Vivemos em um mundo que clama por produtividade mas que, ao mesmo tempo, impõe a nós uma carga excessiva de demandas que consomem, desabastecem e “depletam” (ou melhor, esgotam) nossos recursos de atenção mental.
Em virtude disso, não basta apenas usar bem nossos limitados recursos de tempo, através da adequada gestão de técnicas de produtividade e de concentração, tais como desligar o celular, estabelecer blocos de tempo, estar desperto etc. etc.
É preciso também construir descansos inteligentes, que não sobrecarreguem nossos sistemas de atenção quando retornamos às atividades laborais.
Cal Newport, no livro Deep Work (ou Trabalho Focado, em português), trata disso na seguinte passagem de seu texto (p. 144):
“Um artigo de 2008 frequentemente citado, publicado na revista Psychological Science, descreve um experimento simples. Os participantes foram divididos em dois grupos. Um deles foi convidado a caminhar em um trajeto arborizado, em um bosque perto do campus Ann Arbor, em Michigan, onde o estudo foi conduzido.
O outro grupo foi convidado a caminhar pelo agitado Centro da cidade. Ambos os grupos receberam tarefas de concentração denominadas “backward digit span” (em português, extensão de dígitos em ordem inversa). A principal descoberta do estudo foi que o grupo da natureza apresentou desempenho até 20% melhor na tarefa.
Esse estudo é um dos muitos que validam a teoria da restauração da atenção (ART, sigla em inglês), que afirma que passar um tempo na natureza melhora a capacidade de concentração. Essa teoria […] é baseada no conceito de fadiga de atenção. Para se concentrar, é necessário o que a ART chama de atenção direcionada. Trata-se de um recurso finito: se esgotá-lo, terá dificuldade em se concentrar.
[…] O estudo de 2008 argumenta que andar em ruas movimentadas exige que você use a atenção dirigida, já que deve realizar tarefas complicadas, como decidir quando atravessar uma rua para não ser atropelado ou quando contornar um lento grupo de turistas bloqueando a calçada. Depois de apenas 50 minutos dessa navegação focada, o estoque de atenção dirigida era escasso.
Caminhar na natureza, em contraste, o expõe ao que o autor principal, Marc Berman, chama de ‘estímulos inerentemente fascinantes’, usando o pôr do sol como exemplo. Esses estímulos ‘invocam modestamente a atenção, dando aos mecanismos de atenção focada uma chance de reabastecimento’.”
O pulo do gato: utilize os intervalos de descanso em atividades que não consomem sua atenção direcionada
A essa altura do artigo de hoje, você já deve ter percebido a valiosa dica oculta para dar um salto de qualidade em seu descanso: é evitar fazê-lo através de uma atividade que consuma recursos de atenção direcionada.
Portanto, se você usa o esquema de trabalhar 50 minutos e descansar 10 minutos, mas usa esses 10 minutos olhando notícias, WhatsApp, Instagram, Facebook ou redes sociais, você está fazendo o descanso errado!
E você está descansando de maneira errada simplesmente porque você continua, durante o intervalo, esgotando seus recursos de atenção direcionada.
Imagina, você acabou de sair de uma atividade que exigia esforço mental focado, e agora, no intervalo, vai se dar ao trabalho de consumir o resto de atenção que ainda existia?
Mas é óbvio que, quando você retornar ao trabalho, a produtividade não vai ser a mesma, pois você usou o descanso para se cansar ainda mais do ponto de vista mental.
O que você precisa nos intervalos de descanso é dar à mente a possibilidade de se restaurar da fadiga de atenção.
Newport conclui (p. 146):
“O que é importante para o nosso propósito é observar que as implicações da ART se expandem para além dos benefícios da natureza. O mecanismo central dessa teoria é a ideia de que você restaura sua capacidade de direcionar a atenção se fizer uma pausa nessa atividade.
Caminhar na natureza proporciona um intervalo mental, mas assim também faz uma série de atividades relaxantes, desde que forneçam ‘estímulos intrinsecamente fascinantes’ e desobriguem da concentração dirigida.
Ter uma conversa casual com um amigo, ouvir música enquanto faz o jantar, jogar game com seus filhos e sair para correr – os tipos de atividades que preencherão seu horário na noite, se forçar o desligamento do trabalho – desempenham a mesma função restauradora de atenção que caminhar na natureza”.
Conclusão
Faça descansos inteligentes.
Proporcione ao seu cérebro espaços de tempo e espaços mentais em que ele possa ter uma atenção involuntária, isto é, uma tipo de atenção que deságüe em distração, como apreciar a natureza, ouvir uma música relaxante no Spotify, ver paisagens cênicas em vídeos no YouTube, caminhar no parque, jogar games, ficar à toa, jogar conversa fora…. sim, quanto mais descompromissado for o intervalo de descanso, mais reabastecidas ficarão suas reservas de atenção.
Tudo isso acima contribuirá para seu bem-estar mental e, como eu disse acima, reabastecerá suas reservas de atenção dirigida no momento em que elas forem mais importantes e mais necessárias.
Não se engane: um descanso profundo e de qualidade é tão importante quanto um trabalho mental realizado de modo profundo e de qualidade. 😉
Interessante. E qual o tempo ideal em media que o ser humano pode ficar com a atencao plena em uma atividade? Claro que depende da atividade, mas se for uma leitura? E o tempo de pausa idela? O natural é no tempo de pausa as pessoas irem ao celular
Oi Rafa!!!
Há alguns estudos que dizem que o ser humano tende a possuir, nos ciclos de vigília (ultradianos), os mesmos ritmos dos ciclos de sono (circadianos).
Ou seja, em torno de 90 minutos.
Quanto à questão da pausa pra ver o celular, o ideal seria limitá-la no tempo, se for um intervalo entre atividades de concentração, ou após uma atividade que não exija concentração, como almoço.
Aliás, você me deu ideia pra um artigo do blog, abordando esse assunto! Vou escrever mais a respeito.
Abraços!
Guilherme,
Eu não conhecia a Teoria da Restauração da Atenção. Gostei. 🙂
Sem dúvida, o contato com a natureza é revigorante e restaurador.
O que você falou sobre o celular, é exatamente o que vejo: as pausas são usadas com redes sociais.
Há uma pequena parte azulada no cérebro chamada “locus coeruleus”, que é ativado em situações de medo e de novidades. Nas redes sociais, o que mais vemos são novidades. Assim como nas cidades, como você disse em seu post.
Caminhar em meio a natureza revigora. Caminhar em meio ao excesso de estímulos das grandes cidades, esgota, pois são muitos estímulos com os quais os sentidos e o cérebro precisam lidar. E muitos desses estímulos são novos para nós, de forma que o “locus coeruleus” é ativado quando algo chama a nossa atenção. Nem que seja uma camisa que uma outra pessoa está vestindo e que achamos bonita. Ou feia. Tanto faz. O que importa é que é uma novidade à qual o cérebro deu ateção.
A grande questão é que a neurociência ainda não sabe o que pode acontecer, pois o “locus coeruleus” não era para ser ativado tanto quanto é na atualidade.
Por tudo isso, penso que precisamos filtrar muito o que realmente merece a nossa atenção. Se pudéssemos fazer uma retrospectiva, seria bem fácil perceber como perdemos tempo com coisas que não valem a pena.
Caso seus leitores queiram ver, vou deixar aqui o link do meu post da semana passada sobre o tema: O que merece e o que tem recebido a sua atenção? – Simplicidade e Harmonia
Boa semana!
Excelentes comentários, Rosana!
Muito interessante essa questão do “locus coeruleus”!!!! Não conhecia essa parte do cérebro.
E seu post sobre a atenção é fenomenal, complementa muito bem o conteúdo do texto de hoje!
Boa semana!
As pessoas tendem a se cobrar produtividade constante. E isso não é desejável, e nem é necessário.
Um tempo olhando as nuvens, ou se balançando numa rede, não é de forma alguma tempo perdido. Funciona como as pausas de silêncio que dão forma a musica.
Evito usar os intervalos em redes sociais. Dou uma olhada rapida, apenas para ver se tem algo urgente, e duas vezes por dia dedico um bloco de tempo inteiro pra isso.
É verdade, Vania!
Essas pausas deliberadas são essenciais para dar equilíbrio à própria vida. E é uma pena que a sociedade esteja se tornando cada vez mais míope para tal sentido.
Gostei da forma como você gerencia seu tempo. Uso consciente do tempo.
Ótimo texto.
E uma dúvida. Por essa lógica, um ambiente de trabalho desorganizado dificultaria a atenção?
Abs
Ingmar
Obrigado, Ingmar!
Sim, dificultaria, pela dispersão causada pelo desarranjo dos elementos do ambiente.
Inclusive, um dos especialistas em produtividade que li – não recordo o nome agora – diz que o primeiro passo para melhorar a atenção é justamente prestar atenção ao ambiente de trabalho, de modo a deixá-lo o mais organizado possível.
Interessante o assunto…
Várias habilidades são roubadas pelas telas. Ainda bem que temos o caminho inverso. Outra capacidade que funciona assim é a criação, basta contemplar quadros antigos no tempo que se vivia muito perto da natureza.
Bem lembrado, Sherpa!