Um dos assuntos mais comentados na Internet nos últimos dias foi, sem dúvida, a morte do apresentador de TV Gugu Liberato.
E isso se deve não apenas pelo que ele representou e fez, como comunicador que conseguiu grandes índices de audiência nos programas que apresentou, mas também pelo choque das circunstâncias em que se deu a morte: foi uma morte absolutamente inesperada.
Ao contrário do falecimento de outras personalidades que de vez em quando aparece na mídia, mortes essas provocadas seja por doenças debilitantes ou acidentes em que a parte se expunha a um certo grau de risco (aeronaves, helicópteros, carro, jet ski etc.), a morte de Gugu Liberato ocorreu sem que houvesse, digamos assim, um “fator externo provocador”.
Ao que tudo indica, ele sofreu um acidente doméstico: pelo que se apurou até agora, ele teria caído do forro da casa dele, e batido a cabeça na quina de um móvel. Ponto final.
Poderia ter acontecido com qualquer um. Aconteceu com ele.
E é por essas e outras que a vida é frágil. Por mais que tentemos fazê-la forte (como veremos abaixo), ela, ainda assim não nos pertence.
A aleatoriedade da vida
Todos nós tomamos, consciente ou inconscientemente, medidas para tentar prolongar a nossa existência, afinal de contas, o fator segurança responde a um dos instintos básicos do ser humano, qual seja, o de fugir da dor. Mas acima de querer viver sem dor, queremos, simplesmente, viver. Instintivamente, qualquer ser vivo procura a vida, e não a morte.
Há aqueles que, com toda a razão, cuidam da saúde por meio de medidas preventivas: controlam a alimentação, praticam exercícios físicos, fazem checkups anualmente, evitam cigarros, drogas e álcool etc.
Outros, por sua vez, mudam de cidade, às vezes até de país (como parece ter sido o caso do próprio Gugu Liberato), para fugir do risco da violência que assola a maioria das cidades brasileiras, principalmente das grandes metrópoles. Jorge Paulo Lemann, por exemplo, decidiu se mudar para a Suíça depois que seus 3 filhos, quando eram pequenos, sofreram uma tentativa de sequestro em São Paulo, como narrado no livro Sonho Grande.
Porém, mesmo que tomemos todas as medidas possíveis e imagináveis para aumentar nossos níveis de segurança social e prolongar ao máximo nossa saúde, o só fato de estar vivo já implica no risco de morrer a qualquer instante.
O próprio Gugu Liberato, ao que tudo indica, era um exemplo perfeito de pessoa que aparentava cuidar de sua saúde pessoal, bem como de tomar medidas para aumentar a segurança de sua família.
Pior: como ele ainda tinha apenas 60 anos (embora não aparentasse), certamente ainda teria uma vida útil muito longa pela frente, na sua carreira como apresentador. Daria pra imaginar ele prolongando sua carreira por, pelo menos, por mais 30 anos, chegando aos 90, como praticamente tem Sílvio Santos (que está quase lá, pois tem 88) ou, pegando um exemplo do mercado financeiro, Warren Buffett, que completou 90 anos recentemente. Ambos, Sílvio e Buffett, não querem saber de se aposentar, e certamente estava fora dos planos do Gugu Liberato se aposentar.
Mas a vida é como um sopro
Num instante nascemos. E, como um sopro, noutro instante já não mais vivemos.
A morte, assim como o tempo, é democrática: atinge a todos, independentemente de fama, dinheiro, saúde ou condição social.
Pior: ela não tem hora para chegar, pois mais precavido e cauteloso que você seja.
Certa vez, acho que ouvindo o podcast da Mara Luquet, na CBN, ela comentava sobre um livro do Nassin Taleb, “A lógica do cisne negro”, em que esse autor discorria, dentre outras coisas, que a vida na verdade se constitui numa sucessão de fatos aleatórios e que nós, como seres humanos, é que tentamos, por meio de processos racionais, conferir um ar de lógica e, usando de uma expressão redundante, racionalizar os acontecimentos passados, a fim de que façam algum sentido para nossa existência.
Certa vez, um amigo comentou que, dez anos atrás, tinha feito dois vestibulares de Medicina, um em Minas Gerais, e outro em Santa Catarina. Ele passou no de Minas, mas reprovou no de Santa Catarina, por uma questão. Uma questão, que ele errou na hora de passar pro gabarito. Isso definiu o futuro dele, que, em vez de ser em Santa Catarina, foi projetado, dali pra frente, no Sudeste do país.
Outro amigo, engenheiro por formação, queria muito trabalhar numa multinacional de destaque mundial, era o sonho de consumo dele, mas, após vários testes seletivos rigorosos, não conseguiu. Sempre parava nas últimas fases. Precisando de dinheiro, resolveu arriscar um emprego no mercado financeiro. Deu tão certo que, depois de vários anos trabalhando com executivo de grandes corporações, acabou fundando, em parceria com seus amigos engenheiros (que também não deram muito certo na profissão original e que igualmente viraram economistas), uma empresa especializada em gestão de investimentos. Mas e se ele tivesse entrado na multinacional? Como teriam sido os últimos 20 anos da vida dele?
Sempre tentamos controlar a maior quantidade de aspectos de nossa vida, o que é normal, afinal de contas, a sensação de domínio da situação é um dos grandes anseios do ser humano.
Porém, temos que compreender que a álea, o imponderável, sempre pode igualmente aparecer em nossas vidas, e interferir em nossos processos decisórios. Algumas vezes, de forma transitória, como nos exemplos há pouco mencionados, que ainda nos permite reprogramar o curso de nossas vidas. Outras vezes, de forma definitiva, como no caso do Gugu Liberato.
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Conclusão
Refletir sobre a morte, ainda mais sobre a morte sob circunstâncias completamente inesperadas, que produz estado de choque nas pessoas, não é uma coisa fácil.
Pois nos faz refletir sobre nossa finitude, sobre nossa mortalidade, enfim, sobre nossa transitoriedade aqui nessa existência.
Dessas reflexões quase sempre sobreleva uma pergunta do tipo: “somos então seres insignificantes?”
Penso que não, uma vez que fazemos parte todos de um coletivo maior, pois vivemos em sociedade. O significado de nossa existência está sempre correlacionado ao fato de nos inserirmos dentro de um grupamento onde existem outros seres humanos.
A morte nos faz refletir sobre a importância de valorizarmos o tempo que ainda nos resta, através de ações que produzam escolhas qualitativas, tais como fazer o bem ao próximo, ignorar discussões inúteis, servir às pessoas com o máximo de nossas habilidades, a fim de levar esperança e melhorar a vida de outras pessoas. Perceba que sempre há “um outro” nessas ações.
Reformulando a frase dita acima, a morte nos faz refletir sobre a importância de valorizarmos o tempo que gastamos com as pessoas ao nosso redor.
Dentro desse contexto, vale a pena recordar um texto que escrevi em 2011, no qual eu me reportava a um podcast do Mauro Halfeld, em que ele comentava da importância de transmitir legados como fruto de seu exemplo de vida e daquilo que você ensina:
“Daqui a 100 anos, não vai interessa quanto dinheiro você teve, qual foi era o tamanho da sua casa ou qual era o modelo do carro que você dirigia. Mas se você tiver sido importante para a vida de um jovem, ah! Isso sim, terá feito a grande diferença” (Seymor Schulich)
Para mim, um dos grandes propósitos da vida é dar sentido à vida dos outros, é fazer os outros se sentirem melhores sobre eles mesmos, pois, ao fazermos isso, a nossa própria vida adquire um significado especial, adquire um sentido maior.
Um dos grandes propósitos da vida é adicionar significado à vida dos outros. É dar valor à vida dos outros. É, em suma, melhorar a vida do próximo. E isso pode ser feito de várias formas. Curando, como os médicos fazem. Ensinando, como os professores fazem. Projetando coisas, como os engenheiros e arquitetos fazem. Intermediando negócios, como os vendedores fazem. Orando e transmitindo fé e boas energias, como os religiosos fazem. Inspirando a não desistir até o último momento, como os atletas fazem.
Você certamente tem um conjunto de habilidades e, usando-as, pode ir além de sua própria existência e mortalidade, pois dessa forma estará impregnando nos outros o seu próprio “eu”. Esse é seu legado. Essa é a sua herança. Não é sobre coisas materiais que estamos falando. Não é sobre o “ter” que você deixa. É sobre o “ser” que você deixa. Não somos “teres” humanos. Somos seres humanos.
Faça, portanto, a diferença positiva você também, enquanto ainda tiver tempo! 😉
Fantástica a sua interpretação! Veio mesmo a calhar sobre o que eu precisava ouvir neste dia de hoje! Obrigada
Obrigado, Luciana!
Bom dia!
Li o texto no e-mail e tive que vir comentar, ótima reflexão. A vida é um sopro, precisamos lembrar disso diariamente, e refletir sobre isso antes de tomar decisões importantes.
Abraços
Valeu, BZ!!!!
“Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos corações sábios “(Salmo 90.12).
É a pura verdade. Um dos grandes propósitos da vida é adicionar significado à vida dos outros.
Essa consciência de que somos “ser humano” e não “ter humano” falta em nossa sociedade e precisamos tomar cuidado para não sermos mais um que só se importa com dinheiro.
Parabéns pela reflexão!
Obrigado, BLP!!!!
Parabéns pelo brilhante artigo!!!
Perfeito e muito verdadeiro!!!
Brilhante!!!
Valeu, José!
Artigo muito interessante, que nos leva a pensar nos verdadeiros valores da vida e do legado que vamos deixar para as futuras gerações. Tenho 6 netos, com idades variando de 3 a 26 anos. Meu compromisso é grande e as dificuldades maiores ainda. Vou tentar fazer com que meus filhos e netos maiores leiam e reflitam sobre a questão.
Parabéns,
Obrigado por nos repassar ideias que podem melhorar nossas vidas.
Obrigado, Paulo. Realmente, você tem um grande compromisso, mas com certeza terá a sabedoria necessária para transmitir os valores aos seus netos. Afinal de contas, as futuras gerações serão as responsáveis pelos destinos desse planeta.
Cabe a nós transmitir nosso legado da melhor maneira possível.
Fantástico texto, Guilherme!
“Pois nos faz refletir sobre nossa finitude, sobre nossa mortalidade, enfim, sobre nossa transitoriedade aqui nessa existência.”
Essa frase mostra como devemos dar conteúdo à nossa vida. E como somos responsáveis por ela. Não é à toa que a ideia de transitoriedade foi colocada lá na primeira semana do blog no poema “Dança Lenta”. É algo que todos deveríamos refletir sempre. Com boas conclusões sobre essa reflexão, o mundo seria outro!
Boa semana!
Valeu, André!
Agora que você ressaltou esse trecho, também me lembrei de uma palestra do Leandro Karnal, em que ele ressalta as “ações humanas” como pedra fundamental para modificar nossas vidas. Que as usemos da melhor maneira possível!
Minha questão é: não temos como controlar o futuro, mas aproveitar o presente intensamente (já que podemos morrer daqui um segundo e só temos – pelo menos onde é provado – unicamente essa vida) pode ser um risco pois o futuro pode vir e cobrar a falta de planejamento deste presente. Sinto-me confuso ao pensar em como viver com isso (que para mim) é um dilema.
De fato, Kronos, é um dilema que incide sobre todas as pessoas.
Daí a necessidade de sempre pensarmos e refletirmos sobre as decisões que tomamos e as ações que praticamos.
Guilherme,
Seu texto ficou perfeito.
“Num instante nascemos. E, como um sopro, noutro instante já não mais vivemos.”
Precisamos prestar muita atenção no que estamos fazendo com a vida, pois em um momento estamos aqui e no outro, não mais…
Precisamos aprender a valorizar mais o que realmente importa.
E a deixar para lá o que não vale tanto a pena – geralmente perdemos tanto tempo nessa parte…
Boa semana,
Obrigado, Rosana!
É isso mesmo: separar o joio do trigo, saber distinguir aquilo que só nos faz gastar tempo, daquilo que faz o tempo gasto valer a pena.
Abraços!
Esplêndido artigo!
Você resumiu em um texto tudo o que me sobreveio a mente nesses últimos dias. Parabéns!
Me fez lembrar que uma época eu gostaria de trabalhar em outro órgão público. Tentei concurso e por 0,5 ponto não fui aprovado.
Foi 0,5 ponto que me deixou muito frustrado no decorrer dos meses até fui transferido do norte do país para o sul do país (sonho de menino, pois sou muito mais do frio do que do calor) através do órgão que trabalho enquanto um colega que tinha passado para o outro órgão não conseguiu até hoje (quase 10 anos depois) sair do interior de um estado do norte (tentou várias transferência).
Então vi que na verdade eu estava muito bem melhor onde eu estava do que para onde eu pretendia ir. Isso me fez ser super grato! (que maluquice heim!?)
Quanto a fragilidade da vida foi outro assunto levantado que me fez refletir. Pois eu estava (alguns anos atrás) estudando para outro concurso mas como não tinha tempo acabava não me dedicando 100% e nem dando atenção as pessoas que amo (família e amigos) e acabou que mudei meus planos futuros e comecei a aproveitar mais a vida. Afinal o futuro a Deus pertence!
Escolhas e mais escolhas meu amigo.
Um forte abraço Guilherme e que Deus abençoe a todos nós.
Valeu, VE!
E excelente o seu testemunho pessoal. Mostra que, realmente, como diz Steve Jobs, só conseguimos conectar os pontos olhando para trás. As reflexões contínuas devem se incorporar ao nosso cotidiano, nos balizando a fazer escolhas cada vez melhores e mais maduras, como foi o seu caso.
Abraços!
Belo texto
Obrigado
Obrigado, Marcos!
Excelente texto! Ultimamente tenho pensado muito nisso de deixar um legado, usar habildiades para melhorar a vida das outras pessoas e ao mesmo tempo melhorar a nossa própria vida por nos dar sensação de utilidade. Essas mortes estúpidas como a do Gugu servem para a gente parar, refletir e buscar a coisa mais difícil de se conseguir no mundo: equilíbrio.
Peço licença para lincar esse texto no meu blog.
Abraço
Corey
Obrigado, Corey!
Você disse tudo: a busca permanente do equilíbrio em nossas vidas – uma das coisas mais difíceis de se alcançar nos tempos atuais, já que as obrigações do mundo nos puxam para o desequilíbrio, sempre.
Fico feliz de linkar o texto ao seu fantástico blog!
Abraços!
Belo texto!
Usar nossa vida, nossas habilidades, de forma a servir o coletivo é possivel e até fácil. Basta se abrir pra isso.
Depois da fase de criança em casa, demandando realmente dedicação intensa, depois dessa fase consigo participar de varias atividades voluntárias: sou presidente de uma associação de classe, dou uma “mãozinha” em outra associação, e participo de um grupo de bairro voltado para arborização dos espaços. O tempo se multiplica quando de fato queremos fazer algo.
Obrigado, Vânia!
E excelente o seu depoimento pessoal, pois mostra também que a vida é feita de fases e ciclos. Com mais tempo agora, você pode se dedicar a outras atividades, de caráter voluntário, e com o diferencial de estar mais experiente e madura para ajudar o coletivo.
Texto que nos faz ver o invisível. Em
reflexões como essa vejo a vida com valor único, divino, frágil e intensamente valente, presente no infinito mistério de Deus! Gratidão pelo texto.
Obrigado, Maria! Belas palavras as suas!
Uau! Faz tempo que não acompanho o blog e acabei de ler isso! Guilherme, preciso postar isso: Não somos “teres” humanos. Somos seres humanos, e aplicar em minha vida. Mais uma vez, obrigado!!!