Nos acostumamos a criar – e principalmente manter – uma crença que correlaciona quantidade de tempo com quantidade de trabalho.
Isto é, quanto mais tempo trabalhando em uma atividade, melhor seria o nosso desempenho.
A assertiva não está totalmente correta – ao menos do ponto de vista científico.
Há outros fatores – como sono, qualidade do descanso, duração limitada da capacidade de concentração – que interferem no desempenho, seja esse desempenho intelectual, seja esse desempenho físico.
O excelente livro de Tony Schwartz, Não trabalhe muito, trabalhe certo!, reporta-se a um estudo feito por Anders Ericsson nos anos 90, em que foram estudados 30 violinistas da Academia de Música de Berlim. Eles foram agrupados em 3 grupos isolados, com base na avaliação dos professores deles: o grupo dos “melhores”, destinados a se tornarem solistas profissionais; o grupo dos “bons”, que seriam os membros de orquestras; e finalmente o grupo dos “regulares”, que tinham aspirações mais modestas, como seguir carreira como professores de música.
Os resultados foram fascinantes, como descrever Schwartz (p. 7):
“Os 30 violinistas concordaram que ‘praticar somente’ tinha maior impacto no aprimoramento do desempenho. Quase todos também concordavam que a prática era a atividade mais difícil de sua vida e a menos agradável. Os dois melhores grupos, que praticavam em média 3,5 horas por dia, faziam isso principalmente em três sessões independentes de até 90 minutos cada, a maioria pela manhã, quando estavam supostamente mais descansados e menos dispersos. Faziam um intervalo para renovação entre cada sessão. O pior grupo praticava em média apenas 1,4 hora por dia, sem qualquer programação fixa, mas quase sempre durante a tarde, o que sugere que estavam sempre adiando.
Os três relatavam o sono como a segunda atividade mais importante quando se referiam a seu aprimoramento como violinistas. […]
Os grandes artistas, como sugere o estudo de Ericsson, trabalham com maior intensidade que a maioria de nós, mas também se recuperam de maneira mais profunda. A prática solo realizada com alta concentração é especialmente exaustiva. Os melhores violinistas descobriram, por intuição, que geravam mais valor quando trabalhavam energicamente, sem interrupção, até 90 minutos por vez, e não mais que quatro horas por dia.
Também reconheceram que é essencial perder tempo, de modo intermitente, para descansar e reabastecer. Em campos que variam dos esportes ao xadrez, os pesquisadores perceberam que quatro horas por dia é o máximo que os melhores artistas praticam. O próprio Ericsson concluiu que esse número talvez represente ‘um limite mais geral de quantidade máxima de prática deliberada que pode ser sustentada por longos períodos sem exaustão'”.
Conclusão
O estudo de Ericsson com os violinistas de Berlim provê importantes pistas para melhorarmos a qualidade de nosso próprio trabalho.
A primeira pista é a delimitação de blocos específicos de tempo, onde nos afastemos de todas as distrações possíveis: celular, tablets, notificações de computador etc., para focarmos nossa atenção exclusivamente no trabalho a ser realizado.
A segunda pista é trabalhar com alternações rítmicas entre trabalho e descanso, isto é, criar pausas deliberadas para o reabastecimento das reservas de concentração. Um poderoso desempenho no trabalho requer um igualmente poderoso sistema de reabastecimento estratégico de descanso.
Finalmente, a terceira pista é não se matar de trabalhar. Não é preciso se matar de trabalhar, se matar de estudar, para conseguir grandes feitos em sua carreira ou em seus estudos. Não deixe tudo para a última hora. Evite a procrastinação.
Três a quatro horas por dia já são mais do que suficientes para conseguir desempenho extraordinário, de maneira sustentada, a longo prazo.
Poderíamos acrescentar uma quarta pista, que é a preparação prévia: ou seja, ciente de todos esses ingredientes para trabalhar melhor, estabelecer um planejamento e uma organização de horários para que tudo flua conforme o previsto.
Com todos esses ingredientes à mão, trabalhados de forma sustentada, você conseguirá, efetivamente, render mais com menos tempo. E, assim, sua vida fluirá de forma mais serena e menos estressante.
Muito bom, Guilherme! Artigo conciso mas com excelente conteúdo!
Obrigado pelas palavras, Gustavo!
Tem muitas obras sobre este assunto, inclusive muitos acidentes de trabalho e erros grotescos ocorrem por não observar intervalos adequados para descanso. Uma profissão que eu acho muito louca nesse sentido são os médicos que trabalham no público e privado ao mesmo tempo, juntando plantões e ficando dias sem dormir, qual a chance de dar merda?
Sem dúvida, Bilionário.
A chance é muito grande, e a isso ainda vem agregado o problema da falta de sono suficiente.
Muito bom. Tbem acho que 4 hs de trabalho diário dão excelentes resultados. Realmente não é preciso mais do que isso. Duas horas de manhã e duas horas à tarde, essa é a medida certa.
Logicamente sei que nem todas as atividades podem ser desenvolvidas dessa forma. Quando envolve atendimento ao público, por exemplo, fica mais dificil. Mas de toda forma, quem trabalha 8 hs por dia não trabalha de fato todo esse tempo. As pessoas param, conversam, fazem pequenas tarefas pessoais, estendem tarefas que poderiam fazer em menos tempo. No final das contas, daria pra condensar essas 8 hs em 4 hs de trabalho focado.
Perfeito, Vania.
As pessoas precisam focar em melhorar a qualidade dessa quantidade, e ter a consciência de que precisamos de intervalos regulares de descanso.
Guilherme,
Excelente post. Mais uma grande evidência de que o sistema atual de trabalho continua inadequado.
“Também reconheceram que é essencial perder tempo, de modo intermitente, para descansar e reabastecer.”
Ou você para para reabastecer de forma voluntária ou em algum momento seu próprio corpo o fará parar de forma obrigatória.
Não somos máquinas! Precisamos ter consciência disso – o quanto antes, melhor.
Boa semana!
Obrigado, Rosana!
De fato, o sistema atual de trabalho é contraproducente para os seres humanos. Precisamos urgentemente, enquanto sociedade, reaver esses papéis.
Boa semana também!