Hoje, o Valores Reais tem o orgulho de apresentar mais um guest post de altíssima qualidade oriundo de seu seleto público de leitores.
E um dos grandes diferenciais do artigo de hoje é a natureza científica do texto, fazendo o blog alcançar um novo patamar em termos de qualificação do conhecimento.
O leitor Aron Miranda Burgos, Pesquisador da Pró-Reitoria da Universidade Federal do ABC, discorre sobre os fatores determinantes a atingir o atual estado do mercado de capitais, em tempos de coronavírus, isolamento social e crise econômica.
Confiram!
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Por: Aron Miranda Burgos, Pesquisador da Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal do ABC
Covid-19 e a Economia
Nos recentes meses é possível ver grande alvoroço sobre a Economia em geral. Muito se fala sobre a questão das indústrias e sua produtividade ameaçada em função do isolamento social. Como consequência, há uma enorme preocupação sobre o Mercado Financeiro. Porém, quando mencionam os impactos da Covid-19 no Mercado de Capitais, toda preocupação dos grandes especialistas e os números negativos ficam turvos aos olhos da maioria. Isso se deve ao fato de que os especialistas têm dois olhares: um que visualiza
o momento atual, e outro que visualiza o futuro em função do momento atual (a cadeia de eventos gerada pela problemática que estamos vivendo).
Nesse sentido, as inúmeras notícias de queda do Índice Bovespa (principal medidor da média das ações negociadas na Bolsa de Valores) gera grande repercussão, principalmente ao visualizarmos os circuit breakers. Como a Indústria e o Mercado de Capitais estão associados, acreditamos que de certa forma existe um impacto direto do isolamento social nas ações da Bolsa, assim como ocorre na produtividade das indústrias. Mas afinal, por que isso ocorre? Seria o isolamento social a principal causa das baixas na economia?
Para responder a essa pergunta, vamos definir alguns conceitos de Economia de maneira simplificada. O primeiro é que a Economia é uma ciência humana, embora envolva matemática, pois o mercado sempre reage às tendências das ações humanas. Em segundo lugar, as ciências econômicas consideram os indivíduos como racionais, ou seja, eles tendem a escolher aquilo que está mais correto do ponto de vista lógico. Por último, as indústrias lucram quando vendem, se de alguma forma suas exportações cessam, ocasionado pelo aumento do receio do contato humano, não há movimentação de dinheiro.
Dessa forma, num primeiro momento é difícil de se mensurar os reais impactos do vírus por si só no Mercado Financeiro, só se pode dizer com exatidão que, de certa maneira, as indústrias têm sua produção diminuída em função do capital humano disponível e da baixa demanda, já que o receio e o medo do contágio pelo contato humano aumentam com o tempo, de acordo com especialistas em epidemias, como Átila Iamarino, professor e pesquisador da USP.
Todavia, os seres humanos nem sempre são racionais. Muita das vezes, num primeiro momento agem de maneira emocional. Alexandre Espírito Santo, economista da Órama e professor do Ibmec-RJ, traz um questionamento interessante sobre a possibilidade das quedas extrapolantes estarem também relacionadas com a questão psicológica dos indivíduos e sua aversão ao risco.
Assim, se houver o prolongamento da crise há um risco da empresa não gerar dinheiro, não pagar seus funcionários e quebrar. – Por sua vez, isto afeta de fato os valores das ações no Mercado de Capitais. O ser humano tende a agir emocionalmente num primeiro momento, em função da incerteza de ganho ou perda e começa a vender seus ativos financeiros na bolsa com medo que ela se desvalorize mais no futuro. Mas a real tendência é que o mercado volte à sua racionalidade a longo prazo, principalmente após o controle da pandemia.
A incerteza como fator principal
Estudos recentes de neuroeconomia demonstram que somos mais aversos a perdas em cenários ambíguos. Podemos citar um caso em que existe uma diferença entre “ambiguidade” e “risco”. Enquanto o “risco” é o quanto posso perder com algo (probabilidade), a “ambiguidade” é a incerteza acerca do risco. Em outras palavras, em um cenário de pandemia global em que as perdas se mantém ambíguas a depender das ações governamentais, os humanos tendem a agir mais avessos ao risco.
Como afirmado neste artigo, os economistas e especialistas têm um olhar duplo, voltado para o presente e para o futuro. O que se pode afirmar com certeza sobre o presente é que existe uma diminuição nas exportações e no consumo de bens que não são de primeira necessidade e que esses itens são menos vendidos. Desta forma, as empresas desses setores que possuem capital aberto na Bolsa são as primeiras a sentirem os receios dos acionistas.
O principal fator que explica isso é a “incerteza”. Como não sabemos quanto tempo durará a crise, o impacto dela pode ser mais curto ou mais longo. Agora, imagine que não nos isolemos, e por um motivo óbvio as pessoas se (re)infectam progressivamente. Como esse vírus se espalha rapidamente, em um determinado momento a matemática sugere que os funcionários de fábricas poderiam ser impedidos de trabalhar por questões lógicas de saúde (causadas pelos sintomas da doença). Por essa razão, os donos de ações tendem a vender suas ações a um preço mais baixo, imaginando que seu valor possa cair ainda mais no futuro. Isso explica os números negativos no Índice Bovespa e em outros locais do mundo.
Ainda, deve-se considerar que algumas pessoas precisam vender seus ativos por necessidades imediatas de liquidez (dinheiro em mãos).
Nesse sentido, no curto prazo o isolamento social tem impacto na economia que é sentido pelo Mercado Financeiro e, no longo prazo, o real impacto na bolsa vem pela incerteza do prolongamento da crise e da incerteza de riscos, e não somente no isolamento social em si.
Economia e Saúde não são excludentes.
Um estudo da Mckinsey, uma das maiores empresas de consultoria no mundo verificou uma correlação de melhoramento mais veloz no PIB dos países que tiveram maior efetividade no controle do vírus. Por sua vez, aqueles países que controlarem efetivamente e não tiverem medidas suficientes para impedir (re)infecção, ocasiona um prolongamento da crise, e terminam com uma recuperação na economia mais demorada.
No pior dos cenários, ao demorar para solucionar a crise, negando-a, podemos ter grande problemas no Sistema de Saúde Pública, o que acabará uma recuperação econômica enfraquecida. Por esse motivo, o real impacto da COVID-19 a longo prazo será determinado pela capacidade da Saúde Pública e de políticas públicas de contenção, alinhadas com as medidas econômicas.
Essa relação é extremamente importante, pois indica que o mercado de capitais é impactado pelo prolongamento da crise, e não pelo isolamento social, como defendem alguns políticos. Crer que o isolamento social afetará negativamente a economia, ao menos a longo prazo, é subverter a relação que o isolamento social tem para prevenir a escalada da crise.
As Correções na Bolsa e o Livre Mercado
Correções não significam algo necessariamente ruim. Isso significa que o mercado está se ajustando de maneira saudável. Tal processo já aconteceu mais de 7 vezes nos últimos 10 anos na Bolsa de Valores Americana, por exemplo. Similarmente, o incentivo do livre mercado e business será crucial: o comércio e negócios serão canais fundamentais para recuperação econômica tal como ocorreu nos anos posteriores a crise de 2008, em um cenário de possível recessão.
Desse modo, voltamos à questão inicial: não se sabe ao certo quanto tempo levará para combater a crise definitivamente no Brasil, afinal políticos não tem adotado medidas efetivamente em conjunto – o que seria muito mais benéfico para solucionar a crise, dado a elevação no número de casos. Por isso, as incertezas fazem com que as pessoas comprem e vendam a preços que tentam prever as oscilações de alta ou baixa, influenciadas também pelo seu emocional diante do prolongamento da pandemia.
(OBS: o objetivo deste artigo não é negar o impacto da quarentena na economia, mas sim elucidar que as perdas reais não estão associados ao isolamento em si. Deve-se considerar , como mencionado que a baixa demanda e baixa lucratividade das empresas impactam na valorização de seus ativos no mercado financeiro; Além disso, devemos expor que as atitudes do Governo Federal diante da injeção de liquidez (dinheiro vivo) estão associadas a uma tentativa de minimizar tais danos a priori, mas não é uma estratégia produtiva manter essa tática a longo prazo, pois, nesse caso também afeta negativamente as finanças governamentais, o que pode sim causar grandes danos no Mercado Financeiro.)
Bibliografia:
Recent Developments in Modeling Preferences: Uncertainty and Ambiguity Neural signatures of economic preferences for risk and ambiguity. ( COLIN
CAMERER and MARTIN WEBER , Journal of Risk and Uncertainty Vol. 5, No. 4 (1992), pp. 325-370)
Levine, D.K. Neuroeconomics?. Int Rev Econ 58, 287 (2011).
Rangel, Antonio et al. “A framework for studying the neurobiology of value-based decision making.” Nature reviews. Neuroscience vol. 9,7 (2008): 545-56. doi:10.1038/nrn2357
Mckinsay COVID-19: Implications for business: https://www.mckinsey.com/business-functions/risk/our-insights/covid-19-implications-for-business
How to restart national economies during the coronavirus crisis : https://www.mckinsey.com/industries/public-sector/our-insights/how-torestart-national-economies-during-the-coronavirus-crisis
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Sobre o autor: Aron Miranda Burgos é pesquisador da Pró-reitoria de Pesquisa da UFABC; recentemente teve artigos científicos aprovados no exterior (EUA e Suíça), sendo um deles o International Conference on Finance and Business Economics.
Que análise perfeita, como docente universitária e psicologa autônoma tenho percebido a dificuldade das pessoas em perceberam como a economia e a saúde estão vinculdas…não sáo assuntos contrários. Arom foi feliz em lembrar que a Economia é uma ciência humana neste período em que as bolsas de pesquisa para as Ciências Humanas foram cortadas… Provavelmente, com a diminuição das pesquias nas Ciências Humanas ficaremos ainda mais perdidos sobre o impacto dessa pandemia em nossa população.
Obrigado, Tatiana!
Obrigado
Valeu, Marcos!
Excelente artigo!!
Grato, Rafaela!
Faltou dizer o que o cidadãao comum precisa fazer, que aliás é o mesmo com ou sem crise.
Trabalhar, estudar, evoluir, poupar, cuidar da saúde e da família.
A economia não está sob nosso controle e no fundo ninguém sabe dizer o que vai acontecer, pois não foi dado ao ser humano o dom de prever o futuro.
Ótimos complementos, Pedro!