Refletindo sobre os diversos benefícios de uma jornada diária de 8 horas de sono todos os dias, muito bem descritas no livro do Matthew Walker (post aqui), bem como interagindo com os leitores sobre esse tema tão caro à nossa sociedade atual, uma preocupação comum emergiu de toda essa pauta de conteúdos inter-relacionados:
Como conciliar as 8 horas diárias de sono com o catatau de coisas que tenho que fazer todos os dias?
O problema
Reflita comigo.
Partindo da premissa de que o corpo humano, de que você, precisa dormir 8 horas todos os dias – não são 7, muito menos 6, mas sim 8, e o livro do Walker me convenceu dessa quantidade de horas de uma forma que eu jamais achava que iria me convencer – sobram então 16 horas diárias pra fazer tudo o que tem que ser feito.
As 8 horas de sono diárias são inegociáveis.
Ou seja, elas não podem ser puladas ou compensadas nos finais de semana (se você dorme mais aos finais de semana do que durante a semana seu sono está desregulado, por mais que você não admita isso) – e a lista de malefícios pra quem dorme menos do que 8 horas por dia, descritas pelo Matthew, são assustadoras.
Portanto, a vida tem que acontecer nessas 16 horas diárias de estado de vigília e atenção. Se você, por exemplo, costuma acordar às 6 da manhã todos os dias, tem que estar dormindo já a partir das 22 horas da noite anterior.
E, pra começar a dormir às 22 horas da noite anterior, você deve começar a desacelerar a partir das 21 horas.
A tarefa parece ingrata pra muitas pessoas, que logo devem estar pensando:
“Como assim? Isso é impossível. Eu consigo dormir apenas 6 ou 7 horas todos os dias, há muito tempo, e durmo muito bem”.
Infelizmente não é assim que a coisa funciona.
O fato de um determinado tipo de comportamento ser repetido ao longo de muitos anos e talvez décadas não significa que ele seja o mais adequado do ponto de vista da saúde física, mental e emocional.
Pra que dorme menos do que 8 horas por dia, uma hora a conta chega. E, como eu disse acima, na maioria das vezes a conta se torna impagável, de modo que os efeitos negativos da falta de sono na quantidade adequada acabam se tornando irreversíveis, piorando para sempre a vida de tais pessoas, e levando à morte prematura.
Ronald Reagan e Margaret Thatcher se gabavam publicamente de dormir apenas de 4 a 5 horas por dia. Uma hora o corpo deles iria pagar a conta. E a conta da falta de sono chegou, tanto para ele (link) quanto para ela (link). Uma pena que as contas poderiam ser evitadas… se eles adotassem uma rotina de sono mais saudável.
A solução
Pois bem.
Fazer a vida “caber” dentro de 16 horas diárias de vigília e atenção parece impossível para quem tem mil e uma atividades que demandam, muitas vezes, que a pessoa (que pode ser você, inclusive) tenha que ficar acordada e desperta 17 horas, 18 horas por dia, ou até mais.
A solução para resolver esse problema não é diminuir a quantidade de horas de sono, pois isso implicaria em diminuir sua saúde física, mental e emocional, o que, a longo prazo, nem remédios nem cafeína nem terapia nem os melhores tratamentos médicos do mundo são capazes de resolver, como provam os casos do ex-presidente dos Estados Unidos e da ex-primeira ministra do Reino Unido.
A solução, para resolver esse problema, está contida no título desse artigo: é dizer não.
Se você está adicionando à sua vida camadas que você não é capaz de suportar, a solução é você eliminar as camadas, não a sua vida.
Mas dizer “não” não é fácil. Mexe com nosso orgulho. Mexe com nosso ego. Mexe com nossa vaidade. “Mas eu consigo fazer isso, fazer aquilo etc.”. Consegue nada.
O segredo do sucesso não consiste tanto na quantidade de coisas que você é capaz de fazer, mas sim na quantidade de coisas que você é capaz de fazer bem feito, e, para fazer bem feito, é preciso ser seletivo nas suas escolhas.
Como nossos recursos de tempo são escassos e limitados (mas nossas demandas externas e nossos desejos internos são ilimitados) e, por causa da necessidade de 8 horas diárias de sono, nossos recursos de tempo ficam mais escassos ainda, de modo que você precisa aprender a dizer não para uma imensidade de tarefas, ainda que elas impliquem algum tipo de renúncia.
Não vá na onda da “produtividade em primeiro lugar”, como é o mantra pregado por muitas empresas e instituições. Se o mantra da produtividade acarretar em você a necessidade de prolongar de forma totalmente artificial o seu estado de vigília e atenção – a ponto de você ficar dependente cada vez mais de cafeína e remédios pra ficar alerta – pare agora e repense tudo o que você estiver fazendo, porque isso pode estar destruindo silenciosamente a sua vida, potencializando as chances de você ficar demente e sofrer de inúmeros outros problemas em seu corpo, incluindo infarto, diabetes, derrame etc.
Muitos dos problemas que acometem as pessoas atualmente, tais como ansiedade crônica, depressão, mau humor, irritabilidade fácil, falta de concentração, bloqueio mental, ausência de criatividade, falta de força de vontade, transtorno bipolar etc., decorrem da ausência de descanso adequado, e a ausência de descanso adequado é consequência direta de um fato incontroverso: a falta de sono. Daquelas preciosas 8 horas diárias de sono.
Se você dorme mais aos finais de semana – de sexta para sábado e de sábado para domingo – do que durante a semana, isso é um fortíssimo sinal de que seu sono está desregulado, e que você é forte candidato a sofrer de vários dos malefícios dessa situação, tal como apontado no livro do Walker.
Na vida real….
Não tente abraçar o mundo fazendo mais coisas do que você realmente é capaz de fazer dentro das 16 horas diárias de vigília. Isso pode lhe custar muito caro, não só no futuro, a longo prazo, mas também a curto prazo, manifestado através dos diversos problemas mentais e emocionais acima descritos.
A propósito do tema, veja o comentário do leitor Bilionário no post da semana passada:
“É verdade esse bilhete!
Durante muitos anos, dos 14 aos 24 mais ou menos, eu praticamente não dormia de forma suficiente, eram noites e madrugadas estudando ou trabalhando, eu acabei fazendo muita coisa concomitante nesse período e o resultado foi que um dia eu bati o carro de frente ao dar uma “piscada” no volante, poderia ter sido fatal, mas dei sorte e não tive danos físicos, apenas materiais.
Poderia dizer que o culpado foram meus pais e professores, mas acho que no final o culpado somos nós mesmos, nós que não sabemos dizer não, queremos sempre fazer tudo a agradar a todos, isso acaba com seu tempo.
Depois disso eu aprendi a lição, mudei de emprego para um que me possibilitasse dormir um pouco mais, e comecei a ir mais devagar nos projetos e ambições pessoais, parei de fazer tantos trabalhos extras. Hoje estou conseguindo dormir 8 horas quase todos os dias, eventualmente alguma coisa ainda me tira o sono, mas no geral estou muito mais saudável.
Atualmente posso dizer que do tripé mencionado, eu preciso melhor a alimentação e fazer mais exercícios, do sono eu aprendi.”
Conclusão
Menos é mais. Definitivamente.
Em termos de atividades, de demandas, de tarefas, você precisa diminuir o ritmo. Diminuir em quantidade (de tarefas), para ganhar em qualidade.
E, no campo do sono, mais é mais mesmo. Você precisa dormir mais pra ganhar mais de tudo: de atenção, de concentração, de poder de memória, de criatividade, de energia física.
Você precisa mudar o paradigma de sua vida, que é o paradigma de mais sono e menos atividades, pois só mudando as referências é que você estará apto a viver uma nova vida, rejuvenescido(a), com mais energia e disposição.
No final das contas, dizer “não” para os outros significa dizer “sim” pra você. E então, qual tem sido a sua prioridade nos últimos tempos?
Concordo com a ideia central, mas infelizmente não é a realidade de todo mundo.
Deixando de lado as exceções (claro que algumas pessoas precisam de menos de 8h, assim como outras precisam de mais), ocorre que boa parte da nossa população não tem uma condição de vida muito boa e não podem se dar ao luxo de dizer não. Tem uma necessidade imediata de colocar a comida no prato hoje. Em muitos casos (infelizmente) não dá pra dizer não agora pensando numa qualidade de vida daqui 20 anos, pois dizer não agora pode significar não ter vida daqui 1 ano ou não conseguir colocar comida na mesa pra um filho que está crescendo e precisa comer hoje.
É triste, infelizmente. Mas pra quem pode, concordo totalmente com o artigo. Temos que tomar cuidado com a ladainha de otimizar a vida a todo custo.
De fato, MJC, isso ocorre principalmente em classes de menor renda.
Daí a importância crucial da educação para a promoção da qualidade de vida das pessoas, pois mais conhecimento tende a gerar mais renda, que tende a gerar mais qualidade de vida, e, portanto, mais horas de sono disponíveis.
Temos que fazer a nossa parte e alertar a parcela da população que pode desfrutar dessas possibilidades de 8 horas diárias de sono.
Eita, fiquei famoso agora 🙂
Obrigado pela citação!
Abraços
rsrsrsr…..
Valeu!
Guilherme,
Apesar de não ser fácil, muitas vezes precisamos colocar limites em nossas próprias atitudes. Apesar de não parecer a princípio, muitas vezes agir assim é um ato de amor próprio.
No ano passado, fiz um post sobre esse assunto. Se quiser ver:
Limites – Simplicidade e Harmonia
Boa semana!
Sem dúvida, Rosana, a inserção de limites tem tudo a ver com essa temática!
Aliás, o seu artigo está 100% alinhado com esse!
Abraços, e boa semana!
Guilherme eu trabalho com adolescentes e infelizmente eles estão “caindo no canto da sereia” de que precisam dormir pouco para uma vida de sucesso. Escutei essa semana uma adolescente falando que recebeu conselhos de outros amigos de que ela precisava dormir menos (ela dorme 8 horas) para conseguir estudar todo o conteúdo do vestibular. Precisamos ficar atentos aos jovens
Tatiana, realmente todo o cuidado é pouco, especialmente para os jovens, que ainda estão com o cérebro em formação.
A qualidade de vida de quem dorme poucas horas por dia degrada em escala geométrica, e precisamos unir esforços para combater esse problema.
Parabéns Guilherme! Show de bola a matéria! Gostaria de relembrar os leitores da sua resenha http://valoresreais.com/2010/04/11/resenha-envolvimento-total-gerenciando-energia-e-nao-o-tempo-de-jim-loehr-e-tony-schwartz/ . Devemos gerenciar a nossa energia e não o tempo, o sono é de suma importância para reposição da energia, e sem energia não podemos ser produtivos. Guilherme, Que Deus abençoe você e sua família! Continue realizando este belo trabalho aqui, no Valores Reais, seus artigos têm impactado positivamente a minha vida e de outras pessoas! Forte abraço, saúde e paz!
Muito obrigado pelas palavras, David!
Gostei muito também de você ter relembrado dessa resenha.
Aliás, o livro que eu estou lendo no presente momento acho que é o melhor desde que li o livro do Tony. Espetacular.
Abraços!
Grande Guilherme. Muito bom seu texto.
O sono é um dos grandes reguladores do nosso sistema cognitivo. A aprendizagem, por exemplo, é fixada durante as horas de sono. Vários estudos indicam que o sono faz uma espécie de faxina no lixo produzido pelo nosso cérebro. É durante o sono, durante os sonhos, que nossa mente resolve muitos problemas. E por último, não menos importante, é um dos maiores sinais que eu e meus colegas psiquiatras monitoramos em casos de erupção de problemas mentais, principalmente o transtorno bipolar. Sua necessidade é absurda em todos os aspectos.
Apesar de eu entender que existem pessoas que precisam trabalhar muitas horas por dia, muitas vezes em mais de um emprego, para sobreviver, eu vejo isso como exceção. O que eu vejo, pelo menos dentro do meio que eu conheço são pessoas que optam, escolhem por não dormir para ter algum tipo de distração, ver televisão e associar com outras rotinas que degradam nosso corpo, como excesso de bebida e fumo, sem contar o uso de drogas.
É importante que sejamos justos e honestos com quem somos. Ter empatia com quem somos hoje vai fazer com que aquele que iremos nos tornar no futuro não sofra tanto. É um conceito um pouco abstrato, mas comece a enxergar a pessoa que vc é hoje e veja o que fazia no passado e avalie se vc se cuidou.
Tendo empatia por quem vc se transformará no futuro, vc provavelmente dará mais valor ao que faz hoje.
Isso decorre de um estudo feito a respeito, em que as pessoas viam fotos suas envelhecidas e ao se ver mais velho elas tinham uma sensação de mais respeito por si mesmas. Acho que o estudo avaliava condições de aposentadoria, não estou bem lembrado. Mas acho que vale o conceito.
Quem somos hoje e quem seremos amanhã depende do que fazemos hoje. Vc seria capaz de dizer que está cuidando o suficiente para a pessoa que vc se transformará no futuro?
Eu não tenho falhado muito no sono, mas no exercício físico, sim. Com a desculpa da pandemia eu não tenho feito exercício e isso é uma falha grave, que ainda dá tempo de corrigir, mas não muito. Aos 50, não nos sobra tanto tempo assim, ainda que possamos viver mais 30 a 40 anos. Mas é o que fazemos agora que vai dizer qual é a nossa saúde no futuro.
Aos jovens sobra mais tempo. Mas a ideia de futuro pro jovem não é tão desenvolvida, infelizmente, Quando conseguem ver seu futuro, eles se empenham mais. Mas são poucos, infelizmente.
Desculpe-me o livro, mas foi um tema importante pra mim ao longo da minha vida como psicólogo e achei que podia contribuir.
VAleu!!!
Excelentes comentários, Robson!
Achei incrível a forma como você conduz o leitor a reanalisar sua vida e suas ações diárias, de modo a valorizar mais o que faz hoje.
Vou dar um destaque ainda maior ao seu comentário, pois ele contém preciosas lições em muitos campos.
Abraços!