Quando se discorre sobre educação financeira, sobre organizar as finanças e o orçamento doméstico, pouco se fala de um assunto muito importante intrinsecamente ligado ao tema das finanças pessoais: o poder de você usar o dinheiro para fazer o bem não importa a quem.
O dinheiro não serve apenas para melhorar a sua qualidade de vida; tampouco a educação financeira se presta unicamente a trazer paz e equilíbrio para o gerenciamento de suas finanças pessoais, nas vertentes do presente (despesas sob controle e aportes constantes) e do futuro (planejamento para a aposentadoria e realização de sonhos materiais).
Cuidar bem do dinheiro serve também para você dar a ele uma utilidade extraordinária, que pode ser praticada regularmente depois que você conseguir dominá-lo: a função de, por meio dele, ajudar ao próximo.
Use o dinheiro como instrumento auxiliar para você cultivar a virtude da compaixão.
Outro dia, eu estava numa viagem de lazer numa grande cidade do Brasil, e, andando pelas ruas, num sábado de frio, me deparei com uma família vindo na direção oposta da calçada.
Essa família era composta por um homem, puxando uma carroça gigantesca pelos braços, uma mulher, que era a sua cônjuge, e um filho pequeno que não devia ter mais do que 4 ou 5 anos de idade, andando abraçado com uma bola de basquete que alguém havia descartado em algum depósito de lixo. O menino começou a chorar de fome – àquela altura, já começando a anoitecer, provavelmente ele estava há algum tempo sem comer.
Um senhor de idade ficou comovido pela situação daquela família, e entregou ao homem da carroça um valor em dinheiro.
Imediatamente me lembrei que eu estava carregando uma nota de vinte reais comigo, e não tive dúvida: a entreguei para a família.
Os pais me agradeceram efusivamente, sabendo que aquele dinheiro iria ser usado para matar a fome de todos eles, especialmente do filhinho de 4 ou 5 anos de idade. O sorriso de felicidade autêntica estampado no rosto de cada um deles me fez ganhar completamente o dia, pois eu sabia que eu havia feito algo de concreto para ajudar aquelas pessoas necessitadas.
Na verdade, não há coisa mais gratificante do que fazer isso: realizar o bem de modo concreto, sem esperar nada em troca, a pessoas que se encontram completamente excluídas da sociedade, e muitas vezes marginalizadas com olhares de desprezo e indiferença pelas pessoas.
O significado da compaixão foi muito bem definido por Leonardo Boff:
“A compaixão talvez seja, entre as virtudes humanas, a mais humana de todas, porque não só nos abre ao outro, como expressão de amor dolorido, mas ao outro mais vitimado e mortificado. Pouco importam a ideologia, a religião, o status social e cultural das pessoa. A compaixão anula estas diferenças e faz estender as mãos às vitimas. Ficarmos cinicamente indiferentes, mostra suprema desumanidade que nos transforma em inimigos de nossa própria humanidade. Diante da desgraça do outro não há como não sermos os samaritanos compassivos da parábola bíblica.
A com-paixão implica assumir a paixão do outro. É transladar-se ao lugar do outro para estar junto dele, para sofrer com ele, para chorar com ele, para sentir com ele o coração despedaçado. Talvez não tenhamos nada a lhe dar e até as palavras nos morram na garganta. Mas o importante é estar aí junto dele e jamais permitir que sofra sozinho”.
Como se aplaca a fome de um garoto que nada tem? Com comida, é claro. Mas como obter comida? Muitas vezes, com dinheiro. Se eles não tem nem comida, nem dinheiro, e se nós não dispomos de comida para remediar a dor do outro, que pelo menos usemos uma parte de nosso dinheiro para tal finalidade.
Eu não podia ficar indiferente, naquela situação, naquelas específicas circunstâncias, até porque eles não pediram nada para mim: fui eu quem tomei a iniciativa de ir até eles. É diferente. Ver uma criança chorando de fome tão perto choca o coração de qualquer ser humano, e poder ajudar de fato é o que nos torna seres ainda mais humanos. É exercitar a compaixão concretamente. É não ficar indiferente. É agir concretamente. É tornar a vida de uma pessoa melhor, ainda que só naquele dia.
Sensibilidade social
Precisamos todos ter mais sensibilidade social, sermos menos egoístas num mundo já quase que completamente virado do avesso e cada vez mais individualista, consumista, narcisista e exibicionista, e procurarmos exercer e cultivar essa poderosa virtude da compaixão, deixando a vaidade em segundo plano.
Buscar a independência financeira, buscar a tão almejada liberdade financeira, sem dúvida é uma meta honrosa e que certamente lhe proporcionará condições de ser mais mais compassivo com as pessoas mais humildes e mais necessitadas.
Porém, durante essa caminhada é importante que o cultivo da compaixão seja um exercício constante, e não feito somente lá no final da vida.
A compaixão pode ser exercida antes e durante a jornada.
E não precisa ser feita apenas com doações financeiras, obviamente.
Você pode doar seu tempo, botando a “mão na massa”, seja sozinho, seja realizando trabalhos comunitários, junto a outras pessoas, em centros de caridade, hospitais, escolas e outros locais públicos ou privados.
Você pode doar suas habilidades cognitivas e verbais, transmitindo conteúdos que possam amenizar sofrimentos, curar depressões e fazer as pessoas enxergarem o potencial ilimitado que cada uma carrega dentro de si.
Dentro desse contexto, os pais carregam uma grande responsabilidade de transmitir os valores da compaixão aos seus filhos, principalmente quando ainda estão na infância e adolescência, demonstrando, através de exemplos próprios, a importância de ajudar a quem nada tem, em orfanatos, asilos, trabalhos comunitários etc., já que as crianças aprendem, por excelência, através da imitação do comportamento de seus pais.
Conclusão

Experimente tomar a iniciativa de ajudar alguém. Não espere essa pessoa vir até você.
Ou então surpreenda essa pessoa, fazendo mais do que ela esperava. Foi o que aconteceu no mesmo dia daquela episódio acima, com uma garota que estava vendendo panos de prato em frente a uma agência bancária.
Perguntei-lhe o preço dos panos de prato. Custava dez reais o pacote com três panos. Pedi para dar uma olhada nos panos, todos muito bonitos, por sinal, bem bordados e trabalhados com capricho e esmero.
Encenei que ia levar seis panos. A menina e a mãe dela já estavam separando os panos. Dei uma nota de vinte reais. E disse que elas não precisavam entregar os seis panos.
Elas não acreditaram. Me agradeceram efusivamente. Ganhei outros sorrisos genuínos de felicidade, oriundos de pessoas que você sabe que, por dentro , havia uma explosão de felicidade no coração. Por vinte reais? Tão pouco para mim, mas tão significativo para elas.
Essa é a magia da compaixão: de poder se colocar no lugar do outro, de sentir a dor que o outro está sentindo, e de encontrar meios de aliviar suas dores.
Infelizmente, muitos não nasceram em famílias com condições sociais dignas, e precisam se sujeitar a variadas situações para ganhar a vida e sobreviver. Cabe a nós ajudá-los sempre que possível, para que eles também possam progredir na vida, e, quem sabe, estudar e trabalhar bastante, para que essas pessoas, que um dia foram ajudadas com tão pouco (em termos materiais), possam estar do outro lado, e assim ajudar, no futuro, as pessoas menos favorecidas, e, assim, alimentar uma corrente do bem.
Essa é a nossa esperança. E que também pode ser a sua.
Portanto, cultive você também a virtude da compaixão. Faz um bem extraordinário para quem é ajudado, mas faz um bem maior ainda para quem ajuda.
Muito bom, Guilherme!
Aproveitando o assunto do tópico, acho que vale a pena lembrar que podemos doar até 6% do nosso imposto de renda (no ajuste do ano seguinte esse dinheiro é devolvido) para alguns tipos de projetos sociais previamente cadastrados pelo governo.
É uma forma de ajudar um projeto de sua cidade destinando parte do seu IR para ele. Vale a pena procurar saber de alguns projetos cadastrados e doar.
Coincidentemente, esse é o tema da coluna da Márcia Dessen na Folha de S. Paulo de hoje. Combinaram? 😀
Bem que poderia ter sido mesmo kkkk
Li a coluna dela agora, muito boa! E já veio a dica de onde encontrar locais para doar: FUMCAD (um fundo da cidade de SP). Eu tive uma certa dificuldade de achar onde doar. Por sorte minha mãe conheceu um projeto, foi lá ver e me avisou.
Deveria ter um site agregando esses projetos autorizados, seria bem mais prático.
De fato, um site agregando os projetos seria muito bom!
Realmente, não tinha visto o artigo da Márcia, muito bom!
Ótima lembrança, MJC!
Para quem quiser se aprofundar no tema, escrevemos um artigo a respeito => http://valoresreais.com/2009/12/09/destine-parte-do-imposto-de-renda-para-ajudar-criancas-e-adolescentes-carentes/
Guilherme,
Muito bonitas as suas atitudes. Tocantes.
Há tantas pessoas na mesma situação, tentando ganhar o pão de cada dia com tanta dificuldade… E como você disse, fazer o bem proporciona uma sensação muito boa.
“Elas não acreditaram. Me agradeceram efusivamente. Ganhei outros sorrisos genuínos de felicidade, oriundos de pessoas que você sabe que, por dentro, havia uma explosão de felicidade no coração. Por vinte reais? Tão pouco para mim, mas tão significativo para elas.”
Reações como essas nos deixam tão leves, em paz e alegres, não é?
Parabéns por suas belas atitudes. 🙂
Boa semana,
Obrigado pelas palavras, Rosana!
Às vezes penso que a alegria é maior para o doador do que para quem recebe. 🙂
Boa semana também!
E nada como essa época de Natal para exercitar um pouco a compaixão e fazer alguma doação para algum projeto legal, ajudar alguém que está com dificuldade financeira, presentear alguma criança carente, etc. No longo prazo, esse deveria ser um hábito cultivado sempre. As vezes, na correria do dia a dia acabamos esquecendo.
Bem lembrado, Adriana!
É um hábito que deve ser continuamente exercitado!
É muito bonito esse texto. Desejo que todos façamos caridade ao longo do ano, não apenas no natal.
Valeu, Paulo!
Bacana a reflexão.. importante demais praticarmos e estimularmos a compaixão…
Obrigado, Thiago!
Parabéns pelo texto e atitudes, Guilherme!
Realmente, somos nós que podemos fazer diferença na sociedade.
O triste desses nossos tempos é que as pessoas, acreditando no gigantismo do Estado para cuidar dos mais pobres, pararam de assistir a quem precisa. Afinal, pagamos impostos para o Estado cuidar de todos, não?
É assim que nos tornamos em um dos países com menos filantropia e voluntarismo social.
Abraço!
Verdade, André!
O pensamento cultural acerca do papel do Estado no Brasil influencia negativamente no voluntarismo social no Brasil.
Sim, ajudar o próximo é sempre muito bom e necessário.
Há alguns anos já ajudo mensalmente a AACD e este ano incluí também o GRAAC
Parabéns pela atitude, Irineu!
Sou leitora do Valores Reais há anos… e esse foi o texto que mais me tocou! Esta semana mesmo estava orando sobre isso a Deus, que eu possa ter compaixão, num mundo em que a maioria não se importa com o outro, que eu possa fazer a diferença, nem que seja na vida de apenas uma pessoa. Estava pensando especialmente por causa do Natal… não me conformo em comprar muitos presentes e entulhar a minha casa e a da família com coisas que simplesmente não preciso… Mas me sinto feliz e inteiramente grata quando posso fazer isso por quem realmente necessita… Nas férias em outubro, fiz uma limpeza no guarda-roupa e vi quantas peças sem uso. Doei para pessoas que precisavam e recebi tanta gratidão que meu coração ficou em paz. Não foi uma compra, mas eu poderia ter vendido e não doado… Já fui chamada de boba por isso, mas assim me sinto menos egoísta. quando mais doo, mais recebo de volta, é impressionante como isso é uma verdade.
Muito obrigado pelas palavras, Ana!
E parabéns também pela sua atitude e seu exemplo! A limpeza no guarda-roupa acabou tendo um sentido extraordinário, multiplicando o bem através da ajuda a pessoas necessitadas.
Parabéns!
Que bacana ler esse post.
Vejo no mundo e até aqui na blogosfera um pensamento tão egoísta sobre o próximo, sempre digo que somos todos cidadãos do mundo e compartilhamos esse minusculo grão de areia do universo, qual o motivo de sermos tão egoístas e odiarmos o nosso semelhante?
É triste que eu já tenha presenciado inúmeras vezes nos últimos tempos o preconceito contra o pobre, o desprezo e até a humilhação contra às pessoas de rua, mendigos e até mesmo pessoas que são de classes sociais mais baixas (Classe D), é preciso sermos mais generosos, quem não quiser fazer isso financeiramente que o faça pelo menos de coração
Ótimas reflexões, Poupador!
Precisamos ser mais altruístas nesses tempos onde a vaidade impera.
Abraços!
Sempre bom ler sobre sensibilidade social, em tempos onde isso se tornou quase um defeito.