A treta entre Itaú e a XP, e o que você tem a ver com isso

Causou o maior rebuliço nas redes sociais a briga entre Itaú e XP, a qual fiquei sabendo por acompanhar o ótimo blog do Acumulador Compulsivo.

O cerne da polêmica está nesse vídeo abaixo, que foi amplamente publicado na televisão, e ainda por cima no dito horário nobre:

Clique aqui para ver o vídeo direto no YouTube.

Como se pode inferir da mensagem publicitária, o Itaú está dando uma bela indireta na XP, que teve um forte crescimento graças ao trabalho dos agentes autônomos de investimentos, que geralmente ganham comissões pelos investimentos recomendados, como COEs e fundos de investimentos.

Na verdade, do jeito que a propaganda foi montada, a impressão que fica é que o Itaú deprecia de forma gratuita o trabalho desses agentes autônomos de investimentos, como se toda a classe fosse responsável pelas perdas dos investidores pessoas físicas, e daí a fúria não só da XP, mas principalmente dos agentes autônomos de investimentos.

O CEO e fundador da XP, Guilherme Benchimol, publicou imediatamente um texto se defendendo das acusações – na verdade partindo para o contra-ataque. Diz ele:

“Estamos há 20 anos lutando contra um sistema financeiro concentrado que nunca inovou e nunca se preocupou com o que realmente importa: o cliente!

Tenho certeza que os bancos preferem o Brasil do passado, com juros altos e baixa concorrência, explorando ainda mais os empresários e os investidores individuais.

Quem nunca recebeu uma oferta do seu banco com um cheque especial abusivo, um empréstimo com as mais altas taxas de juros do mundo, um “investimento” na caderneta de poupança, um título de capitalização desnecessário, um fundo com taxas exorbitantes, um consórcio para bater a meta do fim do mês e assim por diante?

Temos muito orgulho do que estamos construindo. Comecei em uma sala de 25m² como assessor de investimentos e conseguimos, quase 20 anos depois, fazer com que mais de 2 milhões de brasileiros invistam melhor. Contribuímos para a criação de uma nova indústria, com mais competição, melhores produtos, melhores serviços e mais alinhamento com o cliente.

Desde o início, levamos educação financeira para as pessoas e mostramos que investimento se faz com visão de longo prazo e transparência.

Para alcançar a nossa missão, contamos com mais de 7.000 assessores independentes, que trabalham incansavelmente para trazer as melhores oportunidades para os investidores.

A nova campanha do Itaú ataca o comissionamento dos assessores na distribuição de produtos financeiros, como se ganhar dinheiro com o trabalho fosse errado. Sempre fomos transparentes nisso. O assessor é um empresário, um empreendedor que tem a sua própria empresa e somente sobrevive se a visão for de longo prazo, com um cliente realmente satisfeito e muita ética em todas as suas atitudes. Se ele falhar, não poderá mudar de emprego, mas, sim, fechará o seu negócio.

Com certeza temos muitos pontos a evoluir, natural de toda empresa. Mas trabalhamos duro para melhorar sempre e tenho orgulho de dizer que temos o maior índice de satisfação de todo o sistema financeiro brasileiro (NPS de 71 auditado). Para nós, essa é a melhor prova da sustentabilidade do nosso negócio.

A campanha do Itaú só reforça que estamos no caminho certo. Para o maior banco do país, com mais de 90 anos de tradição, ir a público e ofender uma profissão tão fundamental para o desenvolvimento financeiro dos brasileiros, é porque realmente percebeu que não consegue mais competir colocando o cliente em primeiro lugar.

Tenho uma certeza: se tem algo que o banco não é, nem nunca foi, é ser feito para você.

Apesar de toda a nossa história, estamos só no começo. Podem ter certeza de que não descansaremos enquanto todos os abusos dos bancos não acabarem.

Nosso propósito: transformar o mercado financeiro para melhorar a vida das pessoas.” (Guilherme Benchimol no Linkedin Pulse) – créditos do Acumulador Compulsivo.

Alguns dizem que todos esses holofotes jogados sobre os dois bancos na verdade é estratégia de marketing do Itaú para angariar mais clientes para o seu segmento Personnalité.

Outros afirmam que a XP é quem estaria se aproveitando da oportunidade para puxar a sardinha pro seu lado, se auto intitulando o bom mocinho que lutaria contra os grandes vilões do sistema financeiro nacional.

E o que você, investidor, tem a ver com isso tudo, ainda que não seja nem cliente do Itaú, nem da XP?

O problema dos custos – que na verdade revela outro problema

A verdade é que os investidores estão cansados dos exorbitantes custos dos investimentos e produtos financeiros em geral no Brasil – e isso explica boa parte do êxito, popularização e crescimento não só da XP, mas também de outras empresas, como o Banco Inter, o Nubank (na área de cartões de crédito), o BTG Pactual Digital, o Sofisa, a Modal etc.

Afinal, tradicionalmente, os grandes bancos até bem pouco tempo atrás (aliás, até hoje, se visualizarmos a questão sob certos aspectos), cobravam taxa de custódia de ações, taxa de corretagem de R$ 20 ou em valor proporcional ao tamanho da operação, fundos referenciados DI com taxa de administração de até 5% ao ano; CDB DI pós fixado pagando 70% do DI; fundos de crédito privado ou multimercado com histórico de rentabilidade a longo prazo de 70% ou menos do CDI, e assim por diante.

Historicamente, investir em produtos de bancos foi, é (e provavelmente sempre será) ruim para o pequeno investidor pessoa física.

Soma-se a tudo isso uma ausência quase que generalizada de educação financeira por parte dos investidores pessoa física, aliado a gerentes bancários altamente treinados e profissionalizados para atuarem como vendedores de produtos específicos, e não como consultores imparciais de investimentos, e tínhamos os ingredientes perfeitos para que se perpetuassem no tempo os altos lucros das instituições financeiras derivadas justamente de todos esses fatores, e que era acentuado pela ausência quase que integral de alternativas baratas e acessíveis.

Então, a entrada da XP, o seu crescimento, bem como o surgimento de outras plataformas digitais de investimentos, provocou uma “mexida” nos grandes bancos, já que aqueles entraram no mercado oferecendo menores taxas, e produtos mais competitivos, ainda que por intermédio de funcionários que ganham comissões pelos produtos indicados.

Hoje, portanto, há alternativas melhores e mais acessíveis, em relação aos grandes bancos de varejo, só que é preciso haver filtros para você conseguir não ser iludido por falsas promessas.

E, para conseguir tal qualificação, o que você precisa não é de “gerentes isentos”, como afirma a propaganda do Itaú, ou de ter conta na corretora A ou B, como preconiza a XP.

O que você precisa é de conhecimento para tomar decisões por conta própria de forma autônoma, crítica e independente,  pra poder debater de igual pra igual tanto com os gerentes dos bancos quanto com os assessores de investimentos das corretoras.

Vale lembrar que a própria XP cobra (ou cobrava) R$ 18,90 por ordem de compra ou venda no home broker, no mercado de ações, um valor que é bastante caro comparado ao oferecido por outras corretoras de valores.

Além disso, dependendo do tipo de operação ligada a investimentos que for realizada, operar na corretora do bancão pode sair até mais barato. Por exemplo, para transferir custódia de ações da corretora do Itaú para a da Clear (que, diga-se de passagem, faz parte do grupo XP), basta enviar um comando eletrônico no home broker. Agora, para transferir a custódia das ações da Clear para a do Itaú, o investidor tem que baixar um formulário em PDF, preenchê-lo, imprimir, assinar, ir para o Cartório, reconhecer firma, e finalmente (ufa!) ir para os Correios enviar o formulário para São Paulo Capital. Nesse caso específico, percebe-se claramente que quem abusa da paciência do investidor é a corretora, e não o banco.

O aumento da concorrência no setor financeiro é saudável se…

Portanto, o aumento da concorrência no setor financeiro é muito benéfico ao consumidor, em tese, porque amplia o leque de possibilidades, de produtos e serviços, de investimentos.

Eu digo “em tese” porque, para que esse aumento de concorrência se converta em benefício prático para o investidor, é indispensável que esse estude as opções disponíveis, e faça as escolhas guiadas pelo conhecimento adquirido, e não por simples presunção de sabedoria de terceiros, sejam esses terceiros gerentes de bancos, sejam esses terceiros assessores de investimentos de corretoras.

O uso cada vez mais difundido da tecnologia no âmbito do mercado financeiro como um todo (não só dos investimentos, mas dos serviços atrelados ao consumo também) é positivo porque cria possibilidades de escolha.

Porém, essa positividade, para ser bem aproveitada, depende de uma atitude não inercial de você, ou seja, depende de uma atitude proativa sua, que faça as ponderações dos prós e contras de cada produto ou serviço, e faça as escolhas mais adequadas às suas circunstâncias pessoais e às suas necessidades individuais, sem delegar o ato de pensar e decidir a terceiros.

Conclusão

É preciso abandonar a zona de conforto de velhos hábitos de consumo e de investimento, e experimentar novos horizontes (de investimentos e de consumo), a fim de, numa ponta, diminuir os gastos e equilibrar o orçamento doméstico e, de outro lado, melhorar a qualidade de seus investimentos. E só o estudo contínuo é a força motriz por trás de tal transformação de hábitos.

Por exemplo, no âmbito da previdência privada, antigamente quase todos os planos tinham taxas de carregamento, além de altíssimas taxas de administração. Hoje, a situação se inverteu drasticamente, de modo que o ponto de escolha passa a ser a qualidade intrínseca dos produtos desse ramo.

Hoje em dia, a avaliação de uma corretora para operar com ações não depende exclusivamente da taxa de corretagem. E é por isso que muita gente aceita, em vez de taxa zero (que seria economicamente mais vantajoso), pagar R$ 2 ou R$ 5 de taxa de corretagem, mas ter um atendimento com seres humanos, e não com robozinhos de chats, bem como poder operar num home broker estável, eficiente e que não falhe justamente no dia em que você vai operar (viu, Clear?).

Atualmente, uma conta bancária 100% gratuita já não atrai tanto se o suporte de atendimento ao cliente for fraco ou o próprio sistema tecnológico não se mostrar confiável. E é com base nisso que várias pessoas desistiram do Inter e foram para outros bancos digitais.

Os exemplos são inúmeros, mas demonstram que o investidor brasileiro está mais consciente de maneira geral das opções disponíveis no mercado financeiro, o que demandará, por sua vez, um esforço maior das empresas que atuam na área para oferecerem produtos e serviços melhores. Acompanhemos os próximos passos dessa competição, que tende, em geral, a ser benéfica para o investidor pessoa física, se – e desde que – ele atue também de forma consciente em suas escolhas pessoais.