Sono, atividade física, alimentação.
Muitos dizem ser esse o tripé que constitui a base fundamental para a boa saúde.
Aprendemos, porém, através do livro do Matthew Walker (link), que na verdade o sono é a base fundamental dentre os três. O sono é o pilar que permite que os demais (nutrição e atividade física) cumpram seus respectivos papéis na promoção da boa saúde.
Sobre os benefícios da atividade física, já discorremos através de resenhas de vários outros livros, como os do Nuno Cobra (link) e do Tony Schwartz (link).
Sobre os benefícios do sono, temos o livro do Matthew Walker (link).
E sobre os benefícios da alimentação?
Me parece que eu ainda não havia resenhado livro específico sobre ela (link), embora o tema – alimentação – já tenha sido objeto de diversos artigos aqui no blog, como os que seguem abaixo:
- Priorize o consumo dos alimentos naturais;
- A nutrição adequada como elemento essencial para a energia física que o corpo necessita: a importância de manter a estabilidade dos níveis de açúcar no sangue;
- [via Crianças na Cozinha] Calendário completo com a melhor época para comprar (e consumir) frutas, verduras e legumes.
A propósito do tema, resolvi, então, fazer a leitura do excelente livro A revolução da glicose, de Jessie Inchauspé, que foca, como o próprio nome diz, na importância de equilibrar os níveis de glicose no sangue, a fim de ter uma vida em condições mais saudáveis.
Eis a sinopse do livro:
“Como principal fonte de energia, a glicose impacta de maneira surpreendente o nosso corpo.
Se a concentração no sangue fica muito alta, ocorrem respostas das mais variadas: compulsões alimentares, espinhas, enxaqueca, névoa mental, oscilações de humor, ganho de peso, sonolência e infertilidade. E, com o passar do tempo, esse desequilíbrio pode contribuir para o desenvolvimento de doenças como diabetes tipo 2, síndrome do ovário policístico, câncer, demência e cardiopatias.
Com base nas mais recentes pesquisas, em observações práticas e testes de alimentos específicos ― inclusive nosso açaí ―, Jessie Inchauspé nos mostra quais opções de café da manhã podem causar compulsões, em que ordem devemos comer cada tipo de alimento, o que não ingerir de estômago vazio, quais alimentos levam a mudanças de humor e como evitar aquele incômodo sono do meio da tarde.
A revolução da glicose oferece estratégias simples e cientificamente comprovadas para achatar a curva de glicemia de forma rápida e sustentável, em uma nova abordagem para melhorar nossa vida, quaisquer que sejam as preferências alimentares”.
Três dicas práticas
Engana-se quem pensa que o controle da glicose no sangue é importante apenas para os diabéticos. Na verdade, é importante para qualquer pessoa, não apenas – e é aqui que vem a grande “sacada” do livro (em minha opinião) – para evitar problemas biológicos, como processos inflamatórios, aumento de risco de doenças das mais diversas ordens (cardíaca, hepática, neurológica etc.), mas também para evitar problemas psicológicos, como sensação de cansaço depois de se empanturrar de doce; idas ao banheiro de madrugada e consequente dificuldade de voltar a pegar no sono, sonolência pós almoço etc.
Particularmente, eu destaco três dicas práticas que funcionaram bastante comigo, dicas essas apoiadas em dados científicos clinicamente testados e comprovados.
A primeira é a mudança na ordem de ingestão dos alimentos. Antes, eu estava acostumado a ingerir fibras (saladas), seguida de carboidratos (por exemplo, arroz), e somente por último as proteínas (carnes, frango etc.).
Jessie sugere ingerir as proteínas antes dos carboidratos (mantendo as fibras em primeiro lugar), em razão do melhor controle dos picos de glicose pós-refeição, o que deflagra, por sua vez, numa série de outros benefícios para o organismo, como melhor disposição energética, menos fadiga pós refeição, melhor “processamento” dos alimentos pelo organismo etc.
A segunda é evitar os famigerados lanchinhos noturnos. Segundo Jessie, eles foram criados pela indústria alimentícia a partir dos anos 90 (página 168), e causam problemas na melhor regulação do sono.
Coincidentemente, fazer um jejum de pelo menos duas horas antes de pegar no sono também foi observado, na entrevista do neurocientista Andrew Huberman com o médico Kyle Gillet (link), como um dos fatores que contribuem positivamente para a liberação do GH (hormônio do crescimento) pelo organismo.
A terceira (que na verdade eu já fazia antes, mas foi confirmada pelo livro), é tomar vinagre de maçã (uma colher de sopa diluída em 150 ml a 200 ml de água) antes do almoço e do jantar. Eis a explicação (p. 177-178):
“O ácido acético do vinagre desativa temporariamente a alfa-amilase [enzima que decompõe o amido, transformando-o em glicose]. Em consequência, o açúcar e o amido se transformam em glicose mais lentamente, e a glicose age de forma mais suave no organismo. […] Além disso, assim que o ácido acético entra na corrente sanguínea, penetra nos músculos, incentivando-os a produzir glicogênio mais rapidamente que o normal, o que, por sua vez, leva a uma absorção mais eficaz da glicose. Esses dois fatores – a liberação mais lenta da glicose no organismo e a absorção mais rápida pelos músculos – fazem com que haja menos glicose circulando livremente e, com isso, um pico de glicemia menor.
Ademais, o ácido acético não apenas reduz a quantidade de insulina presente – ajudando a voltar ao modo queima de gordura -, mas também tem um efeito notável sobre nosso DNA: ele o reprograma ligeiramente, fazendo as mitocôndrias queimarem mais gordura”.
.
.
A cesta de pãezinhos que o restaurante te serve antes da refeição: a explicação científica para o restaurante lucrar mais
O livro tem muitos insights interessantes, e essa da cesta de pães vale a pena mencionar.
Ela não é feita sem uma boa razão, e a boa razão é fazer o restaurante lucrar mais: quando você come pão antes da refeição, você tem uma tendência a pedir mais comida no restaurante, pois isso aumenta a sua fome (p. 108):
“Infelizmente, alguns restaurantes, por exemplo, servem uma cesta de pãezinhos enquanto você aguarda seu prato. Começar pelo amido é exatamente o contrário do que você deve fazer. Vai levar a um pico de glicemia que você não terá como controlar, e em seguida a uma queda repentina – o que só vai intensificar sua compulsão.
Olha, pensando bem, se eu tivesse que bolar um jeito de fazer as pessoas comerem mais no meu restaurante, servir pão primeiro é exatamente o que eu faria”.
Conclusão
O livro é muito bom e não é à toa que está na lista dos mais vendidos da Amazon – na verdade, ele está sendo o livro mais vendido (número 1), quando da escrita desse artigo (janeiro de 2023).
Porém, depois que eu li os livros do Walker (link) e do Desmurget (link), não tem como não apontar algumas coisas que, na minha estrita percepção, tornam o livro da Jessie um pouco abaixo daqueles dos dois autores antes mencionados.
O primeiro é a excessiva referência à conta de rede social onde ela divulga as informações, o que chega a ser até compreensível, por questões mercadológicas, de arregimentar seguidores etc.
O segundo é citar, para cada capítulo do livro, a “casuística”, ou seja, ilustrar com exemplos de casos concretos sobre os pontos mencionados no livro. Não que isso seja de todo ruim – afinal, ilustrar com casos práticos e “contar histórias” (famoso storytelling, tão em voga hoje em dia) é uma boa técnica de prender a atenção e provar a validade de um argumento.
Mas depois que você lê livros como “Por que nós dormimos” (que compila mais de 20 anos de pesquisas científicas do autor, professor na Universidade de Berkeley e que já lecionou em Harvard, além estar embasada em milhares de outras pesquisas) e “A Fábrica dos Cretinos Digitais” (que contém 591 notas de rodapé, a maioria oriunda de artigos científicos de qualidade revisados por pares, e cujo autor já lecionou no MIT e trabalhou chefiando o Instituto Nacional de Saúde Pública na França), você vai ficando mais exigente em certos tipos de leituras, você sobe o sarrafo de sua exigência na qualidade dos livros que lê, e passa a inconscientemente exigir mais argumentos científicos e menos anedotas naquilo que você quer aprender.
Não que isso desmereça o livro da Jessie – muito pelo contrário, até porque os argumentos expostos no próprio livro dela estão apoiados e respaldados pela ciência – são 21 páginas só de notas, a maioria referenciando estudos científicos de qualidade revisados por pares.
Mesmo assim, o livro é um excelente guia para uma alimentação mais saudável – o melhor que li até hoje -, pois surpreende o leitor com dicas inovadoras, embasadas em descobertas científicas, muitas vezes, realizadas ao longo da última década – 2011 a 2020.
Guilherme,
Eu ainda não conhecia esse livro, vou pesquisar sobre ele. Agradeço pela dica!
Impressionante a parte da cesta de pãezinhos. O que as empresas não fazem para lucrar mais..
Boa semana!
Verdade, Rosana,
Sempre há um motivo por trás de cada decisão empresarial, até nas mais prosaicas, como essa dos restaurantes.
Boa semana também!
Oi Guilherme, bom dia
Achei interessante a alteração de ingestão de proteínas antes dos carboidratos. Gostei também dos casos concretos na alimentação do nosso dia-a-dia.
Tenha um bom fim de semana.
Valeu, VAR, pra você também!