Nas últimas semanas, particularmente depois das eleições presidenciais dos EUA e do anúncio de diversas vacinas prometendo eficácia de mais de 90% contra o coronavírus, observou-se um impressionante rali de alta nas Bolsas do mundo inteiro, incluindo a Bolsa brasileira, com o fluxo financeiro dos investidores estrangeiros migrando principalmente para os mercados emergentes.
O IBovespa saiu de 93.952 pontos em 30 de outubro para alcançar o invejável patamar de 115.128 pontos no último dia 11 de dezembro de 2020. Só aí nesse intervalo de pouco menos de um mês e meio, a valorização do índice de ações brasileiras alcançou o fabuloso percentual de mais de 22% de alta.
Sistema financeiro como um todo cada vez mais frágil
O cenário atual, contudo, é complexo, e ao mesmo tempo desafiador.
O dólar, que já beirou os seis reais, iniciou um surpreendente movimento de queda em face de muitas outras moedas estrangeiras. Com o real não foi diferente, e a cotação da moeda norte-americana fechou o dia 11 de dezembro a R$ 5,07.
De acordo com reportagem do Money Times:
“A combinação entre contínua fraqueza da moeda no exterior, salto nos preços das commodities, sinais positivos do lado da agenda local de reformas e defesa de regras fiscais, confirmação de oferta líquida de dólares pelo Banco Central e o tom mais duro da autarquia sobre política monetária ditou o alívio nas pressões sobre a taxa de câmbio nesta semana”.
No âmbito da renda fixa, o Banco Central manteve inalterada a taxa SELIC a 2% a.a., mas já sinalizou que poderá aumentar a taxa de juros se a pressão inflacionária continuar.
A pergunta que não quer calar é justamente a que está contida no título desse artigo: seria essa alta de mais de 20% da Bolsa num período de pouco mais de 6 semanas um motivo para ficarmos animados com as perspectivas de retomada do crescimento econômico?
Penso que a resposta deve envolver ingredientes com tom muito mais de cautela do que de otimismo propriamente dito, e isso por vários motivos.
Inicialmente, cabe destacar que essa alta toda veio num movimento de euforia que tomou conta dos ativos de risco do mundo inteiro desde novembro, capitaneada pelo forte ingresso de fluxos financeiros oriundos de estrangeiros, conforme mencionado acima.
Esse movimento já vinha se intensificando em algumas Bolsas globais, dentre as quais se destaca, obviamente, a Bolsa americana – e é aqui que mora no problema.
A injeção de liquidez promovida por Bancos Centrais do mundo inteiro, que têm imprimido dinheiro a rodo (não através de fabricação de papel moeda propriamente dito, mas sim por meio da criação de dígitos eletrônicos no computador), tem provocado uma verdadeira “corrida ao ouro”, no sentido de corrida por compras de ativos, inflacionando os preços das ações, títulos de renda fixa (bonds), imóveis e demais ativos com lastro real.
A percepção de risco pelos agentes econômicos tem diminuído na mesma proporção em que os Bancos Centrais acenam com o mercado prometendo salvaguardar a liquidez do sistema toda vez que uma crise é deflagrada – é como se esses últimos dissessem: “vocês, do mercado, podem tomar mais risco, já que eu garanto as operações”.
Com tudo isso, o sistema financeiro mundial como um todo vai ficando cada vez mais frágil, aumentando a tomada de risco pelos agentes financeiros, e inflacionando os preços dos ativos, principalmente das ações. O lema, que antes era “compre na baixa, venda na euforia”, agora parece ser “compre na baixa, e compre também na euforia”.
O mercado de ações perdeu as estribeiras
Sintoma dessa exuberância irracional do mercado é essa notícia aqui, informando que até as ações de empresas “quase quebradas” têm subido com força, mostrando um apetite por risco poucas vezes visto antes.
Porém, o momento é de ficar mais com cautela do que otimismo propriamente dito.
Warren Buffett (sempre ele) criou um indicador que mede a relação entre a capitalização das empresas e o PIB dos países, a fim de verificar se os preços das ações indicam euforia ou depressão:
“Por esse cálculo, quando a valorização das empresas ultrapassa o PIB, o sinal é de que os preços estariam inflados na Bolsa. De acordo com o Banco Mundial, o indicador estava em torno de 140% nos anos 2000, o que significa que as empresas americanas valiam muito mais do que a soma dos bens e serviços finais produzidos nos Estados Unidos.
Em 2020, segundo informações da revista Exame, o índice ultrapassou esse patamar e bateu 179%. Ou seja, além da sobrevalorização, o indicativo era de que o ‘estouro’ da bolha estaria próximo”.
No atual momento da Bolsa de Valores americana, segundo esse estudo da Advisor Perspectives, o estágio atual (com números atualizados até 2 de dezembro de 2020) apontaria um excesso de otimismo no mercado de ações que não se via desde pelo menos a bolha da Nasdaq do começo dos ano 2000, na verdade até suplantando ela, o que evidenciaria que uma forte correção poderia vir no futuro breve. Observem:
Créditos: Advisor Perspectives
A farra das IPOs
Prova de que o mercado de ações americanas está vivendo uma exuberância irracional que não se via desde o estouro da bolha da Nasdaq é o que está acontecendo no mercado de IPOs, com muitas empresas fazendo ofertas de ações e abrindo seu capital em Bolsa, aproveitando o momento de euforia e do lema “compre na baixa, e compre também na alta”.
O Wall Street Journal publicou uma reportagem em setembro comentando sobre a farra das IPOs nos EUA, que não se via desde 1999.
Semana passada tivemos a estreia das ações da AirBnB na Nasdaq. Valorização no primeiro dia de negociações? 113%.
Não, você não leu errado.
As ações da empresa dobraram de valor no primeiro dia de negociações na Nasdaq.
Até que ponto isso seria normal?
Bolsa brasileira: as duas visões
Sobre o Ibovespa, as opiniões, como sempre, se dividem.
O grupo dos otimistas acredita que o bull market estaria apenas começando. Com a retomada cíclica da economia, as famílias consumiriam mais, o que, por sua vez, faria com que as fábricas e indústrias aumentassem os pedidos de compras de insumos, os quais, por sua vez, demandariam uma quantidade maior de commodities, fazendo a roda da economia girar mais rapidamente, favorecendo a alta das ações.
Nesse cenário positivo, as empresas venderiam mais, teriam mais lucros, e impulsionariam a demanda por ações, fazendo os preços dessas últimas também subirem, como um reflexo da retomada gradual da economia.
Por outro lado, o grupo dos pessimistas ainda pensa, em linhas gerais, que é cedo para ser tão otimista com a retomada da economia real. A renda das famílias ainda está estagnada, o desemprego estaria ainda a níveis críticos, e haveria incertezas sobre a volta ou não da inflação, tudo isso aliado ainda a um cenário fiscal incerto, o que é agravado pela inexistência das reformas estruturais no Brasil, principalmente a administrativa e a tributária, que ainda não saíram do papel.
Quando você for ler, estudar, assistir ou ouvir a respeito desses temas, procure antes ver quem está por trás das respectivas matérias: em qual time jogam os otimistas? Seriam aqueles que escrevem relatórios de análises, cujo viés não estaria de certa forma prejudicado pelo interesse deles de vender relatórios sugerindo a compra e venda de ações?
E no time dos pessimistas? Será que o viés deles também não estaria prejudicado por algum interesse também escondido de querer vender algum investimento relacionado a uma posição mais defensiva no mercado financeiro?
Minha sugestão é você se alimentar das duas visões, pensar, refletir e ver qual é a faz mais sentido para você, considerando seu momento de vida atual, suas circunstâncias individualizadas, sua carteira de investimentos e seus projetos de vida com o dinheiro aplicado.
Conclusão
Voltando à pergunta que originou o título desse artigo, eu responderia que o momento é mais de cautela e menos de otimismo.
Bolsa de Valores é diferente da economia real, e muitas das empresas que movimentam o PIB do Brasil não refletem o movimento das ações. Geralmente o mercado se move por expectativas, e não por fatos concretos, e é preciso ter muito cuidado para você não confundir euforia com antecipação de tendências, pois mesmo essas tendências precisam ser confirmadas.
Se pensarmos unicamente em termos de market timing, o melhor momento para entrar na Bolsa já se foi: era quando o Ibovespa estava ladeira abaixo, caindo para os 80 mil, 70 mil pontos. Mas isso não significa que não possam vir no futuro outros bons momentos para comprar Bolsa a preços atrativos.
O importante é manter os pés no chão, procurar se inteirar mais dos fundamentos da economia como um todo (e não apenas dos preços das ações), e alinhar comportamentos que façam sentido para você, individualmente.
Não vá com muita sede ao pote quando todo mundo estiver atrás desse mesmo pote, pois, se o mercado financeiro colapsar, o prejuízo pode ser grande.
Mantenha a calma e procure montar uma carteira de investimentos que faça você ter preservação patrimonial em primeiro lugar, ainda que em detrimento de uma maior rentabilidade ocasional.
Paciência é, pois, uma virtude que só se conquista quando é diuturnamente praticada, e muitas vezes vale mais a pena ser paciente do que se arriscar em algo que apresenta riscos inerentemente maiores do que há algum tempo atrás. 😉
Parabéns Guilherme! Excelente!
Valeu, obrigado!
É Guilherme, concordo contigo.
Eu continuo aqui fazendo as realocações, sem deixar o percentual em RV subir muito, aportando nos seguros quando eles caem, pois nada sabemos sobre o amanhã.
Abraço e boa semana!
Verdade, André, equilíbrio, sempre!
Aqui vou só fazendo caixa, apesar de alguns ativos ainda estarem um tanto abaixo de antes da pandemia.
Sem dúvida, ter um bom caixa é essencial nos dias de hoje!
Ótima reflexão!!!
Obrigado, Marcos!
To começando a achar que minha vó que estava certo deixando o dinheiro no colchão kkkk
Bjo e fk c Deus
Nana
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