No dia 11 de agosto a CVM publicou novidades (que valem a partir de setembro) sobre os investimentos em ativos localizados no exterior via BDRs (recibos de depósitos), atendendo parcialmente a uma demanda crescente das entidades do setor (B3, bancos, fundos etc.), bem como dos próprios investidores pessoas físicas.
De forma bem simplificada, comprar BDRs é uma forma de fazer investimentos no exterior sem abrir uma conta no exterior. Esses papéis são comprados aqui mesmo, no Brasil, numa corretora brasileira.
Eis a notícia:
“A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) edita hoje, 11/8/2020, a Resolução CVM 3, que promove alterações nas Instruções CVM 332, 359, 480 e 555, no tocante às regras relacionadas a Brazilian Depositary Receipts – BDR.
BDRs são certificados de depósito de valores mobiliários, títulos emitidos no Brasil que representam outro valor mobiliário no exterior. Ao investir em BDRs, o investidor assume posição similar a que teria caso realizasse o investimento nos ativos estrangeiros por eles representados.
Os programas de BDR são classificados em Níveis I, II ou III. No Nível I, as exigências regulatórias sobre os emissores são menores e, consequentemente, o acesso de investidores não considerados qualificados, nos termos da regulamentação, é mais restrito. Já no Nível III, há uma maior quantidade de informações prestadas pelos emissores e uma correspondente flexibilidade para o investimento nesse produto por um conjunto maior de investidores.
Novas regras
A reforma preserva esta estrutura, porém flexibiliza as restrições existentes. Neste sentido, dentre as várias mudanças ocorridas por meio da nova norma, destacam-se:
- Permissão para que os BDR sejam lastreados (i) em ações emitidas por emissores estrangeiros com ativos ou receitas no Brasil ou (ii) em títulos de dívida, inclusive emitidos por companhias abertas brasileiras. Até a reforma, apenas ações emitidas por companhias abertas, ou assemelhadas, com sede e ativos preponderantemente localizados no exterior, poderiam servir como lastro para os valores mobiliários negociados no Brasil.
- Permissão para que, a depender do mercado em que os valores mobiliários lastro dos BDR Nível I sejam listados, investidores que não sejam considerados qualificados possam negociá-los.
- Previsão de emissão de BDR lastreados em cotas de fundos de índice admitidas à negociação no exterior.
“A norma confere maior liberdade para investidores e emissores, na esteira de uma crescente demanda por diversificação de portfólios e de taxas de juros reduzidas”, comentou Marcelo Barbosa, Presidente da CVM”.
Na prática, o que essa novidade significa?
Basicamente, significa a possibilidade de qualquer investidor brasileiro poder investir, por meio da compra e venda de BDRs negociadas na B3, em ações americanas (como Apple, Amazon, Google etc.), bem como em ações de empresas brasileiras que fizeram sua IPO no exterior, como a XP, Stone e PagSeguro.
Até então, esse tipo de investimento estava restrito aos investidores ditos “qualificados”, ou seja, aqueles que possuem pelo menos um milhão de reais investidos no mercado financeiro.
A nova norma passa a valer a partir de setembro.
Investimentos estrangeiros: uma opção a considerar para diversificação inteligente
Não é de hoje que o tema de investir no exterior tem ganhado a atenção dos investidores pessoa física no Brasil.
Com uma taxa SELIC a 2% a.a., e a consequente queda na rentabilidade dos investimentos em renda fixa, os investidores têm buscado alternativas para melhorar o desempenho de suas carteiras de ativos.
Ocorre que essas alternativas não se restringem às tradicionais classes de títulos privados, imóveis/fundos imobiliários e ações brasileiras.
Existe também a diversificação geográfica, que permite investir em ativos de classes semelhantes (ações, renda fixa, imóveis etc.), mas em outros países, visando a evitar o risco de concentração excessiva de ativos num único país.
No exato momento em que esse artigo está sendo escrito – agosto de 2020 – a diversificação geográfica sobretudo em ativos americanos ainda permite um bônus positivo inesperado: valorização da carteira pelo simples fato da exposição ao dólar.
Nesse momento, quem investe, por exemplo, em ações americanas, está ganhando duplamente: com a valorização das ações em si, acrescidas da valorização do dólar frente ao real, que já passa de R$ 5,50.
Com o passar do tempo, portanto, será cada vez mais importante a busca por diversificação geográfica dos ativos, como forma de diluir riscos e, ao mesmo tempo, promover ganhos incrementais em sua carteira de investimentos.
Essa temática da diversificação geográfica de ativos já é historicamente defendida por nomes de peso em matéria de investimentos, como o próprio Warren Buffett.
Nos Estados Unidos, diante de um longo histórico de baixas taxas de juros, somado ao crescimento não tão grande da valorização das ações domésticas (americanas), os investidores de lá têm buscado diversificar suas aplicações em outros mercados, principalmente nos mercados emergentes, onde, embora haja um risco maior, há também uma maior probabilidade de ganhos percentuais.
BDRs: vantagens e desvantagens
Apesar da comodidade e da praticidade do investimento em ações americanas por meio de corretoras brasileiras locais em mercados também brasileiros, sem necessidade de abertura de contas em corretoras estrangeiras, há alguns fatores limitativos desse tipo de investimentos.
Os principais limitadores dizem respeito à baixa liquidez e à quantidade limitada de BDRs para se investir.
Investir em BDRs para comprar ações da Apple ou da Tesla nunca terá a mesma liquidez do que se você abrisse uma conta numa corretora do exterior para comprar e vender essas mesmas ações na Bolsa americana.
O problema da menor liquidez traz consigo o problema do spread nas compras e vendas, já que você estará pagando mais caro para comprar ou recebendo mais barato para receber em caso de venda, o que, obviamente, implica em aumento dos custos de transação.
Além disso, nem todas as ações americanas estão ou estarão disponíveis para negociação aqui no Brasil via BDR, mas somente aquelas mais líquidas ou mais negociadas. Isso, sem dúvida, constituirá um fator limitante se você pretender montar uma carteira diversificada de ações americanas incluindo small caps ou micro caps, sem falar nos REITs (espécies de fundos imobiliários americanos) e nos milhares de ETFs ativos e passivos existentes por lá.
De mais a mais, ter um patrimônio em dólares não é a mesma coisa que ter um patrimônio equivalente em dólares. E isso sem contar que o investimento direto no exterior, abrindo contas em corretoras americanas, ainda lhe dá a possibilidade de receber dividendos diretamente em dólares, ou seja, em moeda forte, podendo reinvestir esses mesmos dividendos nas compras de mais ações, também diretamente em dólares, e sem sofrer prejuízos no câmbio de conversão (spreads).
A essa altura do campeonato, com o dólar caminhando novamente para beliscar os seis reais, todos sabemos da importância, que será cada vez maior, de ter parte dos ativos originariamente mantidos em moeda forte.
Conclusão
A notícia é boa, mas deve ser vista com temperamentos.
Apesar de algumas vantagens atinentes ao comodismo de poder investir localmente em ativos globais, há uma série de desvantagens que ainda precisam ser enfrentadas quando se investe num mercado local e pequeno (em termos globais) como o mercado financeiro brasileiro.
Além disso, a CVM precisa melhorar outros pontos do aspecto regulatório. Por exemplo, acabar de vez com essa estratificação dos investidores em investidores qualificados e investidores… “desqualificados”, ou seja, que não têm mais de um milhão de reais para investir.
Para mim, investidor qualificado não é termo adequado para expressar patrimônio financeiro, mas sim termo que se identifica mais com a maior qualificação educacional.
Ou seja, investidor qualificado é aquele que investe em sua educação, que conhece os riscos e retornos das diferentes classes de ativos, e que consegue ter autonomia na tomada de suas decisões financeiras. Está na hora da CVM rever essa terminologia até preconceituosa contra os pequenos investidores.
E quanto aos investimentos no exterior em si, é evidente que está havendo um aumento na procura desse tipo de investimento por parte do investidor pessoa física, o que faz com que as entidades regulatórias também criem mecanismo que visem facilitar esse tipo de investimento com medidas mais amplas, que reduzam custos e promovam transparência na regulação dos mecanismos, pois só assim é que se criará um ambiente que inspire confiança para que o investidor brasileiro continue investindo no mercado financeiro, não só local, mas também internacional.
Bom artigo!!!
Comecei aplicar mês passado no exterior com pouco ($10 dólares)
Para ir conhecendo mecanismo de transferência, custos e abertura conta corretora.
Achei muito rápido e fácil processo e fato da corretora ter suporte em português ajuda muito.
Passfolio a que usei!!!
Excelente seu depoimento, Marcos!
O negócio é por aí mesmo: começar operando pequeno, e aos poucos ir se acostumando e aumentando os aportes.
Muito explicativo o post. Eu não conhecia, abriu horizontes.
Obrigado, Vânia!
– “De mais a mais, ter um patrimônio em dólares não é a mesma coisa que ter um patrimônio equivalente em dólares.”
Words of wisdom, Guilherme!! Abraço
Valeu, Michael!