Nessa época de final de ano, é muito comum as pessoas fazerem uma análise do que ocorreu nos últimos 12 meses, refletirem sobre seus erros e acertos, e projetarem ações específicas a serem realizadas no ano que se inicia.
No âmbito financeiro, as reflexões normalmente centram-se em questões como:
- Patrimônio líquido: ele evoluiu ou regrediu?
- Fluxo de caixa: as receitas correntes aumentaram? Sim? Não? Por quais motivos?
- Despesas mensais: elas ficaram sob controle? Ou houve um descontrole de gastos?
Nesse contexto de reflexões, o artigo de hoje lança um desafio para você, independentemente do seu grau de estabilidade ou independência financeiras.
O desafio consiste em ampliar seu pacote de proteção financeira.
Por “pacote” você já deve pensar que eu não me refiro apenas à popular e tão importante reserva de emergências.
A proteção financeira requer mais do que a montagem pura e simples da reserva de emergências, pois se trata de um conjunto mais amplo de ferramentas para dar a devida segurança ao seu patrimônio.
Mas talvez o ponto mais importante desse artigo não seja nem essas ferramentas tradicionais que você deve supor quais sejam (spoiler = seguros), mas sim outras técnicas financeiras destinadas sobretudo a fazer você estar no controle de seu orçamento doméstico no dia a dia.
Analisemos, pois, cada uma das camadas componentes desse pacote. 😉
Reserva de emergências
Tudo começa por ela. Sem uma reserva financeira alocada em um investimento conservador com alto grau de liquidez, você não conseguirá ter tranquilidade para tocar a vida.
É com essa reserva que você “se garante” caso tenha que pagar uma despesa vultuosa que exija gastos imediatos, mas é também com essa reserva que você terá condições de aproveitar oportunidades únicas de investimentos, quando, por exemplo, a Bolsa cai mais de 10% num único dia, ou quando há uma oportunidade de negócio com a qual só se pode comprar à vista e em dinheiro.
Ter um colchão de segurança, além disso tudo, é o começo para conseguir uma vida financeira mais organizada, e pilar fundamental de qualquer investidor antes de começar os investimentos em ações, fundos imobiliários, ou mesmo antes de começar a investir em ativos de renda fixa que exijam carências para resgates, como CDBs pós-fixados com prazo de 1.080 dias ou debêntures incentivas de infraestrutura com vencimento em 2025.
Sobre a reserva de emergências, aliás, temos vários artigos no blog que explicam como fazer a sua montagem:
- Onde investir o dinheiro para a construção da sua reserva de emergências – o Guia Completo;
- O tamanho da reserva de emergência varia de acordo com as circunstâncias de vida de cada pessoa;
- 5 razões para ter uma boa reserva em renda fixa (colchão de segurança)
Seguros para proteção de bens e valores
A segunda camada do combo de proteção financeira é constituída pelos seguros, ou seja, pelo pagamento de prestações mensais por serviços que, uma vez contratados e em plena vigência, evitam que você tenha que desembolsar uma quantia muito grande de dinheiro caso o evento imprevisto aconteça.
Isso ocorre porque a reserva de emergências pode não ser suficiente ou ainda ser uma opção menos adequada para proteção de certos bens ou valores.
Imagine, por exemplo, que seu carro de R$ 50 mil venha a sofrer um acidente com perda total do veículo. Será que vale a pena desembolsar R$ 50 mil de sua reserva de emergências para economizar na compra do valor do seguro, que pode ser 40 vezes inferior a esse valor?
Seguros são assim: você compra para não querer utilizar. Mas caso precise acioná-los… eles podem representar uma grande economia de dinheiro.
Nessa categoria eu destaco, dentre outros, os seguintes seguros:
- Seguro de vida;
- Seguro por invalidez permanente;
- Seguro de automóvel;
- Seguro residencial;
- Seguro viagem;
- Plano de saúde.
O plano de saúde é um exemplo típico de serviço financeiro que te faz economizar bastante, caso um dia precise utilizá-lo, além de evitar o uso da reserva de emergências.
Porém, mesmo nessa categoria algumas proteções podem ser desnecessárias. Por exemplo, se você tem menos de 30 anos, trabalha, mas mora sozinho ou não tem dependentes, contratar um seguro de vida é uma despesa que praticamente não tem serventia. Nesse caso, mais apropriado seria um seguro por invalidez permanente, tendo em vista que dificilmente o valor da aposentadoria por invalidez permanente seria suficiente para manter seu padrão atual de vida.
Outros, que já alcançaram a independência financeira, e cuja reserva financeira é plenamente suficiente para bancar o mesmo padrão de vida para seus dependentes, podem dispensar perfeitamente o seguro de vida, ainda mais considerando que, quanto maior a idade, maior é o valor do seguro de vida – fora o fato de esse tipo de seguro não ser passível de contratação a partir de certa idade (geralmente depois dos 65 anos de idade).
Além disso, se você costuma utilizar os serviços da rede pública de saúde (post aqui), ou se dá ao luxo de viver sem automóvel, por óbvio, os respectivos seguros são dispensáveis.
Portanto, é preciso avaliar individualmente, à luz das circunstâncias específicas e atuais, a necessidade de cada uma dessas proteções.
Provisões mensais para despesas anuais recorrentes
Volto a abordar esse assunto, porque ele é muito importante, e talvez leitores recém-chegados ao blog não tenham ainda se deparado com essa ideia de organização financeira.
Você não precisa começar o ano no sufoco para pagar IPTU, IPVA, seguro do carro, matrícula e material escolar dos filhos, viagem de férias, e anuidade do órgão de classe. Bastar provisionar cerca de 8,33% do valor dessas despesas a cada mês, que no ano seguinte você terá o dinheiro não só para pagar à vista, mas também para pagar à vista com desconto, tornando o mês de janeiro um mês como outro qualquer no que tange às despesas.
Já abordamos isso em outros artigos mais antigos do blog:
- Como começar o ano de 2018 no azul. 😉;
- Faça as despesas anuais (IPVA, IPTU, anuidades de órgão de classe etc.) entrarem no planejamento mensal… e se livre do sufoco do começo de ano!;
- Os 4 princípios do sistema de controle do orçamento doméstico do YNAB
A ideia aqui é que essas provisões mensais façam parte do seu pacote ampliado de proteção financeira. E por quê isso?
Simples: porque a utilização dessas provisões mensais faz você deixar absolutamente intocada a reserva de emergências.
Observe que a reserva de emergências é, por definição, um reservatório de dinheiro destinado exatamente para cobrir isso: urgências. Se você já sabe de antemão que existirão despesas obrigatórias recorrentes que precisarão ser quitadas todo ano, não utilize a reserva de emergências, mas sim a reserva técnica constituída pelas provisões mensais.
Mas aí você se perguntaria: “isso não seria tornar muito complexa a organização do orçamento doméstico? Ter uma reserva para isso, outra reserva para aquilo etc.? Isso não fracionaria muito meus investimentos?
A resposta é não, porque esse tipo de organização tem por objetivo dar a melhor destinação possível para cada real empregado por você. Além disso, essas provisões diferentes para finalidades diferentes têm o poder de melhorar e otimizar a rentabilidade de seus investimentos.
Por exemplo, o dinheiro das provisões mensais (digamos, o dinheiro reservado para pagamento do IPTU) pode ser investido numa LCI com carência de 9 meses se o aporte for em março, numa LCI de 6 meses se o aporte for em junho, e numa LCI de 3 meses se o aporte for em setembro, mas jamais poderá ser investido em qualquer LCI se o objetivo for armazená-lo numa reserva de emergências, pois essa pressupõe, por definição, investimentos com liquidez imediata, e a LCI só tem liquidez (quando tem) em D+90, ou seja, na melhor das hipóteses, 90 dias depois do aporte.
Logo, para despesas programadas, com data certa para ocorrer, você pode utilizar investimentos que possam ter maior retorno; ao passo que para despesas incertas e que podem ocorrer tanto hoje quando daqui a vários meses, a melhor opção ainda é um investimento de baixo grau de risco e alta liquidez.
Nesse sentido, pode-se mesmo afirmar que, ao ampliar seu pacote de proteção financeira, você maximiza os retornos de cada real empregado (investido), ao mesmo tempo em que, obviamente, melhora sua segurança financeira em todos os graus.
Nivelamento de despesas mensais
Ampliar a proteção financeira não significa apenas evitar dívidas (usando dinheiro da reserva de emergências), ou gastar menos dinheiro com um serviço que poupa dinheiro (contratando, por exemplo, o seguro de carro), mas significa também tornar o orçamento doméstico mensal mais controlado.
Como? Realocando gastos de dinheiro entre categorias distintas quando as provisões geram “sobras”.
Explicando com um exemplo prático: suponha que você reserve, desde janeiro, R$ 400 mensais para a revisão anual do carro que vai ocorrer em novembro, na expectativa de que essa revisão vá lhe custar R$ 4 mil. Esse dinheiro vai sendo depositado mensalmente num CDB pós-fixado a 100% do CDI, ou entre diversas LCIs/LCAs com prazo de resgate programado para acontecer em novembro.
Aí chega novembro, você vai na concessionária, orça a revisão, e ela acaba saindo por R$ 3 mil. O que você vai fazer com os mil reais de sobra? Gastar à toa?
Não! Você pode perfeitamente realocar esse dinheiro para cobrir uma despesa imprevista, ocorrida nesse mês de novembro, sem a necessidade de usar a reserva de emergências e – o que é melhor – sem aumentar seus gastos do mês de novembro, pois eles já foram devidamente contabilizados nos meses anteriores.
Se você usar esses mil reais para bancar despesas com uma TV nova que precisou substituir a antiga, ou um serviço de reparo em sua casa, você não vai ter mil reais a mais de despesa nesse mês, pois esse valor saiu não do seu fluxo de receitas, mas sim de uma despesa (provisão para revisão anual do carro) que já foi devidamente contabilizada e gasta nos meses anteriores.
Se a meta de suas despesas mensais tiver um teto, por exemplo, de R$ 5 mil, a substituição da TV que quebrou não irá fazer seu orçamento daquele mês específico subir de R$ 5 mil para R$ 6 mil, pois os R$ 1 mil já foram “gastos” nos meses anteriores. Ele continuará sendo de R$ 5 mil. Na prática, então, não há desembolso de mais dinheiro, pois o “mais dinheiro” em questão já foi gasto nos meses anteriores. 😉
Essa possibilidade criada pelas provisões mensais não utilizadas lhe dá muita tranquilidade para enfrentar momentos em que haveria tensão, seja pela utilização da reserva de emergências, seja mesmo para fechar o mês no azul (com despesas menores que as receitas).
Conclusão
Um planejamento financeiro consistente não é apenas aquele que potencializa a rentabilidade de seus investimentos, mas também aquele que lhe dá o maior grau de tranquilidade possível quando o assunto é controle das despesas.
Não ter dívidas é apenas a ponta desse iceberg chamado orçamento doméstico, pois ele requer também uma minuciosa estratégia para prevenir você de dores de cabeça quando eventos imprevistos acontecem – e pode ter a certeza de que eles irão acontecer.
A criação e manutenção desses diversos itens que compõem o combo de proteção financeira não é tarefa das mais fáceis, pois requer disciplina no controle do orçamento doméstico, nos aportes para as despesas mensais de seguros e provisões, bem como na habilidade de manejar recursos financeiros de uma categoria de despesas para outra (caso haja sobras financeiras).
No entanto, esse é um pequeno preço que se paga para ter uma proteção financeira do mais alto nível. E, pelas inúmeras vantagens que oferece, explicitadas ao longo desse artigo, pode-se dizer que cada grão de esforço vale a pena. 😉
Ótimo post. Investir é para construir patrimônio e ter tranquilidade financeira.
Abraço e bons investimentos.
Valeu, DIL!
Muito bom o post! Parabéns!
Feliz 2019!
Obrigado, Fernando!
Ótimas lembranças Guilherme! O planejamento financeiro deve ser, de fato, visto de forma mais ampla, e não apenas como um mero controle de receitas/despesas (embora quem faça apenas isso já se encontra em um estágio muuuito superior à média da população…).
Do destaque à provisão mensal (ou periódica, como o exemplo dos vencimentos da LCIs), pois em geral, há dificuldades para incluir gastos previstos e não periodicamente mensais no orçamento anual. Acredito que seja um calcanhar de Aquiles nos planejamentos familiares.
Sobre seguros, destaco a frase ” é preciso avaliar individualmente, à luz das circunstâncias específicas e atuais, a necessidade de cada uma dessas proteções”.
Eu, em geral, não gosto de seguros, embora em certos casos, podem valer a pena. Porém, o ponto é que muitas pessoas fazem seguro sem pensar. Ou seja, não avaliam riscos, probabilidades de sinistro, relação prêmio/valor considerando eventuais franquias… Enfim, não tomam a decisão de forma racional.
Abraço e boas festas!
Obrigado, André!
De fato, o planejamento deve ser amplo, racional e customizado às necessidades de cada pessoa.
Abraços, e boas festas também!
Excelente post, aborda o planejamento financeiro de forma mais ampla. Gosto em especial da parte de ir fazendo mensalmente a provisão das despesas anuais recorrentes. Isso faz uma diferença enorme no equilibrio financeiro. No entanto, é um método bem pouco adotado. Uma pena.
Obrigado, Vania!
Realmente, a ideia das provisões é uma ótima maneira de cultivar o bom hábito de controlar as despesas em face das receitas.
Uma pena que essa seja uma ideia ainda pouco difundida entre a população em geral.
Abraços!
Apesar de já ser um poupador e ter metas claramente definidas na minha vida, sempre leio os posts daqui. Por mais óbvios que possam parecer sempre tiro alguma lição ou reforço meus fundamentos.
Tive a agradável surpresa, ao final dessa postagem, em ver que o texto fugiu daquela mesmisse que vemos por aí “gaste menos e junte mais” “não use cheque especial”, sendo importantíssimo para os que ainda não estão solidificados nas finanças.
Parabéns pelo blog. Excelente post, como de costume.
Um abraço e boas festas.
Nossa, Pride, muito legal ler essas palavras!
Eu procuro sempre trazer um diferencial, um conteúdo que fuja da mesmice, com o objetivo de adicionar valor e novas ideias para os leitores.
Muito grato pelas suas palavras!
Abraços e boas festas também!
Ficar acompanhando anualmente evolução de patrimônio?
Só vai te levar a ferro, principalmente se você também investir em renda variável.
Pode levar você a girar patrimônio, que é a pior coisa que você pode fazer.
Muito cuidado com isso!
O foco tem que ser em trabalho, aumentar a renda, poupar, investir em ativos de valor e muita diversificação.
Acompanhar rentabilidade passada só leva a decisões equivocadas!
Ótimo artigo
Obrigado!!!
Lembrei daquele série do Radical Personal Finance que você havia recomendado (“You Don’t Have to Be Smart to Become Financially Independent…”). Mais especificamente, daquele episódio em que o Joshua fala sobre a importância de se evitar catástrofes.
Como comentei na ocasião, em muitos sentidos isso era – e ainda é – um ponto cego pra mim. O que faz de um texto como esse um alerta mais que bem-vindo. Novamente, muito obrigado.
Eu quem agradeço, Henrí.
Trazer conteúdo estrangeiro ao blog pode proporcionar uma ampliação de horizontes, no sentido de que passamos a ver certas coisas “com outros olhos”.
No caso específico de se evitar catástrofes, para o americano que more numa região mais sujeita a esses tipos de eventos, faz todo o sentido. Para nós, nem tanto, mas mesmo assim a recomendação é oportuna, pois nos faz pensar de modo mais profundo a respeito da reserva de emergências e todo o sistema de proteção a ele ligado.