementar essa formação, dando a devida atenção e procurando sempre instruí-los para a vida, seja por meio de dicas práticas como as fornecidas pela Luzia de Maria, pela Carol Dweck, dentre outras, seja por meio do exemplo de suas próprias vidas.
Crianças aprendem por imitação. Isso é fato. Se você der bom exemplo, elas desejarão imitá-lo, porque você é o maior e melhor ponto de referência para elas. Ensine o valor do esforço, e elas serão pessoas dedicadas e comprometidas em atingir seus objetivos. Ensine o valor do consumo responsável, e elas se tornarão consumidoras conscientes. Ensine o valor dos alimentos naturais, e elas terão menos probabilidade de se tornarem fãs da junk food. Fique lendo em suas horas vagas, e elas também se tornarão leitoras frequentes no futuro.
Acima de tudo, mantenha acesa a chama da curiosidade, e desperte nelas o potencial criativo. As chances de desenvolverem habilidades e aptidões na vida adulta serão muito maiores. E certamente continuarão a fazer arte quando crescerem. Mas uma arte positiva, capaz de mudar a vida delas e a de muitas outras pessoas. Encerro esse artigo com uma citação do livro “Felicidade autêntica” (p. 56), de Martin Seligman (resenha em breve aqui no blog):
“Educar filhos, hoje eu sei, é muito mais que corrigir o que há de errado com eles; é identificar e intensificar suas forças e virtudes, ajudando-os a encontrar o nicho onde possam exercitar ao máximo esses traços positivos”.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Excelente!
Valeu, Alan!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Guilherme,
Descobri recentemente seu blog e a cada post que leio gosto mais! Parabéns!
Concordo completamente com você, nós pais temos uma papel muito mais importante do que pensamos no que diz respeito à educação dos nossos filhos! E a cada dia vejo mais latente a recompensa de sermos pais presentes que dão todo o suporte necessário, mas sem sufocá-los, dando a oportunidade de se superarem por si próprios.
E eu que falo direto com minha filha de 1 ano que ela está fazendo arte, adorei a coincidência…
Abraços.
Apenas acrescentando ao meu comentário anterior:
Adorei a coincidência de você escrever sobre o “fazer arte”, pois digo isso direto com minha filha! 🙂
Até estou escrevendo um post no meu blog Di Grávida sobre esse seu artigo. Devo publicá-lo nos próximos dias…
Abraços e parabéns mais uma vez!
Olá, Igor, obrigado pelos comentários. Você está coberto de razão em afirmar a importância dos pais de estarem “presentes” na vida dos filhos. É um investimento de longo prazo que faz toda a diferença.
E, a propósito, parabéns pela Beatriz! É encantadora!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Guilherme,
O que mais me chamou a atenção é a tabela, a qual infelizmente apresenta uma queda vertiginosa na criatividade com o passar dos anos.
Vivemos em um mundo cada vez mais “engessado”, com tantas regras, com tantos “não pode isso, não pode aquilo” que quase não sobra mais espaço para criatividade. Um dos resultados é o que vemos por aí: quase não há mais realização pessoal, não existe mais VIDA, no amplo sentido da palavra.
Perfeita a frase final!
Obrigado Rosana!
Ótimas observações. É como o Nuno Cobra diz no livro “A semente da vitória”: a nossa sociedade acaba bloqueando a criatividades das pessoas desde o início, desde quando elas são crianças, ao invés de estimulá-las”.
Abç!
Infelizmente é verdade…
Imagine como o mundo seria melhor se a criatividade não fosse bloqueada.
Não haveria tanta insatisfação, tanta dependência química e vícios, tantos distúrbios psicológicos como depressão, ansiedade, transtornos e síndromes diversas.
Não haveriam também tantas pessoas indo para o emprego como se estivessem indo para um funeral. Já reparou as fisionomias em uma segunda-feira de manhã?
Abraços,
Verdade, Rosana, a criatividade é a mola-mestra da inovação, mas a sociedade meio que faz de tudo para que não se desenvolva o espírito criativo nas crianças.
De fato, as pessoas que vão trabalhar segunda-feira de manhã, a maioria delas, apresenta insatisfação, semblante triste e preocupação.
São esses e outros fatores que fazem com que a depressão e outras doenças mentais apareçam com tanto destaque como as “doenças do século”.
Abç!
Uma pena tudo isso…. 🙁
Concordo, Rosana, o mundo caminha para uma situação global preocupante… 🙁
Excelente texto! Parabéns!