Imagine que você é apaixonado por saladas. Saladas de todos os tipos: saladas de verduras, saladas de legumes, saladas de frutas, saladas frias, saladas quentes, saladas bem temperadas, saladas sem tempero algum. Sua dieta, embora também inclua grãos, massas e carnes, tem que ter obrigatoriamente uma porção generosa de saladas, pois você sabe do evidente valor delas para a sua saúde. Você se esmera em fazer saladas em casa, e, nos restaurantes self-service, seu prato fica tão cheio com as saladas, cujos componentes são escolhidos a dedo e com todo o cuidado do mundo, que sobra pouco espaço para as opções de pratos quentes.
Imagine agora que você resolva freqüentar um curso de preparação de saladas, ofertado pela escola de culinária local, onde o professor, chef renomado na área de… saladas (!), faça você se aprofundar mais ainda no gosto pelas saladas, ao ficar sabendo de outros benefícios para a saúde, para o cérebro, para a nutrição, benefícios esses que você até então desconhecia. Ele conta como são preparadas algumas das melhores saladas do mundo, faz um passeio pela história das saladas, fornece a você mais informações nutricionais delas para a saúde física do corpo e para o bom e regular funcionamento do intestino e do cérebro. Você mal sai do curso, e a primeira coisa que lhe vem à cabeça é ir para a feira ou o supermercado mais próximo escolher as verduras, frutas e legumes que comporão suas próximas saladas, baseadas nas informações que extraiu do curso que acabou de frequentar. Na verdade, você deseja também recomendar o curso para todos os seus amigos e parentes que também tem afeição por algum tipo de salada.
Pense que as saladas são como livros, e que os livros têm esse mesmo poder de atrair as pessoas, promover crescimento e oferecer inegáveis benefícios para a saúde do cérebro, além de trazer enorme alegria para quem lê, como um curso de culinária. Da mesma forma que quem é apaixonado por saladas irá tirar muito proveito de um curso de culinária sobre elas, quem é apaixonado por livros e leituras irá ficar igualmente satisfeito e feliz ao ler o livro de Luzia de Maria, O clube do livro: ser leitor – que diferença faz? Peço licença aos que vêm até esse blog para saber mais sobre finanças pessoais, para dedicar esse final de semana à resenha desse fantástico livro sobre o hábito das leituras, e o que elas fazem para o leitor, escrita por uma autoridade no assunto, doutora pela USP, autora de quinze livros, e participante de vários projetos públicos e privados de incentivo à leitura. A resenha está dividida em duas partes, sendo que a segunda será publicada amanhã. A história que me levou até esse livro é curiosa e também merece ser registrada aqui.
Pois eu estava no aeroporto e, antes de embarcar, fui até uma dessas franquias da Laselva, buscar os jornais e revistas que costumo comprar: Valor Econômico, Você S.A. etc. Livros eu dificilmente compro nas livrarias sem antes fazer uma pesquisa na Internet, embora um dos melhores livros que eu tenha lido, até hoje, seja oriundo de uma livraria de aeroporto.
Eis que, olhando a vitrine, me deparo com a capa desse livro da Luzia, o que instigou minha curiosidade e a vontade de logo folheá-lo para ver do que se tratava. E aquilo que eu suspeitava se confirmou: tratava-se, aparentemente, de um livro sobre as inegáveis vantagens do próprio ato de leitura. E eu, leitor frequente que tenho sido nos últimos tempos, achei muita coincidência o lançamento desse título que, sem dúvida, aumentaria ainda mais a minha convicção quanto ao acerto do uso cotidiano e frequente desse importante instrumento – a leitura –, não apenas como passatempo, mas também como instrumento de promoção de desenvolvimento pessoal, ampliação do universo de referências e construção de conhecimentos novos, o que foi inteiramente confirmado agora que a leitura do livro foi concluída.
Aliás, esse foi um dos poucos livros em que eu desacelerei a leitura quando estava se aproximando do fim. Normalmente, quando lemos um livro, começamos devagar, prestando bastante atenção, mas, à medida em que avançamos, se o conteúdo não for bom, queremos logo concluí-lo. Esse livro não, até porque uma de suas melhores partes se encontra justamente no final, o que justificava, claro, uma “redução de marcha”.
Invertendo a tradicional lógica que uso em minhas resenhas, começo pelo final: se você gosta de leitura, se você tem o hábito de ler, se você ocupa boa parcela de seu tempo livre com leituras descompromissadas, se você gosta de frequentar livrarias e bibliotecas ávido por novidades e descobrir por acaso uma pérola, se você lê não apenas por obrigação, mas por prazer, se você acha que a leitura é uma atividade importante e que gostaria (ou gosta) de transmitir aos seus filhos, esse é um livro feito sob medida para que você fique com mais fome de leitura. Se você é professor do ensino fundamental ou do ensino médio, então, essa leitura é mais do que essencial. É uma leitura incrível. Diverte, instiga, estimula a vontade de ler não só a grande literatura – Machado de Assis, Ítalo Calvino, José J. Veiga, Fernando Sabino – como também a literatura científica que tem despontado nos últimos tempos, na forma de narrativas, para aproximar o leitor das últimas descobertas das ciências, com as de Stephen Hawking, Marcelo Gleiser e outros. É um livro que se baseia na própria literatura, e narra ainda a experiência da autora numa escola pública, nos anos 80, em criar um clube da leitura, com uma proposta pedagógica inovadora, surpreendente e cativante para seus alunos, cujos resultados se perpetuaram no tempo, como vocês saberão logo a seguir. Vamos descobrir então que diferença faz ser um leitor, mergulhando na resenha do livro!
Informações técnicas
Título: O Clube do Livro: ser leitor – que diferença faz?
Autora: Luzia de Maria
Número de páginas: 333
Editora: Globo
Faixa de preço: R$ 26 a R$ 36
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Capítulo 1. Formar leitores e tornar-se leitor – prioridade em qualquer nível escolar e na vida.
Nesse primeiro capítulo, Luzia de Maria começa destacando a importância e o peso da escrita na sociedade moderna, e a necessidade imperiosa de se tornar leitor. Enfatiza também o poder das narrativas e conclui que o computador pode, sim, ser um aliado da leitura. Na verdade, ele é um instrumento de pressão que joga a favor, e não contra, a leitura. Nesse sentido, é oportuno destacar o seguinte trecho de seu livro (p. 43):
“Diferentemente da televisão e do vídeo, que são perfeitamente compatíveis com o analfabetismo, o computador, e a rica possibilidade de interação que ele oferece, reabilitou radicalmente a importância da escrita. Nunca se leu tanto como no presente”.
Luzia de Maria não critica o fato de as crianças começarem lendo Harry Potter, por exemplo, pois essa pode muito bem ser uma porta de entrada para a leitura de outros livros do rico acervo da literatura brasileira e internacional.
Dentre os benefícios que a leitura proporciona, Luzia cita a ampliação de vocabulário, a melhora no nível de comunicação – tanto escrita quanto oral – e o alargamento da visão de realidade, de forma crítica e construtiva. A autora dá especial ênfase à inoculação do hábito da leitura para crianças, inclusive para aquelas em idade pré-escolar.
Êpa, como assim, se elas ainda não foram alfabetizadas? É que estudos científicos da área de neurociências já comprovaram que as estruturas cerebrais das crianças têm o poder de serem construídas mesmo quando elas ouvem as histórias da literatura narrada pelos pais. E tais histórias devem ser não contadas, mas sim lidas em voz alta, para que o vocabulário das crianças seja ampliado e melhor construído.
A leitura ainda promove o diálogo entre as pessoas. Quem lê tem assunto para falar, se torna uma pessoa mais interessante, mais ativa socialmente. Ter assunto para falar… que o diga esse blog aos domingos, não é mesmo? 😀
Ainda, a leitura nos ajuda a fazer previsões. Com efeito, em todo livro a ser lido carregamos expectativas, fazemos perguntas, cujas respostas vão sendo descobertas na medida em que o texto é lido. Construímos conhecimentos sem o auxílio de um professor, o que significa que promovemos o autodidatismo. Quem lê bastante acerca de livros sobre finanças pessoais passa a ter condições de conduzir seus próprios investimentos, a elaborar perguntas e encontrar respostas por conta própria. Ele se torna praticamente um autodidata nas finanças.
Uma das melhores partes do livro é a seção sobre a importância da leitura para as conexões neurais e a construção da inteligência e a vitalidade do cérebro. Nessa parte, Luzia nos conta que, de acordo com neurocientistas, a palavra que melhor representa o cérebro é a plasticidade, isto é, o poder do cérebro de se modelar em função das novas experiências, dos novos contatos, já que, a partir dessa imersão em novas situações, conexões neurais são criadas e o próprio mapa cerebral vai sendo redesenhado, de forma dinâmica e contínua. A leitura desempenha um papel decisivo para a vitalidade do cérebro, como se fosse um músculo que necessita continuamente ser exercitado. A nossa capacidade intelectual depende menos de nossa genética, e mais das experiências que construímos ao longo da vida.
Nesse ponto, é impossível não vislumbrar um ponto de intersecção com outro livro resenhado há pouco tempo atrás, o livro de Carol Dweck, Por que algumas pessoas fazem sucesso, e outras não, em que esta última autora fala do valor do esforço e do aprendizado para a modelagem de cérebros com código mental construtivo. Aqui também Luzia de Maria aproveita para falar dos evidentes benefícios neurobiológicos de se oferecer às crianças o contato com livros de literatura infantil, para o desenvolvimento de habilidades motoras, fornecimento de prazer estético pelo colorido dos livros, e estímulo dos vários sentidos, além do oferecimento da interação com o meio.
Na última parte desse primeiro capítulo, Luzia revela a importância de o professor ser um bom leitor, justamente para instigar nos alunos o hábito da leitura. Ela diz que isso é um grande problema na estrutura educacional brasileira, pois boa parte dos professores que saem dos cursos de letras ou de pedagogia não são leitores. Propõe também que as escolas sejam transformadas em espaços culturais, para a melhoria da qualidade da aprendizagem dos alunos.
Capítulo 2. Leitura e construção do conhecimento – uma libertária proposta pedagógica
Nesse capítulo, a autora começa abordando a idéia de que a paixão de ler, no ensino fundamental e médio, é o mais benéfico dos contágios. Faz, dentre outras, citações de grandes obras da literatura infantil nacional, para provar que o Brasil conta com um acervo de literatura infantil de alta qualidade. Trata, inclusive, do aspecto essencial da leitura para quem deseja escrever, aspecto esse apontado pela unanimidade dos escritores.
Em seguida, a autora faz uma viagem por alguns textos extraídos de livros que promovem conhecimentos científicos utilizando-se da literatura narrativa, que aguçam a curiosidade e promovem o gosto pelo conhecimento. Luzia de Maria defende que se estimule a leitura não apenas pela qualidade, mas também pela quantidade, afirmando que ninguém consegue ser um bom leitor lendo apenas um livro por bimestre, para responder a questões de importância diminuta nas provas. E é justamente isso que acontece de forma corriqueira nas escolas desse Brasil.
A autora defende que os alunos tenham liberdade de escolher suas próprias leituras, já que um livro só não consegue agradar a todos ao mesmo tempo. Devem ser respeitados o ritmo, os hábitos e a velocidade de leitura de cada um. Em relação a isso, abro um parênteses para contar uma experiência pessoal que ocorreu quando eu estava na quinta série. Naquela época, a nossa professora de língua portuguesa nos oferecia um banquete de livros – os colocava na frente da sala, no quadro-negro, e cada aluno ia escolhendo aquele que lhe parecia melhor. E os livros eram trocados a cada semana, ou quando o aluno terminava a leitura. Essa foi, sem dúvida, uma atitude que contribuiu para desenvolver no autor desse blog o gosto pela leitura.
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Amanhã publicaremos a segunda parte da resenha, comentando os capítulos 3 e 4, e fazendo a conclusão final. Não percam! 😀
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Este livro eu amei de paixão. Quando o encontrei à venda, não dava o valor necessário, porque, bem, parecia aqueles livros chatos que falam muito de gramática…
Mas me surpreendi, é tudo menos chato.
Blanda, obrigado pelos comentários!
De fato, esse livro é imperdível para os amantes da boa leitura!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Rapaiz, achei fantástica essa frase aqui:
“Diferentemente da televisão e do vídeo, que são perfeitamente compatíveis com o analfabetismo, o computador, e a rica possibilidade de interação que ele oferece, reabilitou radicalmente a importância da escrita. Nunca se leu tanto como no presente”.
Mal posso esperar para ler este livro. Obrigado pela indicação.
Abcs
Olá Willy, esse livro é imperdível para todos que querem ter um lazer e entretenimento de altíssima qualidade.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
“A maioria dos homens vivem em total desespero.Procurem a sua própria voz[…]O jogo prossegue e talvez contribuas com um verso.Qual será o seu verso”?. Amei esse trecho sobre o filme Sociedade dos poetas mortos.É desafiador e estimulante, eu e minha colega de trabalho lançamos esta questão em uma reunião de formação para professores é maravilhoso. Amei a resenha e continuarei lendo com muito prazer.Parabéns! Amarilys
Obrigado pelas gentis palavras, Amarilys!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!