Tem sido cada vez mais comum, nos últimos tempos, a saída dos investidores do conforto da renda fixa para o campo da renda variável.
Também, pudera: com uma taxa SELIC em níveis históricos mínimos – 6,75% a.a. – o investidor percebeu, se o objetivo é acelerar seu ganho de patrimônio, que não dá pra ficar pra sempre na zona de conforto da renda fixa. Se quiser obter melhores retornos sobre seus investimentos, é preciso abrir mão do conservadorismo, e ir em busca de opções mais rentáveis, ainda que isso implique em correr maiores riscos.
E é aqui que justamente mora o perigo: o foco excessivo – ou exclusivo – na rentabilidade.
O estudo sobre “onde investir seu dinheiro” deve levar em conta não somente a rentabilidade, seja ela a rentabilidade passada (por exemplo, de fundos de investimentos ou de ações), seja ela a promessa de rentabilidade futura (por exemplo, de CDBs pós-fixados ao DI ou de títulos prefixados do Tesouro Direto).
Estudar investimentos é algo mais complexo, que exige o estudo sobre outras variáveis tão ou mais importantes, que são os riscos assumidos, os custos envolvidos, e o tempo programado para as aplicações, além da autoanálise que o investidor deve fazer sobre o seu comportamento. E por quê essas são variáveis mais importantes?
Simples: porque esses são os elementos dos investimentos que o investidor pode controlar. Pode exercer um controle, ainda que mínimo, e, assim, melhorar a relação risco/retorno de suas aplicações financeiras.
Porém, não é isso que vemos no dia a dia. O que vemos no dia a dia é o oposto disso: investidores buscando e escolhendo as aplicações financeiras unicamente em função da rentabilidade passada que obtiveram. Se a ação XYZ ou o fundo ABC rendeu 800% nos últimos 3 anos, o investidor vai lá e faz uma compra nessa ação ou um aporte nesse fundo. O ganho extraordinário passado mexe com o emocional do investidor, que, lógico, se esquece de avaliar outras variáveis bem mais importantes: essa rentabilidade passada tem fundamento? Há bases fundamentais que justificam essa valorização? Sob uma perspectiva futura, há chances de esses ganhos fabulosos continuarem existindo?
O resultado dessa compra por motivos errados você já sabe: basta uma volatilidade mais forte no mercado, para os investidores rapidamente fazerem justo o que não devem: vender ativos quando eles estão caindo, porque não suportam o risco; ou vender os ativos rápido demais, sem deixar o fator “tempo” fazer o trabalho dele; ou, ainda, vender os ativos pagando penalidades tributárias muito altas, porque não se atentaram para as alíquotas de imposto de renda incidentes sobre os investimentos (o exemplo clássico, nesse último caso, é o resgate do PGBL dentro de um prazo muito curto).
Há uma figura que expressa bem a mensagem central do texto de hoje:
Créditos: blog Inva Capital
Pelo efeito da mera exposição, já comentado no blog em outros tempos (post aqui), somos conduzidos a escolher um ativo em função de sua rentabilidade passada.
Chovem na mídia especializada manchetes de cunho sensacionalista, tais como: “conheça a ação que valorizou 1.000% nos últimos 3 anos”, “conheça o fundo de ações que rendeu 528% nos últimos 12 meses”, “conheça o fundo tal que rendeu 1.000% do CDI em apenas 30 dias”, “conheça a criptomoeda que valorizou 2.000% em 15 dias” e assim por diante. Ou seja, o que a mídia faz?
A mídia foca exclusivamente nos retornos, porque é justamente isso que chama a atenção do investidor, fisgando-o emocionalmente através das garras sedutoras da ganância, do apelo sentimental, que funciona quase como um convite ao investidor, de ele também fazer parte daqueles que aplicam nesses ativos com rentabilidades passadas extraordinárias.
Contudo, não só de rentabilidade passada vive um investimento, e você jamais deve investir em um ativo baseado exclusivamente nos ganhos passados, pois o que realmente conta para o seu dinheiro é o futuro. O passado já morreu, e pode ser que ele não se repita daqui pra frente.
Diante disso, torna-se de fundamental importância você fazer uma análise mais global e complexa dos ativos a escolher. Será que você suporta a volatilidade desses investimentos com retornos passados mirabolantes? Se ele subiu muito no passado, ele também pode cair muito no futuro.
Quanto aos custos dos investimentos, verifique quais são as taxas de administração e performance cobradas. Verifique, ainda, se há taxas de saída antecipadas, e qual o regime tributário aplicável ao investimento em questão. Analise também os efeitos da inflação sobre o período da rentabilidade passada, afinal de contas, de nada adiante um ativo ter tido um retorno de 15% num ano em que a inflação foi de 13%.
No que tange ao tempo, se você se diz investidor a longo prazo de um ativo qualquer, qual é a utilidade prática de ficar monitorando a cota ou o preço dele… diariamente?
Que diferença vai fazer, para a sua carteira, para seus objetivos não financeiros de longo prazo, se, numa determinada semana do ano, ele caiu 1%, se você pretende ficar com a aplicação por 3 anos?
Recentemente, o IBovespa teve uma semana ruim no começo desse mês de fevereiro, onde as perdas, numa dada semana, ficaram ao redor de 3,7%, o que teria sido a pior semana desde a semana do 18 de maio de 2017.
A pergunta é: que raios de diferença vai fazer para seus investimentos se a Bolsa cair 3% numa semana qualquer de 2018, se você pretende resgatar seu investimento somente em dezembro de 2021, ou em maio de 2030?
Não existe contradição maior no fato de um investidor se dizer de longo prazo, dizer que aplicou num fundo de ações com vistas a aposentadoria, e se borrar de medo com uma queda semanal de 3% em seus ativos, e sair perguntando em fóruns e grupos de discussão se não seria o caso de vender o ativo em questão, sob o argumento de que “está performando mal no curto prazo”.
Ora, performances ruins de curto prazo, em ativos de renda variável, sempre existirão. Pior: muitas dessas performances ruins não terão uma explicação clara, mas, mesmo assim, buscamos um conforto cognitivo para as quedas de curto prazo: a Reforma da Previdência não passou; a inflação nos EUA aumentou; a nota de crédito do Brasil foi rebaixada… Temos uma verdadeira sede por buscas de explicações racionais para todos os acontecimentos da Bolsa, sendo que, em muitos casos, não há muito o que buscar, simplesmente porque o mercado age, muitas vezes, de forma completamente irracional, e sem explicações aparentes. Por exemplo, semana passada, o Ibovespa atingiu novo topo histórico, cravando 87.293 pontos. Não há muitas explicações racionais para isso: como acertadamente disse meu amigo Finanças Inteligentes, o Brasil aparenta seguir simplesmente o fluxo dos demais mercados mundiais.
Conclusão
Nunca escolha um investimento exclusivamente em função do retorno passado que ele proporcionou, porque essa é um elemento do investimento que você nunca será capaz de controlar.
Ao invés disso, ao estudar um ativo qualquer, avalie-o em função de outros critérios – intrínsecos ou extrínsecos ao ativo – que você pode controlar. Esses critérios basicamente se concentram no grau de risco assumido, nos custos envolvidos, no horizonte de tempo que você planeja investir, e no seu comportamento frente aos humores do mercado.
A análise do retorno passado, por outro lado, é sim, importante, na medida em que permite avaliar os fundamentos por trás dos retornos: se estes foram positivos, é porque existe uma causa que os provocou (lucros da empresa, administração do gestor etc.). Porém, não se deve superdimensionar esse critério, pois a rentabilidade passada pode ter sido causada por ação de especuladores, apostas arriscadas do gestor do ativo em determinados cenários econômicos etc.
Em vez de focar somente no retorno, construa uma carteira de ativos tendo em vista, além do retorno, critérios como grau de tolerância ao risco que você suporta, custos, e horizonte de tempo para as aplicações financeiras.
Faça seu dever de casa: estude continuamente os investimentos disponíveis no mercado, pesquise, monitore e acompanhe a evolução de sua carteira, e, principalmente, observe seu próprio comportamento nos momentos de alta e de baixa do mercado, quando as tentações de comprar (na alta) e de vender (na baixa) se mostram ainda mais fortes.
Lembre-se, acima de tudo, que os investimentos são apenas meios, ferramentas, instrumentos, pontes para a realização de sonhos, de metas não financeiras, e que você pode obter um objetivo não financeiro ainda que abra mão de uma rentabilidade maior, por meio de uma diversificação inteligente de seus investimentos, que contemple posições em diferentes mercados e classes de ativos, distribuídos de forma a dosar bem o controle do risco.
O que mais importa, no final das contas, não é a rentabilidade do investimento (embora seja um fator importantíssimo), mas sim se você conquistou sua meta não financeira por meio dele. 😉
Bons estudos, e bons investimentos!
Excelente post, é preciso ter visão de longo prazo!
Obrigado, DIL!
Parece óbvio falar sobre esse assunto mas pode acreditar, esse erro, chamado de efeito retrovisor, é bastante cometido por investidores até qualificados. Belo post.
Obrigado, Flávio! Gostei do nome: “efeito retrovisor”. Espelha bem o que a maioria ainda faz.
Perfeito Guilherme!
No inicio, acredito que o que mais o pequeno investidor deve se atentar é o behavior (comportamento).
Sem se esquecer claro dos riscos, custos.
ETFs surgem como uma ótima opção para isso não?
Abraço!
O ativo não importa muito, o que mais importa é definir uma estratégia e segui-la, sabendo porque entrou e porque vai sair (bem antes de sair).
E claro, conhecendo as opções existentes.
Obrigado, II!
Complementando o que o Sandro disse, de maneira ótima (estratégia), os ETFs, dentro do contexto citado por vc, surgem como uma opção viável para controle efetivo dos custos, sim.
Abraços!
Guilherme,
Muitas vezes o foco na rentabilidade desvia a atenção da importância dos aportes mensais.
“Chovem na mídia especializada manchetes de cunho sensacionalista.”
Há alguns anos isso não era tão comum, mas agora até em portais maiores há anúncios desse tipo cada vez mais frequentes. Por isso é muito importante a prática da ignorância seletiva, senão, emocionalmente, tais anúncios poderão nos levar a grandes erros de querer ganhar muito em pouco tempo, mas obtendo como resultado exatamente o oposto.
Boa semana!
Obrigado, Rosana!
Você abordou uma questão muito interessante, que é a ignorância seletiva.
Nesse mundo de excessos de informação, ele é cada vez mais essencial para manter nossas mentes sadias e equilibradas.
Boa semana também!
“Fisgando-o emocionalmente através das garras sedutoras da ganância, do apelo sentimental, que funciona quase como um convite ao investidor, de ele também fazer parte daqueles que aplicam nesses ativos com rentabilidades passadas extraordinárias.”
O que tem de gente pronta pra ser seduzida pela ganância aqui! É incrível como temos uma sociedade programada para ser fisgada pelo conto do vigário. A mesma lógica acontece com produtos e serviços. Principalmente produtos digitais ou infoprodutos. Ofertas como “Monte uma loja online gastando 1 real por dia e seja dono do seu negócio. ” são muito comuns. Não há almoço grátis!
Tem total razão, André. O conto do vigário migrou para a Internet, mas o ser humano, ah, o ser humano, continua o mesmo dos tempos de outrora… rsrs
Boa, Guilherme!
As pessoas se preocupam com 0,00001% de rendimento a mais e não focam em aportar mais, estudar, curtir a vida.
Pura verdade, Marcelo!
Perfeito, Guilherme! O foco é longo prazo e aportes consistentes, como os colegas falaram acima.
Você entrou mais no mercado de renda variável, mas e aquelas pessoas com uma neurose de tirar um investimento com 104% CDI para entrar em outro com 110% sobre uma base baixíssima? O que falar ainda quando vemos que os valores que retiram de um banco para outro são montantes baixos, e toda esse tempo gasto vai acabar rendendo alguns centavos por mês a mais? Loucura, não?
Mas a melhor frase foi esse: “Temos uma verdadeira sede por buscas de explicações racionais para todos os acontecimentos da Bolsa”. Amigo, eu acompanho às vezes esses analistas de fechamento de pregão, e eles sempre tentam racionalizar porque a bolsa caiu ou subiu. É hilário!
“A bolsa subiu porque os investidores estão acreditando nas reformas”
“A bolsa caiu porque os investidores estão receosos com a manutenção do crescimento da China”
Poxa, sempre tem alguém do outro lado fazendo ao operação inversa, não? Ou seja, essas frases explicam metade do lado. Para a outra metade, a frase deveria ser invertida rsrs
Abraço!
Ou, ainda:
– ” A bolsa caiu …. porque os investidores decidiram realizar os ganhos.”
Como se os analistas soubessem o preço de aquisiçao da açao dos investidores…..
E eh claro, **todos** os investidores tiveram tais ganhos; ninguem estava no lado oposto do trade…. LOL
rsrs…. bem lembrado, Michael!
rsrsrsrs…. perfeita sua análise, André!
E realmente, tinha me esquecido da turma da Renda Fixa, que faz essas trocas mirabolantes citadas por vc, para no final terem um ganho marginal praticamente inexistente.
Abraços!
Muito bom. Olhar com a lente de longo prazo, sempre.
Valeu, Vânia!
Um texto inspirado Guilherme!
Interessante notar que o proprio Morningstar, empresa multinacional que ganha sua grana atraves das suas analises minuciosas, confessou o seguinte no site deles nos EUA:
Que para um fundo dentro de uma determinada classe de risco de ativos, com gestao passiva ou ativa, o desempenho futuro depende do CUSTO relativo dele mais do que qualquer outro fator….
Abraço!
Obrigado, Michael!
Muito enriquecedora essa sua observação sobre a MorningStar!
Abraços!
Essas propagandas são perigosas. A CVM chegou a punir algumas empresas que exageram na promessa. Resultados passados não são garantia de nada, nada mesmo.
Tem razão, Armando. E muitas dessas propagandas não passam de clickbait.
A escolha de bons ativos é sempre algo muito complicado.
Verdade, Felipe.
Parabéns, excelente texto.
Uma gota de lucidez para um mar de desinformação disponível por aí.
Abs.,
Obrigado, Bruno!
Muito claro e objetivo
Parabéns pela clareza e concisão
Gostei, direto ao assunto