Eu sei, eu sei, o título do artigo de hoje ficou um pouco extenso, mas não havia forma melhor de transmitir a mensagem central do texto de hoje do que começar com um título bem chamativo, e que na verdade funciona como um mote para que você leia esse texto até o final.
Vivemos imersos – ou seria submersos? – numa cultura que valoriza ao máximo a ostentação, o narcisismo, e o consumo irresponsável.
Some-se a isso as facilidades proporcionadas por diversos meios de pagamento, tais como crediários, cartões de crédito, financiamentos, que permitem a você parcelar o seu maravilho “elixir da felicidade”- nomeie isso como queira (celular, viagem, carro, roupa, relógio, TV, casa na praia etc.) – em 10, 12, 20, 72, 120, 360 ou 420 meses.
Acrescente a tudo isso um problema cada vez mais recorrente das sociedades contemporâneas, a atingir sobretudo os mais jovens: as doenças mentais e seus assemelhados, representadas pela depressão, a angústia, a carência emocional etc.
E, por fim, acrescente uma pitada de ignorância financeira da absoluta maioria da população brasileira e mundial, que não sabe sequer conceitos básicos como uso responsável do crédito, controle do orçamento familiar, diferença entre passivo e ativo, falta de planejamento financeiro a longo prazo etc.
O que temos, como resultado dessa nefasta combinação de fatores?
Uma vida vivida no sufoco.
Repito:
Uma vida vivida no sufoco.
E o que é precisamente essa vida?
É basicamente (mas não só isso) uma vida em que você vive de salário em salário, de contracheque em contracheque, trabalhando para pagar contas, e sustentar um padrão de vida irrealista, ou seja, acima de suas condições econômicas e daquilo que você realmente pode bancar.
Os sintomas mais claros desse estilo de vida estão representados na falta de dinheiro para investir, na falta de controle do orçamento doméstico e, principalmente, na quantidade exagerada de dívidas mensais recorrentes, que acabam consumindo muito mais do que os 30% estipulados pelas instituições financeiras para a concessão do crédito consignado em folha de pagamento.
O recado de hoje é simples e direto: preserve ao máximo seus fluxos futuros de caixa. Em outras palavras, preserve ao máximo seu salário líquido ou seus rendimentos mensais provenientes do trabalho. Comece o próximo mês com a menor quantidade possível de despesas.
Quanto mais livre você começar seu próximo mês – quanto mais livre você começar em termos de dinheiro – menos sufocante será o curso dos seus próximos 30 dias.
Você já parou para pensar quanto do seu salário líquido é realmente líquido? Quanto do seu salário líquido você realmente tem disponibilidade?
Não, se você ganha R$ 10 mil brutos, e paga uns R$ 1 mil para o INSS e mais uns R$ 2,5 mil de Imposto de Renda, tendo um salário líquido hipotético de R$ 6,5 mil, esse líquido que cai na conta não é efetivamente o seu fluxo de caixa livre para o próximo mês. Por quê?
Porque você ainda terá que descontar as despesas mensais fixas recorrentes, que você terá que abater, quer queira, quer não.
Você paga condomínio do prédio onde mora? Não tem como não pagar condomínio. Esse condomínio, portanto, retira parcela importante de seu fluxo futuro de caixa.
Você paga contas de luz, TV a cabo, Internet, celular, Netflix, Spotify, YouTube Premium? Não tem como não pagá-los. Todos esses pagamentos também retiram liquidez de seus futuros fluxos de caixa. E todo santo mês.
Mas isso não chega a ser problema. O problema é quando você resolve aprisionar seus futuros fluxos de caixa com novas despesas, que comprometem seus fluxos futuros de caixa numa velocidade e numa proporção ainda maiores.
Comprou parcelada aquela viagem em 12 prestações? Pois ela está lá a comprometer seus fluxos futuros de caixa. Você poderia ter feito diferente, ter feito uma provisão mensal para cobrir esses gastos, separando a cada mês uma quantia prefixada, para depois liquidar a viagem de modo a, quando ela tivesse terminado, você também quitasse a viagem. Mas não: a viagem acabou, mas as parcelinhas continuam lá, sendo descontadas e impedindo você de ter um fluxo mensal de caixa maior.
Comprou aquele carro financiado em 36 vezes a “juro zero” (que nunca é zero por causa dos custos adicionais embutidos, como IOF)? Pois saiba que essa dívida também lhe impede de começar o mês com uma maior disponibilidade sobre seu salário líquido. Poderia ter feito diferente, planejando-se antes para pagar depois à vista, mas…
E aqueles clubes de milhas? E aquelas compras de pontos? Foram também parceladas? Os remédios comprados na farmácia, você também parcelou? E aquelas roupas, foram parceladas em quantas vezes mesmo? E o celular, também foi dividido em quantas vezes? Comprou a TV também em 18 vezes?
O dinheiro acabou. O mês ainda não.
O resultado dessa montanha de compras parceladas + dívidas acumuladas + despesas mensais fixas obrigatórias é que aquele salário líquido que cai na conta de R$ 6,5 mil facilmente pode cair para R$ 4 mil ou menos.
O problema disso tudo é que você já começa o mês comprometido. Às vezes, muito comprometido, o que é ruim tanto do ponto de vista psicológico, pois é como se suas decisões do passado estivessem bloqueando seus comportamentos do presente (e efetivamente estão bloqueando), quando do ponto de vista financeiro, pois você poderia evitar de pagar juros ou, no mínimo, ter uma liberdade financeira maior com um fluxo mensal de caixa mais livre para tomar decisões orientadas a construir patrimônio financeiro com mais folga e mais tranquilidade.
Afinal de contas, é muito melhor e mais fácil você começar o mês com despesas fixas recorrentes de apenas, digamos, R$ 2 mil, do que começar o mês com despesas fixas recorrentes de R$ 4 mil ou R$ 6 mil. Começar o mês já no sufoco financeiro é muito, mas muito ruim.
Isso porque, se você não tiver um rígido controle de seu orçamento doméstico, no sentido de o dinheiro acabar, mas o mês ainda não, o que você irá fazer?
“Empurrar” as despesas para o próximo mês. Vendo que o dinheiro tá curto, no mínimo você irá usar o cartão de crédito, e aposto com todas as fichas que esse uso ainda será parcelado, criando novas dívidas para comprometer ainda mais os próximos meses.
O que fazer, então?
Se você estiver numa espiral perigosa de acumulação de dívidas e mais dívidas, uma terapia de choque para quebrar o ciclo do endividamento talvez seja a solução inicial mais apropriada.
Se você não estiver tão apurado em dívidas, mas ainda assim estiver numa situação com muitas compras parceladas e prestações diversas, uma solução plausível é fazer uma profunda reflexão sobre o quanto tudo isso ainda está valendo a pena.
Sim, pois se você parcelou é porque não teve condições de pagar à vista, e se você anda parcelando muitas coisas, é hora de rever, refletir e ponderar sobre se vale a pena manter um padrão de consumo totalmente desalinhado com suas possibilidades de gastos. Não dá pra querer bancar o herói aqui, nem muito menos esticar as parcelas até onde der, pois no final, se a corda arrebentar, ela arrebentará para o lado mais fraco, que pode ser o seu.
Uma coisa é você parcelar diversas compras pequenas, por exemplo, de R$ 100, R$ 200 ou R$ 300, em cinco vezes, seis vezes, dez vezes.
Outra coisa, totalmente diferente, é você querer parcelar diversas compras grandes, de R$ 1 mil, R$ 2 mil, R$ 4 mil, e até R$ 8 mil, em sete vezes, dez vezes, doze vezes, dezoito vezes, pois, nesses casos, o valor total das dívidas pode superar o próprio salário em duas, três, cinco ou mais vezes.
E isso sem contar, por óbvio, aquelas prestações de compras de bens que superem com folga o valor do salário, como ocorre normalmente com carros e imóvel próprio, que contribuem para achatar e comprimir ainda mais o (já combalido) orçamento doméstico.
Seja humilde, elimine o orgulho, e viva em novas bases
É preciso admitir: muitas vezes fazemos compras por impulso, e só depois, quando as prestações mensais já estão correndo nas faturas dos cartões de crédito ou nos extratos de conta-corrente bancária, é que percebemos quão negativa foi aquela determinada compra.
Mexer com padrões de consumo irrefletidos muitas vezes significa mexer com o ego, com o orgulho próprio, com a vaidade. Custa a acreditar que fizemos tal ou qual burrada financeira. É doído. A experiência mental – que traz consigo reflexos emocionais – machuca. Mas é preciso encarar o problema de frente, e vencer os obstáculos sentimentais que ainda te impedem de retomar o curso de sua vida financeira.
É muito ruim ter que admitir erros, mas é ainda pior não fazer nada.
Portanto, tome uma atitude de humildade: reconheça os erros, elimine o orgulho, readapte seu padrão de vida às suas reais possibilidades financeiras (o que quase sempre implica em cortar profundamente os gastos), e viva em novas bases.
O problema dos bens de maior custo
E se uma prestação mensal for inevitável? você estaria a perguntar, caso mais comum que envolve compras de carros, imóveis residenciais ou oportunidades de negócios de valor mais alto do que permitem suas atuais condições econômicas.
E se você precisar usar um carro para trabalhar, porque sua profissão exige muitos deslocamentos, e você não tiver o dinheiro suficiente para comprar um carro à vista?
Nesses casos, de aquisição de bens de maior custo, em que não será possível a compra à vista de uma só vez, a melhor recomendação continua sendo aquela clássica: pague o maior valor que conseguir a título de entrada. E compre o bem com o melhor custo/benefício, o que quase sempre implica na escolha do bem mais barato possível, dentre as opções existentes.
Por qual motivo? Apenas para diminuir o custo dos juros e o valor das prestações mensais?
Não, não apenas isso. Dar o maior valor possível a título de entrada também tem o efeito citado no título desse artigo: preservar, na maior medida possível, seus fluxos futuros de caixa.
Imagine que você queira comprar um imóvel que custe R$ 500 mil, dando R$ 100 mil de entrada (20%), para financiamento dos R$ 400 mil restantes (80%) em 360 meses. Você irá arcar com uma prestação mensal que começará em R$ 4 mil, supondo uma taxa de juros efetiva de 8,75% a.a. + TR, e um CET (Custo Efetivo Total) de 9,6% a.a.
Porém, se você conseguir dar de entrada 50% do valor total nesse exemplo (R$ 250 mil, em vez de R$ 100 mil), nas mesmas condições, prazos e taxas, o valor da prestação mensal inicial cairá de R$ 4 mil para cerca de R$ 2,5 mil, uma redução de quase 40%, aliviando muito seus fluxos futuros de caixa, além de proporcionarem um custo efetivo total menor, ainda mais se você conseguir liquidar a amortização antes do prazo final de 360 meses.
Conclusão

A construção de sua independência financeira está diretamente relacionada à sua capacidade de fazer aportes e de utilizar inteligentemente os instrumentos de investimentos para a construção de uma carteira de ativos mais propícia à conquista de seus objetivos.
E a sua capacidade de aportes, por sua vez, está diretamente relacionada à preservação de seus fluxos futuros de caixa: quanto mais dinheiro você tiver disponível mês a mês, mais liberdade você terá para trabalhar esse mesmo dinheiro.
Os instrumentos de crédito disponíveis no mercado de consumo criam a ilusão de que é possível viver uma vida acima de suas reais possibilidades financeiras. E isso é uma ilusão porque você vai se habituando a parcelar e a se endividar para consumir coisas que, se fossem pagas à vista, acabariam com seu salário antes do mês terminar.
Seja controlado e seja rigoroso na elaboração de seu orçamento doméstico. Viva dentro de suas posses, e evite ao máximo fazer dívidas que entupam além do razoável sua margem líquida disponível para viver no dia a dia.
Só através do exercício diário de virtudes como autocontrole, prudência e moderação é que você conseguirá não só viver dentro daquilo que seu padrão salarial permite, mas também terá o efeito de fazer sobrar aquele dinheiro que, trabalhado inteligentemente através de investimentos apropriados ao seu nível de conhecimento e instrução, permitam alcançar a tão sonhada independência financeira. 😉
Créditos da imagem: Free Digital Photos
Queria ter descoberto todas essas informações antes, pois já quebrei muito a cara com a falta de educação financeira. Só comecei a mudar depois de décadas jogando dinheiro fora e agradeço ao seu canal, pois foi meu primeiro choque de realidade, tapão na cara para acordar e parar de deixar o dinheirinho ir para o ralo. Abraços.
Muito obrigado pelas palavras, Cida!
O importante é ter tomado consciência financeira, e estar ajustando suas finanças aos poucos, um passo de cada vez. Você chegará lá! Parabéns!
Abraços!
Como regra geral, acho que devemos evitar parcelamentos mesmo.
Apesar disso, há opções em que o parcelamento é melhor do que pagar a vista. Se faço uma compra que não tem como ganhar desconto a vista e oferecem a opção de parcelamento sem juros, eu parcelo. Depois adianto as parcelas no meu cartão de crédito e ganho um micro desconto por isso.
Em alguns casos (compra de veículo, por exemplo), o parcelamento sem juros embute o IOF. Mesmo assim, se não conseguir desconto a vista, pode ser vantajoso investir o dinheiro na RF e parcelar o pagamento.
Enfim, como regra geral, evitamos. Mas acho adequado não levar essa regra a ferro e fogo e analisar compra a compra.
Como conseguir desconto adiantando parcelas?não sei disso.
Se não tem descontos a vista, melhor parcelar e investir a diferença
Depende do banco. No caso do Nubank, você pode adiantar as parcelas vindouras de compras parceladas. Eles te dão um desconto pequeno pelo pagamento antecipado.
O desconto, para aplicações menores do que 6 meses, fica um pouco mais baixo do que o rendimento líquido numa SELIC. Como a diferença é pequena, normalmente prefiro isso do que investir o dinheiro, por uma questão de controle pessoal mesmo.
MJC, realmente, do ponto de vista unicamente matemático, o parcelamento pode ser interessante nesses casos específicos.
O problema é quando a pessoa passa a se entupir de compras parceladas, achando que tem folga no orçamento em decorrência apenas do valor das parcelas, inflacionando o custo de vida apenas porque o valor da parcela cabe no orçamento, esquecendo-se do seu custo total e, assim, tendo um padrão de vida acima de suas reais possibilidades.
Imagine um sujeito que ganhe mil reais, e tenha 7 compras parceladas correndo no mês, com prestações mensais de R$ 100 cada, sendo cada compra parcelada em 10 vezes “sem juros”.
Nesse caso, é notório que o sujeito vive acima de suas possibilidades, pois a dívida total dele – R$ 7 mil – é 7 vezes maior que o salário!
É esse tipo de situação que as pessoas não costuma se atentar. Fazem dívidas superiores ao seu salário mensal.
Quem controla o orçamento doméstico e não se afunda em compras parceladas ainda é chamado de pão duro. A pressão pra consumir (acima das suas possibilidades) é grande. A luta é diária.
Investidor Solitário, é muita pressão mesmo, sempre a busca por mais. Depois de consumir como se não houvesse amanhã é fácil culpar o salário que é baixo, o governo, o país, a falta de sorte ou qualquer desculpa assim, quando na verdade tudo não passa de escolhas exclusivamente pessoais.
Acho que adotar um estilo de vida mais minimalista, mais simples, com menos, cortando coisas que não acrescentam e que não são necessárias, evitando as redes sociais, é um caminho para evitar essas pressões sociais, além de simplificar a vida.
Ampliando um pouco a linha de pensamento, eu ainda por cima fico indignada com a quantidade de resíduos que as pessoas produzem na sua ânsia de consumir. Parece que ninguém mais pensa no meio ambiente. Tudo é descartável e ninguém se importa.
Excelentes reflexões, Adriana!
A simplificação do estilo de vida é um dos melhores meios para evitar esse estresse todo.
Realmente, a pressão é enorme!
Tenho uma percepção parecida para outras situações também. Acho muito curiosa, em particular, a forma como crianças lidam com isso, por serem facilmente influenciáveis por publicidade e por repetirem esses comportamentos. É muito interessante, embora assustador.
Quando o preço à vista é o mesmo que o preço à prazo, compro a prazo “sem juros”, para ganhar aplicando o valor do produto. Como não perder o controle? Lanço o preço à vista no meu software de controle de orçamento como se eu já tivesse gasto todo o dinheiro. Ou seja, as parcelas não desembolsadas não ficam disponíveis para outros gastos. O único destino possível para este dinheiro é uma aplicação financeira. Esta é a única forma de não perder o controle e aproveitar estes parcelamentos.
Excelente estratégia, Marcelo!
Realmente, retirando o valor inteiro da compra do orçamento doméstico fica mais fácil realizar o controle financeiro!
O cartão de plástico traz uma falsa sensação de poder ao consumidor muito grande. Além de corroer os saldos líquidos do meses seguintes, ainda corre o risco de cair na bola de neve dos juros, no caso de atrasos…aí complica tudo rsrs
Isso mesmo, SF. Um controle eficiente é aquele relativo não só ao impacto das prestações no mês, mas também do valor total das dívidas em relação ao salário mensal.
O eterno: não dê um passo maior que as pernas que é, infelizmente, o que a maioria das pessoas fazem.
Acredito que o fácil acesso ao cartão de crédito facilita enormemente essa prática de parcelar tudo. No final, todas aquelas comprinhas desnecessárias que não trazem nenhum benefício real, só servem para atulhar a casa de tralha e são rapidamente esquecidas, comprometem a realização de objetivos maiores e mais importantes. São as pessoas escolhendo ser pobres ao invés de ricas na minha opinião.
Graças a Deus na minha casa meus pais sempre priorizaram as compras a vista e juntar o dinheiro antes de comprar para pagar a vista. Aprendi que a vida funciona assim. O máximo que me permito parcelar são passagens aéreas, pois consigo um descontinho antecipando as parcelas no Nubank depois.
Obs: adorei o “não se entupa de compras”.
Verdade, Adriana.
E o que não faltam são pessoas que dão um passo maior que as próprias pernas, ou melhor dizendo, que dão vários passos maior que as pernas.
Isso cria um círculo vicioso, pois a sensação de que a parcela cabe no bolso funciona como um gatilho para o sujeito fazer uma nova dívida, se a parcela couber no bolso, o que, por sua vez, estimulará a pessoa a fazer uma nova dívida.
Resultado: várias parcelas correndo no cartão, uma dívida total superior várias vezes ao próprio salário, e dificuldades de poupar e de formar patrimônio.
Parabéns ótima matéria com dicas muito importantes.