Uma das maiores dificuldades, senão a maior dificuldade, de qualquer investidor no mercado de ações, seja esse investidor iniciante, seja esse investidor profissional e com longos anos de estrada, é vender na alta.
Não adianta falarem para você que o mais importante, no mercado de ações, é “comprar na baixa, e vender na alta”. Isso todo mundo aprende desde sempre, isso é o que tudo mundo ensina em livros, cursos e vídeos; isso, portanto, é o que tudo mundo sabe. O problema é colocar isso na prática.
As pessoas têm medo de venderem na alta basicamente por três motivos (podem existir outros): (1) ou por não terem uma estratégia segura de investimentos (falta de educação financeira), ou (2) por terem medo de vender e a ação subir, até subir muito, ou seja, foguetar, justo depois da venda (caso clássico representado por aquilo que podemos chamar de “síndrome dos viúvos da Magazine Luiza” – falta de controle das emoções), ou (3) por não saberem o momento exato da alta, ou, mesmo sabendo, terem medo de acionar o gatilho da venda (combinação dos motivos (1) e (2)).
Lembre-se de que um dos motivos de as pessoas investirem em ações é o de terem retornos acima daqueles que obteriam caso investissem todo o capital na renda fixa, e, para esse investimento garantir os resultados almejados, é muito importante saber vender, saber realizar os lucros, a fim de produzir rentabilidade e crescimento patrimonial sustentável a longo prazo. É muito importante focar no longo prazo.
Como eu disse num artigo escrito em 2010:
O “segredo” da Alocação de Ativos está no rebalanceamento das classes. Ou seja, quando a porcentagem das classes se desviarem da sua porcentagem original devemos rebalancear nossa carteira, trazendo esta novamente para a alocação original.
Uma das vantagens de uma estratégia baseada em alocação de ativos é você ter parâmetros pré-definidos, claros e objetivos, adaptados à sua realidade específica de investidor, que sinalizam os momentos em que é preciso realizar a venda de ações.
Isso ocorre quando você define (1) proporções entre as diferentes classes de ativos; bem como (2) parâmetros, ou seja, critérios objetivos, de disparo no gatilho. Quando esses critérios são atingidos, você não deve pensar: você deve simplesmente agir, porque você já pensou antes.
Exemplo prático
Vamos a um exemplo prático, mas simples (sem considerar aportes adicionais nem o efeito do pagamento do IR) para facilitar o entendimento.
Pedro iniciou o ano de 2019 com uma carteira de investimentos de R$ 100.166,40, composta de dois ativos: LCI com liquidez diária após 60 dias do depósito inicial, que rentabiliza 100% do CDI (RF = renda fixa), e 592 cotas do ETF BOVA11 (preço de R$ 84,60 cada cota), que espelha o Ibovespa (RV = renda variável):
1º de janeiro de 2019:
R$ 50.083,20 – Renda Fixa: LCI 100% do CDI (50%)
R$ 50.083,20 – Renda Variável: 592 cotas do ETF BOVA11 (50%)
Total: R$ 100.166,40 (100%)
O objetivo de sua carteira é sempre manter a proporção 50/50 RF/RV, e realizar os rebalanceamentos sempre que uma classe de ativos subir 5% e a outra cair 5%, ou seja, sempre que a relação RF/RV ficar 55/45.
Hoje, 28 de outubro de 2019 (antes do pregão), passados quase 11 meses da alocação original, a situação da carteira de investimentos de Pedro é a seguinte:
28 de outubro de 2019:
R$ 52.626,67 – Renda Fixa: LCI 100% do CDI +5,08% (46,24% da carteira)
R$ 61.195,04 – Renda Variável ETF BOVA11 +22,18% (53,76% da carteira)
Total: R$ 113.821,71 (100%)
O CDI, nesse período, rendeu pouco mais de 5%. Já a Bolsa subiu mais de 20%, e isso se reflete no preço das cotas do BOVA11, que fecharam semana passada aos R$ 103,37, refletindo nova máxima histórica do Ibovespa, que fechou aos 107.543 pontos.
Observe que, em períodos de alta na Bolsa, muita gente olharia para o passado, para esse retrovisor dos investimentos, e falaria: “- Nossa, se Pedro tivesse 100% em Bolsa, teria R$ 122 mil na carteira, e não “apenas” R$ 113 mil.”
Sim, é verdade, mas é muito fácil olhar para o passado já sabendo dos resultados que viriam a acontecer. Difícil é olhar para o futuro: e daqui pra frente? Seria ótimo ficar 100% investido na Bolsa?
É por essas e outras que a diversificação serve. Para atenuar os riscos (que aumentariam demasiadamente se houvesse 100% de exposição em Bolsa), mas também, em contrapartida, proporcionar chances de haver uma melhor rentabilidade (caso Pedro fosse ultraconservador e mantivesse 100% do capital alocado somente em renda fixa).
Mas a diversificação, por si só, não garante os resultados positivos. Não basta distribuir os ovos em diferentes cestas: é preciso, de tempos em tempos, fazer a redistribuição dos ovos para que as cestas voltem à proporção original dos ovos. E essa redistribuição, chamada, na linguagem técnica, de rebalanceamentos, de vender o excedente e comprar aquilo que precisa ser “reposto”, precisa ser feita com critérios objetivos e pré-determinados, a fim de, especialmente, coibir que o investidor aja com base em achismos, euforia ou depressão.
No caso específico de Pedro, por mais incrível que pareça, apesar de o investimento em Bolsa estar dando muito certo, com o IBovespa atingindo seus topos históricos, ainda não é hora de vender.
Isso porque ele estabeleceu como gatilhos de compra/venda somente quando houvesse desproporção superior a 10% entre uma classe e outra, isto é, quando uma classe de ativos atingisse o patamar de 55%, e outra, o percentual de 45%.
Conforme podemos observar acima, a renda variável responde por 53,76% de sua carteira de investimentos, ao passo que a renda fixa responde por 46,24%.
Porém, está chegando, está se aproximando, a hora de vender, já que para ele o gatilho ocorrerá quando uma classe atingir 55% do bolo total da carteira.
E, quando ocorrer isso, ou seja, a desproporção igual ou superior a 10%, o que Pedro fará? Irá vender toda a renda variável? Liquidar todas as 592 cotas de BOVA11?
Não.
Ele irá vender apenas o suficiente para reequilibrar a carteira novamente à proporção original de 50/50. Irá vender apenas parte dos lucros, parte do excedente.
Se ele estivesse estabelecido, hipoteticamente, que a venda ocorresse quando uma classe de ativos atingisse o percentual de 53,76% (percentual atual de sua carteira de ações), ele teria que vender, hoje, o equivalente a aproximadamente R$ 4.284,19 em ações, o que dá em torno de 41 cotas de sua atual carteira de ações, representada por 592 cotas do ETF BOVA11, e reaplicar esse valor na renda fixa – estou desprezando aqui o cálculo do imposto de renda de 15% na venda de ETFs, apenas para facilitar o entendimento.
Desse modo, a carteira dele, atualmente de cerca de R$ 113 mil, voltaria a ficar repartida em proporções simétricas, de cerca de R$ 56,5 mil para cada classe de ativos.
Conclusão

Qualquer investidor que tenha ações em sua carteira e queira usar o método de alocação de ativos para proporcionar crescimento patrimonial consistente e sustentável a longo prazo tem que saber executar as vendas.
Ações não são “para sempre”, como dizem alguns especialistas na área. Elas são úteis enquanto, e na medida em que, estiverem cumprindo sua finalidade de proporcionar crescimento patrimonial à sua carteira de ativos.
Elas não são um fim em si mesmas. A rigor, em última análise, ninguém quer, no fundo no fundo, ser sócio de Ambev, Itaú ou Petrobras. O que todo mundo quer, no final das contas, é garantir uma aposentadoria mais tranquila, ter dinheiro para bancar plano de saúde quando ficar idoso, fazer uma viagem e não se preocupar tanto com gastos…
São, em suma, os objetivos não financeiros que determinam e conduzem nossos objetivos financeiros, e não o contrário.
Tendo isso em mente, é fundamental que você não se apegue e tampouco se apaixone pelos seus investimentos.
Veja seus investimentos, sejam eles ativos de renda fixa, sejam eles ações ou fundos imobiliários, apenas como veículos de concretização de objetivos maiores de vida.
É dentro desse contexto instrumental dos investimentos que você deve ter balizas seguras que possam te orientar sobre os momentos mais adequados para comprar e vender ativos, principalmente os ativos de risco, em que você não sabe de antemão qual será a rentabilidade deles no futuro.
E a técnica dos rebalanceamentos periódicos é uma excelente ferramenta a lhe ajudar nessa empreitada, pois te livra de agir com base em impulsos emocionais na hora da compra ou da venda das ações e outros ativos de risco.
Pois, em matéria de ativos de risco que tenha promessas de retornos maiores a longo prazo, tão importante quanto comprar na baixa – que significa fazer o que a maioria não está fazendo – é vender na alta – que, novamente, significa fazer também o que a maioria não está fazendo.
E você, tem rebalanceado sua carteira de investimentos de tempos em tempos? Já teve que vender ações nesse ano para recompor sua carteira às proporções originais?
Excelente!
Valeu, Renato!
Parabéns Guilherme pelo artigo nos traz um debate relevante. Alocação prévia dos ativos e o rebalanceamento periódico são excelentes estratégias para redução de risco da carteira, proteção das emoções e manter o foco. Mas, existem duas simplificações no seu artigo prezado Guilherme, que me permita discordar. Para os que ainda estão no caminho da independência financeira os aportes regulares são a realidade necessária. Os novos aportes podem muito bem corrigir a alocação da carteira. Cada venda na carteira de ativos implica em pagamento antecipado de IR , considerando que estamos investindo para o longo prazo. E sem contar na taxa de corretagem que alguns investidores ainda pagam. Para acumular patrimônio de forma consistente o melhor é só comprar e evitar ao máximo vender. A correção da carteira no meu entender ocorre nos aportes mensais.
Valeu, Moisés, e ótimos aportes argumentativos, contribuem com novas perspectivas para aumentar o incentivo para o estudo de tão relevante tema.
Abraços!
Olá Guilherme, mais um artigo maravilhoso. Após alguns anos aqui já criei uma confiança muito boa em você. Então quando leio algo que você diz o peso é enorme. Parabéns por nos ajudar tanto com sua sabedoria e equilíbrio.
Muito grato pelas palavras, Druan!
Muito bacana! Obrigado Guilherme
Valeu, Thiago!
Olá. Também sou investidor passivo (por todas as vantagens que você disse, como também pela dedicação de tempo de dinheiro em ferramentas nas análises técnicas e fundamentalistas).
Gostaria de saber quais as suas metodologias da sua carteira de investimentos. Estou com dificuldade de estabelecer essas metas de compra e venda.
Obrigado.
Obrigado, Wolner!
As minhas metodologias da carteira de investimentos são baseadas nessas duas premissas da alocação de ativos: (1) estabelecer proporções entre ativos; (2) fazer rebalanceamentos periódicos quando há um desvio percentual da carteira, vendendo o excedente para recompor as proporções aos níveis originais.
Abraços!
Perfeito, Guilherme! São os mesmos ensinamentos que reforço constantemente lá no blog.
Isso ocorre por um motivo muito simples: ninguém sabe quando chegará na “alta”. Ou, o “quanto” alta é a alta!
Definir percentuais e rebalancear para mantê-los é o caminho mais certo para a riqueza a longo prazo. E reforço: com muito mais paz e qualidade de vida!
Abraço!
Exato, André, ótima lembrança sobre as vantagens adicionais da alocação de ativos + rebalanceamento: paz e qualidade de vida.
Abraços!
Opa Guilherme!
Aproveitando seu retorno aqui para dizer que mudei o site de plataforma, mas os feeds para os agregadores, como o Feedly, não migraram (assim também como os comentários do Disqus rsrs)…
Assim, sabendo que temos alguma audiência em comum, informo que, para acompanhar o site por eles, terão que refazer a assinatura. Criei um link fácil aqui: https://feedly.com/i/subscription/feed%2Fhttps%3A%2F%2Fviagemlenta.com%2Ffeed
Obrigado pelo espaço e abraço!
Muito bom saber disso, André!
Aproveitei o link que você incluiu em seu comentário, e fiz a atualização nos feeds do meu Feedly.
Abraços!
100% de acordo.
Há muitos anos atrás eu rodei umas simulações olhando o histórico de 94 pra cá do ibov-selic e, pensando num rebalanceamento entre 50%-50%, se não me engano, o gatilho mais em conta era o de desvio de 10 p.p. do alvo da classe. Ou seja, só rebalancearia se a diferença passasse a ser maior duq 40-60 para um dos lados.
Com esses 10 p.p., você olha mais para as grandes tendências e tira um pouco o foco do curto prazo. Você deixa os ativos oscilarem muito (como tem que ser) e vende só quando descolar muito. Gatilhos mto maiores você quase não rebalanceia. E muito menor você rebalanceia toda hora, o que faz com que você passe a perder parte das grandes tendências.
Excelente, MJC!
Também penso que desvios de 10 p.p. são um ponto de equilíbrio para ativar os rebalanceamentos.
Outra técnica que alguns pregam consiste em rebalancear em períodos fixos de tempo, p.ex., a cada fechamento de ano, independentemente dos percentuais de desvio, mas tenho dúvidas quanto à eficácia desse tipo de estratégia.
Quanta besteira!
Parem de girar patrimônio!
Nunca da pra saber onde está a alta e baixa!
Se querem rebalancear usem o dinheiro novo!
Concordo.
Não seria tão ofensivo ao dizer que o artigo é uma grande besteira, até porque cada investidor segue a estratégia que lhe for conveniente.
No entanto, essa orientação de gerenciamento do mix de ativos é extremamente danosa para o crescimento patrimonial no longo prazo. Ações sendo a classe de ativos onde o crescimento exponencial em valor é possível no longo prazo, fazer esse tipo de manobra é categoricamente abrir mão da relação risco/retorno, do upside implícito que é possuir ativos de maior risco na carteira.
Sem contar o retrocesso tributário oriundo da alienação contínua de ativos.
Abraços.
Ótimo Post
e realmente podemos rebalancear com novos aportes, sem necessariamente desfazer dos ativos que já adquiriu;
abs e bons investimentos
Valeu, kspov!
Excelente ponto de vista, mas não sei se é o caso de ficar “girando patrimônio”.
Penso que, no cotidiano, adotando a premissa de aportes mensais recorrentes (o que está claro que não houve no seu exemplo), o caminho mais viável para esse rebalanceamento seja mesmo por meio dos aportes.
Retornando ao seu belo exemplo, a única coisa que mudaria seria um “alvo” um pouco mais longo, como 10 ou 12%, principalmente para diluir os custos dos giros.
Seu artigo vem em muito boa hora, principalmente porque agora todo mundo queria estar “full” em bolsa desde os 60.000pts, em MGLU3 desde os R$ 2,00, em UNIP6 desde os R$ 3,90, em FIA Alaska Black, etc… Esquecem que não só a renda, mas o preço das cotas (ações, FII, cotas de FIA, etc) também vai oscilar nos dois sentidos, só não se sabe: (1) quando; (2) quanto.
Enfim, definir a estratégia antes e seguí-la, tanto na euforia quanto no desespero é fundamental para o sucesso no longo prazo!
Abc
FPI
Obrigado, FPI, e ótimos comentários!
Praticamente tudo se resume à escolha de um bom método de ação, aliado à execução à risca desse plano.
Abraços!
A eterna ilusão de acertar timing!
Vão terminar com menos do que na poupança!
Deixa o dinheiro quieto em ativos de valor.
Para quem quiser um maior aprimoramento, cabe sempre lembrar do excelente livro digital do Henrique Carvalho: Alocação de ativos
Pessimo girar patrimonio!
Excelente sugestão, Renato!
Oi, Guilherme!
Muito bom o seu artigo. Só para lembrar aos colegas que postaram nos comentários sobre alcançar a proporção estabelecida dos ativos na carteira usando os aportes, que isso tem um nome: reequilíbrio da carteira. E é uma boa estratégia, assim como o rebalanceamento de carteira. Na verdade, o rebalanceamento e o reequilíbrio se complementam. Uma vez que para quem está na fase de acumular patrimônio, faz aportes constantes e de montante baixo, o reequilíbrio da carteira pode ser o mais indicado. Já quem tem um patrimônio acumulado maior, e os aportes não são suficientes para trazer a carteira para a proporção original estabelecida de maneira mais rápida, o rebalanceamento pode ser o mais indicado.
Um forte abraço!
Isso mesmo Fábio.
Já ouviu falar de uma coisa chamada imposto de renda?
Ótimos comentários, Fábio!
A ideia do reequilíbrio da carteira faz todo o sentido nas fases iniciais de acúmulo patrimonial.
Abraços!
Faz sentido pra quem não sabe o que está fazendo = maioria.