Você já deve ter ouvido falar da expressão “cortar o mal pela raiz”.
Trata-se de uma expressão popular que significa, basicamente, eliminar o problema tão logo ele surja, ou, melhor ainda, tomar atitudes preventivas antes que o problema cresça de tamanho a ponto de ficar muito mais difícil eliminá-lo posteriormente, com atitudes corretivas.
Discorremos um pouco sobre isso no post Não subestime o poder das soluções subtrativas, em que a amiga Rosana deu um excelente exemplo sobre como cortar o mal pela raiz com mais uso da Medicina Preventiva. Recorto um trecho do comentário dela:
“Você faz todos os exames.
Deu tudo certo? Ótimo! Continue com seus hábitos normalmente.
Deu errado? Vamos tomar um remedinho então para controlar o problema.
Porém, controlar não é resolver!
Aliás, muitas vezes as doenças são causadas pelo estilo de vida!
E os médicos nem sempre dão algum “insight” sobre isso. Se você perguntar e insistir no raciocínio, talvez consiga algum esclarecimento.
Por isso, penso que precisamos ter o máximo de hábitos saudáveis que conseguirmos”.
No campo dos investimentos, um dos problemas mais sérios enfrentados pela maioria das pessoas consiste na dificuldade em forma patrimônio a longo prazo. Em investir visando a aposentadoria.
Somos criaturas moldadas por nossos hábitos e, dentro de nós, ainda existe um importante pedaço genético herdado de nossos ancestrais, em que priorizamos gratificações instantâneas de curto prazo, o que inclui, obviamente, gratificações financeiras, como consumir no lugar de investir.
Para essas pessoas, há uma grande dificuldade em gastar menos do que ganha, e, portanto, em ter sobras financeiras no final do mês para poder realizar aportes. Em casos mais graves, falta dinheiro até para constituir uma reserva de emergências, o que dirá para a aposentadoria.
No artigo A estratégia mais poderosa para cortar o mal das dívidas pela raiz, discorremos longamente sobre aquilo que considero o fator primordial para eliminar as dívidas.
No texto de hoje, de maneira simétrica ao daquele artigo escrito em maio de 2017, proponho dois métodos igualmente eficientes para lidar com o reverso do acúmulo da falta de dinheiro, que é o acúmulo de acréscimo de dinheiro. Ou seja, o artigo de hoje trata sobre aumento de patrimônio financeiro. Em como você pode construir sua árvore do dinheiro adicionando raízes do bem (e não eliminando raízes do mal), para que gere folhas e frutos de prosperidade financeira em sua vida.
Elas igualmente têm como alvo o nascedouro da prosperidade, ou seja, visam a atacar pontos fundamentais onde a maioria das pessoas negligencia na formação de patrimônio.
Combinadas, elas oferecem estratégias seguras, simples e eficazes para você começar e continuar, mês a mês, a construir patrimônio.
1. Desconto automático em folha de pagamento
Muitas pessoas que se aposentaram pelo INSS na condição de segurado empregado, assim como os servidores públicos do Regime Próprio de Previdência Social, só obtiveram a aposentadoria pelo fato de a contribuição previdenciária ser, de fato, obrigatória, impossível de ser retirada do contracheque por ato voluntário do segurado.
Em outros termos, se fosse dado ao empregado ou ao servidor público a opção de não ter descontada em folha de pagamento a contribuição previdenciária, certamente a esmagadora maioria optaria por não ter esse desconto.
Porém, é muitas vezes a aposentadoria gerada justamente em função dessas contribuições a única fonte de renda passiva da pessoa na aposentadoria. E se pudesse ser diferente? E se você conseguisse outra fonte de renda passiva na velhice?
Se o seu plano de investimentos oferece a possibilidade de desconto automático em folha de pagamento, considere essa opção. Ainda que o investimento oferecido em modalidade de desconto em folha não seja o mais rentável do mercado, ele oferece, em comparação com todos os outros investimentos disponíveis, uma grande vantagem competitiva a longo prazo, praticamente inigualável: ele não passa pelo canal de sua força de vontade.
Ou seja, faça chuva ou faça sol, esteja o Ibovespa vivendo uma euforia quebrando recordes (como aconteceu semana passada, onde superou os 125 mil pontos), esteja a Bolsa despencando com mais de 10 circuit breakers num único mês (como foi em meados do ano passado), você estará regando seu jardim de investimentos de forma automática. Sem você pensar. Sem você agir. Sem você fazer nada.
Os investimentos com desconto automático em folha de pagamento – dentre os quais incluo as contribuições previdenciárias (que, tecnicamente, passam longe de serem investimentos, mas que servem ao mesmo propósito de produção de renda passiva) – constituem uma proteção de você contra você mesmo. Contra as tentações de você não investir, de querer usar o dinheiro para pagar dívidas, ou para fazer mais dívidas, ou de comprar passivos que só interessam no curto prazo, mas que podem fazer falta ali no futuro.
O desconto automático em folha de pagamento é mais comum para planos de previdência privada – fundos de pensão ou planos abertos. No exterior, estudos já comprovaram que, ao assinar um contrato de trabalho, mais de 90% das pessoas optam por contribuir para o plano se a opção de contribuição obrigatória estiver marcada como “default”, isto é, padrão. Se, no momento da assinatura do plano, a opção padrão for “não contribuir”, a maioria das pessoas optará por… justamente não contribuir.
Daí a importância não de cortar o mal financeiro pela raiz, mas sim de agir pelo seu viés positivo, de acrescentar o bem financeiro pela raiz, de fazer escolhas que priorizem seus investimentos sem passar pelo canal de sua força de vontade, que é muito variável e inconstante, pois há meses em que você estará mais propenso a investir, e há outros em que você não desejará investir nada. O desconto automático em folha de pagamento é uma excelente opção para formar patrimônio sem que as forças psicológicas negativas atuem sobre seu dinheiro, já retendo automaticamente parte dele no próprio salário.
2. Assim que receber o salário, já o transfira para a corretora.
Porém, se você tiver preferência por gerir por conta própria seus recursos financeiros, há ainda uma segunda alternativa, que é tão eficaz quanto a primeira, mencionada acima.
Trata-se do famoso “pague-se primeiro”. Priorize o investimento em seu futuro, antes de qualquer coisa. Inverta a lógica do fazer sobrar dinheiro no final do mês e depois de pagar todas as despesas e ver o que sobrou do salário, a fim de que faça sobrar dinheiro logo no início do mês: reserve uma parte de seu salário assim que recebê-lo, e, com o que sobrar, pague as despesas do mês.
Essa é uma maneira super inteligente de trabalhar o orçamento doméstico, pois você estará efetivamente se esforçando para cumprir, ao mesmo tempo, dois grandes objetivos financeiros de qualquer pessoa.
De um lado, gastando menos do que ganha: se você conseguir viver o restante do mês com o que sobrou do seu salário depois de deduzidas as despesas para investimentos, você estará provando para si mesmo de que é capaz de adequar seu estilo de vida ao seu salário.
E, de outro lado, você estará construindo patrimônio financeiro a longo prazo, pois você estará abastecendo seu plano de investimentos com aportes periódicos, constantes e, mais importante do que tudo isso, mensais. À força dos juros compostos se somará a força dos aportes mensais, e isso fará com que sobre sua massa de investimentos incida o efeito bola de neve, tornando irresistível a formação de um patrimônio financeiro que se consolidará cada vez mais com o decorrer dos anos e das décadas.
Esse método funciona porque, assim como o método do desconto em folha, te obriga a priorizar seus investimentos, além de evitar o risco de não investir em determinado mês porque faltou dinheiro e você gastou demais, em excesso, acima de seu salário.
O risco do endividamento combinado com a ausência de aportes financeiros simplesmente some do mapa, uma vez que o orçamento doméstico passa a priorizar a “despesa” de investir primeiro, para só depois passar à realização das demais despesas ordinárias – contas a pagar, supermercado, transporte etc.
Conclusão
As forças psicológicas do consumo excessivo e da falta de força de vontade para investir são bloqueadas quando você toma atitudes que operem eliminando o canal de sua força de vontade – como no método do desconto automático em folha de pagamento – ou invertam a ordem lógica do gasto do dinheiro ao longo do mês – como no método que te obriga a investir primeiro para somente depois pagar as despesas (também conhecido como o método do “pague-se primeiro”).
E, na zona intermediária entre esses dois métodos, há diversas outras formas criativas que você pode utilizar para se forçar a investir de forma disciplinada e constante.
Há pessoas que se obrigam a aportar em investimentos com maiores prazos de carência ou com regras que dificultem o resgate, pois isso as obriga a pensar duas vezes antes de efetivamente solicitar o resgate do investimento.
No campo do consumo, a fim de sobrar mais dinheiro e evitar as compras por impulso, há outras pessoas que gostam de sair de casa apenas com dinheiro em espécie ou cartão de débito, pois isso efetivamente cria uma barreira física e passiva que impede totalmente o ato de comprar por impulso com cartão de crédito.
Há, ainda, aquelas outras pessoas que vivem com um cartão de crédito com limite bem baixo e muito aquém de suas possibilidades financeiras, a fim de evitar a tentação das compras por impulso na Internet.
Todas essas atitudes são válidas e apontam na mesma direção: precisamos estar em vigília quanto aos nossos próprios comportamentos, e evitar que forças psicológicas negativas derrubem nosso ímpeto de investir e agir a longo prazo.
Precisamos, cada vez mais, cuidar para que a nossa força mental de poupar e investir não seja enfraquecida e não nos torne vulneráveis às pressões consumistas que enfrentamos no dia a dia. 😉
Guilherme,
Muitas vezes nossos hábitos estão mais contra nós do que a nosso favor.
Interessante o que termo que usou: barreira física e passiva.
Deixar o cartão de crédito em casa quando não há necessidade de realmente estar com ele pode fazer toda a diferença entre comprar por impulso algo irrelevante ou deixar esse recurso disponível para algo útil – inclusive investimentos.
Que legal ter citado meu comentário em seu post! 🙂
Boa semana,
Excelente comentário, Rosana!
Realmente, um simples ato pode gerar muitas consequências positivas.
Abraços!
Sei que isso é polêmico, mas quero citar uma outra maneira de criar barreiras ao uso desnecessário do dinheiro que em algum momento foi arduamente poupado: ter imóveis.
Não é por acaso que tantas pessoas deixam imóveis para a geração seguinte, e tão poucas deixam somas expressivas de dinheiro. Por ter baixíssima liquidez, o investimento imobiliário protege o investidor de gastos por impulso e de aquisições mal planejadas. Mesmo pessoas moderadas e previdentes podem perder o controle financeiro em algum momento: na pós no exterior que o filho inteligente e dedicado quer fazer, num desemprego prolongado, naquele ano sabático tão sonhado, abrindo negócios aparentemente promissores. São coisas que podem facilmente consumir grandes somas de recursos, e são sempre mais fáceis se esse dinheiro estiver numa aplicação financeira. Se o dinheiro está imobilizado numa casa, a propria dificuldade em torna-lo liquido já obriga à reflexão. Nunca vi ninguem vender um imovel para trocar de carro, mas é bastante comum que se saque um naco dos recursos da aposentadoria para essa finalidade. Um naco aqui, um naco lá, e no fim a pessoa acaba com muito menos renda passiva do que pretendia.
Para pessoas que não tem lá muito auto-controle, comprar um ou mais imóveis é a melhor coisa que poderão fazer pelo seu futuro. Ficarão protegidas de si mesmas. Para essas pessoas, é menos importante a rentabilidade, do que a garantia de que seus ativos permanecerão “imexíveis”.
Excelentes reflexões, Vânia!
Não tinha pensado os imóveis como uma barreira passiva ao consumismo.
Ótimo!
Obrigado!
Nossa Vânia, verdade. Para alguma pessoas a proteção é melhor que o rendimento.