A semana passada foi marcada por um verdadeiro pânico nos mercados financeiros de todo mundo, no rastro da crise global provocada pela pandemia do coronavírus, e reforçada por outros eventos igualmente impactantes, como a queda do petróleo e os sucessivos anúncios de diversas autoridades mundo afora sobre suspensão de voos e cancelamento de eventos públicos.
O IBovespa teve uma semana particularmente histórica, com nada mais nada menos do que 4 circuit breakers (CBs) acionados num espaço de apenas 4 pregões. Segunda-feira tivemos o primeiro, na terça houve repique de alta, na quarta-feira outro tombo de mais de 10%; seguido de mais dois circuit breakers acionados na quinta-feira (que por pouco não teve um terceiro CB acionado, com a queda no intraday beirando os 20%), e, finalmente, na sexta-feira, houve outra alta tão alucinante quanto as quedas dos dias anteriores. Isso, definitivamente, é volatilidade: fortes quedas, seguidas de fortes altas, seguidas de quedas mais fortes ainda, sucedidas por novas fortes altas.
Para quem começou a investir em ações depois de 2017, não poderia haver melhor “batismo de fogo”.
Paralelamente ao “derretimento de dinheiro” do mercado financeiro, ainda tivemos notícias sobre a rápida propagação da pandemia do coronavírus sobre diversos países e regiões ao redor do planeta, obrigando as autoridades de todo o mundo a adotarem medidas drásticas, que incluíram fechamento de fronteiras, suspensão temporária de voos, aulas e eventos públicos, e até bloqueio/quarentena de países inteiros. A situação definitivamente não está nada fácil.
Alguém mais desesperado poderia ver nisso tudo prenúncios de um verdadeiro cenário apocalíptico, tal como visto no Twitter, com a hashtag #coronapocalypse aparecendo por alguns momentos no trending topics.
É claro que, na esfera individual, cada um de nós devamos tomar todas as medidas preventivas que estiverem ao nosso alcance para evitar danos à nossa saúde. A pandemia já foi declarada pela Organização Mundial da Saúde, e ao que tudo indica essa é uma doença de fácil contágio e propagação.
Contudo, apesar de todo o alarme às vezes exagerado pela mídia e pelas redes sociais, ainda não é o fim do mundo.
Sei que muitos leitores, principalmente aqueles de primeira viagem na Bolsa de Valores, estão apreensivos sobre o dinheiro já alocado e “preso” em ações, e por isso esse texto se destina a dar algumas dicas simples, mas úteis, para reforçar a proteção patrimonial em tempos de crise, histeria, pânico, e, como gostam de dizer as manchetes sensacionalistas de alguns veículos de comunicação, derramamento de “banho de sangue” dos mercados financeiros.
1. Tenha sempre uma reserva de liquidez, por mais que a renda fixa esteja ruim.
É fato que o brasileiro médio, acostumado com uma renda fixa pagando 1% ao mês, foi ficando cada vez mais preocupado à medida em que a renda fixa pagava cada vez menos.
Isso, somado ao que se via do vizinho ganhando rios de dinheiro com a Bolsa subindo devagar e sempre rumo aos 119 mil pontos, fez com que ele, sem qualquer estudo prévio das ações ou da porcentagem de alocação, resolvesse entrar na Bolsa de Valores. Mas entrar da pior maneira possível: investindo altas quantias, sem estudo prévio, e muitas vezes com base na indicação de terceiros, e motivado pela pura e simples ganância em doses exageradas.
Quem é dominado pelas emoções na entrada acaba sendo dominado pelas emoções na saída, e não deu outra: infelizmente, a maioria dos investidores iniciantes vendeu a maior parte de suas ações durante a semana passada. Por quê? Para estancar a sangria. Para voltar a alocação aos níveis “normais”, evitando super exposição em Bolsa de Valores. Mas evitando não da melhor maneira, que é vendendo na alta, mas sim da pior maneira possível, que é vendendo no auge (se é que chegamos no auge) da baixa.
Outros tantos investidores gastaram todos os cartuchos na primeira queda forte do Ibovespa, ocorrida semana retrasada, quando o Índice caiu aos exatos 100 mil pontos, e ficaram com menos dinheiro para aproveitar as quedas da semana passada, que, até agora, foram as mais expressivas, com o Índice chegando a ficar na casa dos 68 mil pontos e desabando mais de 40% desde o seu topo.
A primeira lição que fica, portanto, é essa: por mais que a renda fixa esteja ruim, e os juros reais estejam baixos (e possam até ficar negativos, a depender da inflação, das taxas de administração e da rentabilidade de seus investimentos na renda fixa), tenha sempre uma reserva de liquidez, uma reserva na boa e velha renda fixa.
O objetivo de ter um dinheiro reservado na renda fixa (poupança, fundo DI, CDB pós-fixado etc.) não é propriamente produzir e gerar capital (= gerar ganhos expressivos de rentabilidade), mas sim proporcionar proteção patrimonial.
Proteção patrimonial em que sentido? Para vários sentidos, mas principalmente para não precisar recorrer às ações para pagar as contas do dia a dia, para dar conforto psicológico sabendo que, mesmo com as ações derretendo 40%, 50% ou 70% em momentos de crise aguda, você tem um dinheiro que sabe que poderá contar para os momentos de maior infortúnio em sua vida.
2. Desligue o home broker por um dia inteiro. E vá fazer outra coisa.
Para os marinheiros de primeira viagem – e também para quem já tem alguns anos de estrada na Bolsa – a tela do home broker, com as cores verde ou vermelho piscando freneticamente, com as ordens de compra e venda no book de ofertas se alterando a cada segundo, é um convite à exacerbação dos sentimentos ou de ganância – em época de alta – ou de depressão – em épocas de crise.
Só que tem uma coisa.
É estressante.
É estressante você ficar sabendo quanto ganhou ou quanto perdeu em certo dia, mas é especialmente estressante você ficar vendo as cotações só descerem, descerem… e continuarem descendo.
Se você quiser adicionar pitadas extras de emoções extremas, basta, em paralelo a isso tudo, manter conversas com seus amigos nas redes sociais e nas lives do YouTube, para aí sim ficar completamente frenético e ainda mais exposto ao risco de agir por impulso, seja comprando mais na alta, seja vendendo tudo na baixa.
Pra piorar o estresse, você ainda pode se deparar com seu app da corretora não funcionar a contento, exibindo as cotações com delay ou nem mesmo funcionando a contento devido à sobrecarga de demanda.
Por todos esses motivos, manter um distanciamento saudável do home broker é essencial.
Fique longe do home broker por um dia inteiro. Veja se consegue. Isso dará um alívio mental enorme à sua cabeça, e na verdade funcionará como um descanso psicológico importante para você recuperar as energias.
3. Não fique paralisado pelas notícias que saem. Concentre-se em suas atividades.
O problema dos dias de hoje não se resume a ficar ligado no que sai na mídia “tradicional”. O problema dos dias atuais é tentar se desgrudar do que se publica nas redes sociais.
Se em dias, digamos, “normais”, as pessoas já desperdiçam muito tempo em grupos de WhatsApp, timeline de Twitter e Facebook, posts de Instagram etc., imagina agora em plena era de coronavírus.
Alguns dias atrás, a busca pela novidade era saber se o presidente estava ou não com a doença, com atualizações praticamente minuto a minuto sobre o tal fato. Hoje, muitos estarão correndo atrás de saber se Fulano ou Sicrano pegou a doença. E o que isso, concreta e diretamente, afetará sua vida?
Aproveite a oportunidade para fazer testes sobre a sua capacidade de concentração nas atividades que lhe são próprias – e isso inclui desligar e ficar bem longe do home broker.
Quanto mais você se deixa levar por tudo isso, mais tempo consumirá com coisas que, no frigir dos ovos, pouco terão impacto sobre a sua vida.
Você deve aproveitar bem suas horas como se elas fossem um banco de dados, onde cada minuto bem gasto reverterá em proveito para seu desenvolvimento pessoal e a melhora de suas relações pessoais.
Gaste bem o tempo que tiver à disposição, de modo equilibrado, para não sair mais surtado do que determinadas manchetes de jornal, pois em tempos de pandemia é muito fácil ficar biruta com tanto mar de informação negativa circulando aos quatro ventos.
Conclusão
É inegável que estejamos vivenciando, presenciando e testemunhando um caso inédito de disseminação de um vírus que tem potencialidade para ceifar a vida de milhões de pessoas.
Porém, você deve tomar atitudes devidamente informadas, e ponderadas pelo bom senso, prudência e equilíbrio.
No campo dos investimentos em ações, evite tomar a decisão de liquidar sua posição em ações, e aproveite o momento para fazer compras fragmentadas e parcimoniosas de ativos que em sua visão estejam atrativos, mas de modo racional e prudente, pois não sabemos se amanhã haverá outra crise que torne tais ativos ainda mais baratos.
Quanto às ações compradas antes de março, e que ainda estejam em sua carteira, a melhor recomendação é dar tempo ao tempo, esperar a poeira baixar, e a vida na sociedade retomar o seu curso normal, pois as probabilidades são mais a favor da retomada do crescimento do que qualquer outra coisa. Já houve crises piores financeiras que essa, como a de 2008, e o mundo sobreviveu e retomou o crescimento.
Por último, na vida pessoal, além de tomar as medidas preventivas para a sua saúde, não se deixe contaminar pela histeria psicológica de algumas pessoas e veículos de comunicação, e aproveite bem o tempo que estiver ao seu dispor, evitando gastar seu precioso tempo consumindo lixo informativo que nada agregará à sua vida. Se for o caso, silencie os grupos de WhatsApp, ou os veja em bloco em horários pré-determinados do dia.
Mais cedo ou mais tarde essa crise irá passar, e o que ficará dela são as lições que você guardará na memória para seus investimentos e para o modo como conduziu sua vida em momentos de turbulência. 😉
Guilherme,
Manter a calma nesses momentos é essencial, ainda mais após os 2 circuit breakers da semana passada.
Fiquei pensando no prejuízo das pessoas que venderam as ações que eu comprei e me lembrei da frase de Warren Buffett: compre ao som dos canhões e venda ao som dos violinos.
Gostei da última frase do seu post. Sempre podemos aprender muito com as adversidades, mas apenas se estivermos dispostos a isso.
Boa semana!
Verdade, Rosana.
E essa semana ainda teve mais quedas.
O importante é mantermos a frieza e termos sempre uma estratégia de longo prazo a executar.
Boa semana também!
Guilherme, a volatilidade da bolsa na semana passada não chegou a tirar meu sono embora eu invista faz poucos anos, mas o Tesouro Direto fechado para negociação sem sabermos quando retornaria tirou. Tenho reserva de emergência em Tesouro Selic e fiquei muitíssimo preocupada. Imagina se a interrupção durasse vários dias? Me fez questionar bastante o impacto que esse tipo de medida poderia ter na minha vida e a seriedade do Tesouro de um modo geral.
Vi uma notícia que o Tesouro anunciou que o Tesouro Selic não seria mais afetado em interrupções nas negociações, mas mesmo assim resolvi passar parte da minha reserva para a Nuconta.
Adriana,
algumas pessoas não recomendam deixar reserva de emergência no tesouro direto justamente por conta disso. Segundo elas, não há no regulamento nada que obrigue o tesouro a recomprar os títulos antes da data de vencimento, sendo uma liberalidade do tesouro. Além disso, mesmo em condições normais, numa emergência real nem sempre é possível esperar D+1 pela liquidação (ou bem mais do que isso se você precisar do dinheiro numa quinta feira véspera de feriado, por exemplo…).
Esse anúncio do tesouro da semana passada foi muito bom. Em períodos de volatividade eles vão travar provavelmente apenas os pré e os tesouro ipca. Entretanto, como explicado no parágrafo anterior, continua tendo seus problemas usar a reserva de emergência no tesouro selic.
Caso semelhante ocorre na nuconta. Numa emergência no final de semana pode ser difícil fazer uma transferência (hoje já é possível procurar um banco 24 horas e agilizar as coisas). Mas isso vai ficar ainda mais fácil até o final do ano, com o novo sistema de pagamento que vai entrar.
Enfim, no final das contas tudo depende de balancear o tipo de emergência que a pessoa quer cobrir.
Pois é, Adriana e MJC, as pessoas sempre lembram da volatilidade na Bolsa, mas se esquecem de que pode haver muita volatilidade na renda fixa.
Essa questão do Tesouro Direto estar fechado realmente é um problema, principalmente se a pessoa precisar do dinheiro numa emergência que não dê para esperar.
No final, como disse o MJC, “tudo depende de balancear o tipo de emergência que a pessoa quer cobrir”, e eu concordo em deixar uma porção da reserva “mais líquida” à disposição imediata.
Olá Guilherme!
É, pelo jeito, essa crise parece ser sui generis. Depois de usar parte da valorização do câmbio e reserva de liquidez para comprar ações, agora até o ouro caiu para fornecer liquidez e os juros de longo prazo subiram, ferrando até com a renda fixa.
Restam agora 2/3 da reserva de liquidez em Selic para ver o que fazer. Temos que analisar bem… Senão, temos que fechar os prejuízos…
Abraço!
Pois é, juros de longo prazo subindo e não dá nem pra comprar uns títulos no tesouro.
Pelo menos minha corretora (Rico) não deixa. Nem nos poucos minutos que o mercado abre, ela não libera a opção de compra.
Dureza…
Oi André e MJC!
Nem me fale. O mercado está totalmente irracional e disfuncional. Até as criptomoedas, que em tese poderiam servir como um contrapeso em épocas de crise, estão afundando.
No final das contas, a reserva de liquidez vai acabar se transformando quase que em puro “cash”, sem rendimento algum, já que os juros da SELIC estão também cada vez mais magros.
E, para completar, como o MJC sinalizou, nem as corretoras colaboram em seus sistemas.
Muito boas as dicas.
Semana passada enquanto o mundo derretia eu fui pra praia: sol, bebidas e camarões no lugar de homebroker.
Voltei essa semana, vendi um pouco de cambio e liquidez e comprei FII e ações.
30 minutos preenchendo minha planilha para decidir o que comprar, mais 30 minutos para fazer as operações (o sistema da corretora estava lento).
Em uma hora eu fiz tudo o que precisava ser feito, claro isso porque o plano já estava pronto a muito tempo.
Que valha aquela máxima: nunca há perda, ou você ganha ou você aprende.
Boa, Mendigo!
Cabeça fresca e frieza emocional são ingredientes fundamentais para atravessar turbulências como as que estamos enfrentando!
Ser ganancioso quando os outros sãomedrosos e medroso quando os outros são gananciosos…
A oportunidade apareceu e deve ser agarrada,em 2008 estava fora da Bolsa e demorou 12 anos para parecer uma liquidação como essa então para quem tem estômago forte a hora e essa…
Sem dúvida, João Paulo.
Se as crises fortes acontecerem a cada 10 a 12 anos, a próxima grande oportunidade somente aparecerá lá por volta de 2030 a 2032….
Tenho duas perguntas: esse é um bom momento pra comprar ações já que elas estão baratas? Por que? E quando eu tenho ações e elas caem eu posso ficar com saldo negativo, como se eu estivesse devendo a bolsa de valores?
Alice bom dia.Vou responder a sua segunda pergunta primeiro,se as açoes caem e voce vende las por um preço abaixo do que comprou voce estará realizando prejuízo…Voce pode ficar devendo a sua corretora e nao a Bolsa se estiver operando alavancada por exemplo…quanto a primeira pergunta se voce tiver tolerancia a alto risco agora e o momento ideal pois muitas empresas na Bolsa estao sendo negociadas abaixo do seu valor patrimonial que abre possibildades interessantes.
Lembrando que açoes e investimento de LONGO PRAZO e para quem tolerancia a risco,se o seu horizonte de investimento e de curto prazo e voce nao tem tolerancia a risco esqueca da Bolsa….
Olá, Alice!
O João Paulo já respondeu muito bem as suas perguntas.
O momento atual sim é um bom momento, desde que você saiba que esse é um investimento de risco, que tem um horizonte de longo prazo para se concretizar. Ou seja, não é para comprar hoje e esperar resgatar daqui a 30 dias, porque daqui a 30 dias as ações poderão valer menos.
Quanto à sua segunda pergunta, você fica no negativo, mas isso não significa que você fica devendo para a Bolsa. O máximo de prejuízo que você pode chegar é a ação chegar a R$ 0,01.
Enfim, é preciso estudo prévio e controle das emoções ao investir em Bolsa, bem como começar operando valores pequenos, e com bastante parcimônia ir aumentando gradualmente os aportes.