Duas emoções básicas guiam e guiaram o ser humano ao longo de toda a sua jornada aqui na Terra: dor e prazer.
Se antigamente, bem antigamente mesmo, as manifestações mais primitivas desses sentimentos ocorriam em ambientes de luta pela própria sobrevivência física – por exemplo, ouvir os passos de um tigre para fugir em busca de um lugar mais seguro na savana – hoje em dia tais manifestações continuam a ocorrer, embora externalizadas em ambientes mais sofisticados.
No que toca particularmente aos investimentos, e, sendo mais específico ainda, aos investimentos em Bolsa de Valores, é perceptível a manifestação de tais emoções ocorrendo em doses cavalares desde que a pandemia do coronavírus foi deflagrada.
No mês de março, presenciamos sucessivos circuit breakers, com os preços das ações caindo a velocidades cada vez mais assustadores, o que foi uma forte demonstração de pânico dos investidores, pânico esse muitas vezes associado à fuga da dor.
Sim, diversos investidores não aguentaram ver os preços das ações caírem numa velocidade tão alta e, para conter a dor da perda, resolveram participar da perda, ao invés de apenas assistir à perda, realizando o prejuízo em meio ao cenário de devastação financeira que se aproximava.
Pois bem.
À medida que a economia real foi dando sinais cada vez mais claros que a crise veio para ficar durante um bom período (que não se sabe até quando irá durar), uma coisa interessante começou a ocorrer na Bolsa de Valores: as ações começaram, lenta e vagarosamente, a subir.
Sim, não obstante a quantidade de casos confirmados e de mortes ainda estar aumentando no Brasil – no último sábado, constatou-se que o país tinha o segundo maior número de mortos pela doença, somente atrás dos EUA (fonte), a Bolsa de Valores, num movimento para muitos inexplicável do ponto de vista racional, apresentou lenta e gradativa recuperação.
Essa lenta e gradativa recuperação ganhou contornos de busca pelo prazer, de verdadeira euforia, nas duas últimas semanas, quando o IBovespa chegou a registrar sete dias consecutivos de alta, cravando 97 mil pontos em 8 de junho.
Isso certamente fez com que um punhado de investidores voltassem suas atenções para a Bolsa de Valores, e começassem a se questionar: seria hora de comprar?
Eis que, em meio à euforia, novos temores de uma segunda onda do coronavírus tomaram conta das Bolsas mundiais, e o resultado foi nova queda da Bolsa, que fechou a sexta-feira aos 92.795 pontos.
Muitos investidores voltaram a ficar indecisos. E agora, será que seria hora de vender? Ou seria hora de comprar mais? E se a segunda onda se confirmar? E se não se confirmar?
Não faça uma viagem longa baseado na primeira tempestade
Operar no mercado financeiro é muito difícil para os investidores marinheiros de primeira viagem porque, dentre outros motivos, eles não conseguem entender dois princípios básicos do mercado de ações, um consistente no controle das emoções, outro atinente à visão de longo prazo.
Não se pode olhar para a renda variável com a mesma mentalidade com que se olha a renda fixa. O dinheiro não vai crescer em linha reta ascendente. É diferente. A situação é diferente, logo, a mentalidade também tem que ser diferente.
Além disso, não se pode investir, digamos, R$ 10 mil hoje em determinadas ações, achando que, em 30 de setembro, você poderá resgatar R$ 15 mil. Você corre o risco de resgatar R$ 2 mil. E, se ficar olhando diariamente para as cotações, corre o risco de resgatar até menos.
Tudo isso que estou falando pode parecer básico demais para muitos leitores mais antigos do blog, mas é exatamente essa a forma de pensar e de agir de muitos marinheiros de primeira viagem na Bolsa: eles são dominados pelas emoções da euforia e da depressão. Eles compram na alta, e liquidam tudo na baixa. Ficam fora do mercado quando deveriam estar dentro (é o que ocorreu nas últimas semanas), e prejudicam planos e programações de longo prazo na vã tentativa de ganhar dinheiro no curto prazo, especulando e fazendo day trade ou swing trade.
Para quem está começando agora a investir na Bolsa de Valores, e está paralisado diante da montanha-russa de emoções que tem sido o Ibovespa nos últimos 3 a 4 meses, a palavra de ordem pode ser resumida nesses termos: prudência e moderação.
Prudência nos fins. Valho-me aqui das preciosas lições de William Bernstein: “o objetivo de construir uma carteira de investimentos não é maximizar as chances de morrer rico, mas minimizar as chances de morrer pobre”. Em tempos de alta volatilidade, risco de perda de emprego, risco de perda de trabalho, não vale a pena adicionar mais uma camada de preocupações à sua já tão assoberbada vida.
Portanto, pense no investimento em Bolsa como uma opção adicional para melhorar a rentabilidade de sua carteira de ativos como um todo, mas não faça ela ser a sua principal fonte de rentabilidade nos investimentos, ainda mais em momentos tão conturbados como os que estamos vivendo. Controle a ganância.
Moderação nos meios. Se tiver e quiser começar a investir em Bolsa, comece em doses homeopáticas. Comece operando pequeno, com valores baixos, que não comprometam significativamente seu patrimônio total, e vá fazendo os ajustes à medida que sentir mais segurança e confiança. Quando todo mundo menos espera, aparece um cisne negro no horizonte que faz derrubar as ações da noite para o dia, literalmente falando.
Logo, quanto menos riscos você correr no início, melhor, ainda que tudo isso seja feito em detrimento de uma menor rentabilidade no final das contas. Lembre-se: se for para errar, que você erre para o lado da segurança, para o lado do conservadorismo, e não para o lado da ganância. A ganância em doses excessivas pode te fazer perder os freios e fazer com que você assuma riscos excessivos. Evite. Controle a dor.
Conclusão
O Brasil ainda vive uma crise econômica forte, e a economia real ainda vai demorar um bom par de anos para se recuperar. A questão sanitária ainda preocupa, pois o Brasil está caminhando para virar o epicentro mundial da pandemia do coronavírus – se é que já não virou.
Portanto, quanto menos exposto a riscos sua carteira de investimentos estiver, mais tranquilidade você terá para tocar seus projetos e suas atividades pessoais.
A Bolsa de Valores é um terreno que requer um domínio das emoções tanto quanto o domínio intelectual das ferramentas de análise fundamentalista. Entender seus meandros, a partir da sua experiência própria na arte de investir, são ingredientes fundamentais para ter êxito no investimento em ações, lembrando sempre que esse investimento exige uma auto análise bem consistente e real. Não se autossabote, e não gaste com a Bolsa mais tempo do que o estritamente necessário.
Mais importante do que a rentabilidade que você vier a obter com as ações é a sua capacidade de controlar sua carteira de ativos como um todo, bem como a praticar uma vida financeira disciplinada e regrada por hábitos frugais e virtuosos, com estrito controle das despesas no dia a dia. E tudo isso só se consegue praticando diuturnamente tais ensinamentos, e vivenciando todos os prós e contras do estudo e do investimento propriamente dito nas ações. Invista, sim, se for o caso, mas com prudência nos fins e moderação nos meios. 😉
Artigo bem bacana para pessoas que tiver paciência no aprendizado e resultados financeiros com a bolsa, ao invés de “investir”por conta de palpite de amigos de familiares.
Segue aqui uma frase de um investidor que admiro: “Be Fearful When Others Are Greedy and Greedy When Others Are Fearful” …ou “tenha medo quando outros estão gananciosos e seja ambicioso quando outros estão com medo” em minha tradução, pois a ganância pra mim é obter resultado a qualquer custo, mesmo sendo ilegalmente….
Ótima frase, Ivan!
Bom, pra mim faz mais sentido olhar mortes por milhão do que número de mortes absolutas. Afinal, a população do Brasil é MUITO maior do que de muitos outros países. Olhando por milhão o Brasil está em décimo terceiro lugar e não em segundo. Claro, que a mídia vai focar em mostrar a outra estatística, pois dá mais ibope.
Olá João, na verdade eu entendo a mídia focando as matérias dessa forma pois vivemos em um país onde a educação deixa muito a desejar e até mesmo com as notícias dessa forma o povo infelizmente está se aglomerando em lojas e shoppings de forma desnecessária… Se tivemos uma educação de primeiro mundo as notícias poderiam ser dadas de outra forma, mas a verdade é que estamos tendo muito mais mortes do que deveríamos pois as pessoas não tem a educação e o apoio necessário do governo para se prevenir. No Brasil ficar a um metro de meio de distância dos outros em uma rua de comércio é um trabalho hérculeo pelo visto… Infelizmente
Calma, João… Pelo o que mostra nossa curva de mortos, que mais parece uma reta de tão ascendente, em breve o Brasil vai ter o maior número de mortes por milhão, bilhão, zilhão ou qualquer outra métrica que você queira…
Excelente tema, Guilherme, muito bem abordado.
Acrescento que as pessoas que ganham mais dinheiro no mercado de renda variável são justamente as que se “aproveitam” das ações das pessoas influenciadas pela emoção. Infelizmente para essas…
Quando vejo euforia demais, vendo muito mais do que compro. Quando vejo desolação, compro. É o mercado cru e real…
Abraço!
Realmente, André, fazer o movimento contrário muitas vezes é o ingrediente decisivo para conseguir ter sucesso nesse mercado muitas vezes mais emocional do que racional.
Abraços!
Muito bom post, bem explicado.
Quero ver segurar a emoção quando o cara está operando 200 contratos de mini índice ou mini dolar e o mercado da uma pernada de 1000 pontos.
No loss ou gain é uma loucura total. Adrenalina, coração disparado…Lógico que não é para todos.
Segue o baile, sigo positivo.
Obrigado, EI!