“Cash is the king.”
Semana passada, ao discorrermos sobre a regra dos 30 dias como estratégia para economizar dinheiro, o leitor SwineOne teceu comentários bastante inteligentes sobre a seguinte questão: e quando houver uma boa oportunidade de economizar dinheiro através de uma promoção, mas que não dê para esperar 30 dias? O que fazer?
Seguem as reflexões dele:
“Excelente dica. Nunca havia verbalizado a ideia, mas sigo algo parecido, especialmente com meus gastos maiores.
Além da exceção exemplificada no texto (a respeito de um objeto que tenha quebrado), vejo mais uma exceção em potencial, mas um pouco menos “preto no branco”: quando você vê uma excelente promoção, se acompanha por exemplo no fórum da HardMOB ou no Gatry, e o problema é que raramente o valor promocional permanecerá aquele por 30 dias.
Claro, existe um forte risco de que você compre algo por impulso nesse caso, e pior ainda, às vezes nem é uma promoção tão boa, mas você pensa que, meramente por estar em um desses sites, deve ser uma boa promoção, vai lá e compra. No outro extremo, às vezes você quer algo, mas não está disposto a pagar o preço normal, e fica monitorando promoções até chegar num preço que você julga bom.
Tenho um exemplo que seria um meio termo, mas mesmo assim acredito que fiz uma boa compra. Sei que preciso dar presentes de Natal para as pessoas mais próximas, e acabo sempre ficando em dúvida do que dar. Periodicamente acesso um site de promoções, e desta vez vi uma batedeira planetária no valor de R$ 158. Tenho um modelo parecido (até menos moderno do que a batedeira em questão), e sei que o valor dela era cerca de R$ 500 há 6 anos atrás, pois coloquei esse produto na minha lista de casamento na época. Então, sabia que o produto estava num preço excelente, e sabia que seria útil para a pessoa que pensei em dar o produto. Superficialmente, o que eu fiz parece uma compra por impulso; porém, vejo que na verdade fiz uma excelente compra e tenho certeza que não vou me arrepender.
Outro exemplo similar seria na compra de passagens aéreas em promoção, ou quando temos boas promoções de vendas de milhas.
Talvez uma boa forma de reconciliar este conflito (tempo para pensar vs. tempo de validade da promoção) é a seguinte, e vou ilustrar com o exemplo das passagens aéreas. Primeiro, decida que você quer mesmo viajar. Decida uma época, a duração aproximada da viagem, os destinos possíveis etc. Consulte no seu local de trabalho se poderá tirar férias nessa época, e por um prazo consistente com a duração da viagem. Faça um orçamento aproximado de gastos da viagem e veja se você terá como bancá-la. Inclusive, pesquise valores que já foram ofertados para viagens nos trechos escolhidos, no período escolhido, para ter noção do que é uma boa promoção e o que não é.
Enfim, só de ter toda esta trabalheira, você se certifica se quer mesmo viajar ou não — se não estiver com tanta vontade assim, não vai encarar esse trabalho todo. A partir desse momento, quando você se deparar com uma boa promoção, poderá comprá-la na hora (até porque se demorar pode perder a promoção), sem medo de errar ou de estar fazendo uma compra por impulso. Veja que isso mais ou menos se encaixa no exemplo que dei acima: sabia que queria comprar um presente para o Natal, tenho noção dos valores que posso gastar, conhecia o valor do produto que comprei, então quando surgiu uma promoção, não hesitei em comprar”.
Sabe aquela história de uma “uma coisa puxa a outra?” 🙂
Pois bem, ao ler as reflexões do Swine, imediatamente me veio à mente um aspecto que é essencial em qualquer planejamento financeiro orientado à construção de uma vida “bem vivida”: ter dinheiro em caixa, para aproveitar as oportunidades.
E por “vida bem vivida” leia-se não apenas aproveitar as promoções de compra de passivos por um preço atraente, como bem pontuado pelo Swine, mas também aproveitar as oportunidades que se revelam na compra de ativos, o que só virá a ocorrer se você também tiver dinheiro em caixa no momento em que surgir a oportunidade.
Os cuidados com a liquidez nos investimentos
Em artigo publicado sete anos atrás, nós abordamos os diferentes graus de liquidez que diversos investimentos costumam apresentar, tais como poupança, CDBs, Tesouro Direto, fundos de ações, ações, previdência privada etc.
Fizemos uma abordagem original, ao incluir o salário como fonte de investimentos de alta liquidez:
“Embora não possa ser considerado propriamente um “ativo”, a sua remuneração é o seu bem mais líquido, uma vez que ele vem, via de regra, 100% em cash. Nos primeiros anos de seu plano de investimentos, ele será a maior fonte de alimentação, de energia, de seu plano, porque é com ele que você investirá em ações, guardará na poupança, fará compra de títulos públicos no Tesouro Direto etc.
O problema, em relação ao salário, é que muitas pessoas simplesmente prejudicam aquilo que é a maior fonte de liquidez de seus investimentos. Como? Endividando-se. Fazendo a maior parte de suas compras a prazo, financiando, em dezenas de prestações, automóveis e outros bens de consumo durável, tomando empréstimos consignados etc. Cada prestação que aparece na fatura de seu cartão de crédito como “Parcela 5/12” é um item que prejudicará o seu plano de construção de riqueza, pois diminui o grau de liquidez de seu salário para planos de investimentos”.
Em suma: para aproveitar qualquer oportunidade de compra, seja no mercado financeiro, seja no mercado de consumo, é essencial que você tenha dinheiro em caixa.
E, para ter dinheiro em caixa, é necessário que pelo menos parcela de seus investimentos esteja alocada em aplicações financeiras que possam ser resgatadas em prazos curtos, de preferência, em D+0 ou D+1.
Diante desse cenário, parece mais que conveniente que esse dinheiro para aproveitar as oportunidades esteja mesmo alocado na boa e velha reserva de emergências.
Ou seja, a mesma reserva que serve para lhe dar proteção e segurança, em momentos de crise, pode ser a mesma a ser utilizada para aproveitar oportunidades que surgem para maximizar a utilidade de seu dinheiro, diante das promoções, ou a aumentar a rentabilidade de seu dinheiro, diante de momentos de extrema volatilidade dos mercados financeiros, em que os preços dos ativos costuma apresentar distorções exageradas.
O exemplo do dia 18 de maio de 2017
O que aconteceu no fatídico dia 18 de maio de 2017, quando a Bolsa apresentou o primeiro circuit breaker da década, chegando a cair mais de 10% em questão de minutos, retrata bem a importância de estar, como diz o título do tópico, “líquido para as oportunidades”.
Nesse dia, quem tinha dinheiro disponível para compras conseguiu aproveitar ótimas oportunidades de entrada em muitos diferentes ativos, com ações individuais chegando a cair mais de 10%, 20%, 30% ou até 40% num único dia.
Além das oportunidades na Bolsa de Valores, houve também histeria no mercado de títulos públicos, com vários títulos do Tesouro Direto caindo de 10% a 20%, abrindo excelentes oportunidades de compras.
Porém, para aproveitar todas essas oportunidades, era preciso que você pudesse converter outros ativos financeiros em dinheiro num prazo extremamente curto.
Note que mesmo aqueles que tinham títulos no Tesouro Direto, como no Tesouro SELIC, não conseguiram aproveitar essa oportunidade, pois a liquidez no Tesouro costuma se dar em D+1.
Quem tinha dinheiro alocado em fundos de investimentos mantidos em corretoras de valores também dificilmente teve tempo hábil de aproveitar a bonança desse dia, uma vez que os pedidos de resgate costumam ser processados depois das 13h, com o dinheiro caindo na conta da corretora provavelmente no final desse dia, ou no dia seguinte.
Nessas horas, a melhor estratégia é aquela de manter dinheiro alocado em investimentos com resgate em D+0 em bancos, pois a solicitação de resgate costuma ser instantânea, com o dinheiro sendo depositado em conta-corrente bancária imediatamente, conferindo tempo hábil para ser transferido para a corretora, via TED.
E que investimentos são esses?
São os mais conservadores e tradicionais possíveis: caderneta de poupança, CDBs com liquidez diária pós-fixados ao DI, fundos referenciados DI e alguns fundos de renda fixa. Todos eles, desde que custodiados em bancos, e não em corretoras, costumam ter seus pedidos de resgates processados instantaneamente, com liquidez imediata.
Tais investimentos são também, em contrapartida, os que costumam ter os piores rendimentos, justamente por apresentarem alto ou altíssimo grau de liquidez.
Mas os prós acabam pesando mais que os contras, pois a reserva de emergências serve justamente para servir de proteção, onde a segurança prevalece sobre eventual rentabilidade menor.
Conclusão
No artigo 5 razões para ter uma boa reserva em renda fixa, ao discorrer sobre a qualidade da liquidez do colchão de segurança, eu escrevi:
“Essa é uma outra característica intrínseca do colchão de segurança, já que esse deve ser de fácil resgate. Mas liquidez pra quê? Para aproveitar oportunidades. Essa é uma função geralmente negligenciada do colchão de segurança, que é visto mais como uma reserva para evitar acontecimentos negativos, quando, na verdade, o colchão também tem a sua excelente função de produzir acontecimentos positivos. E é aqui que entra a função de enriquecer do colchão de segurança (quem diria!), mas enriquecer não só no aspecto de comprar ações (essa você já deve ter sacado enquanto lia esse parágrafo), mas também no aspecto de aproveitar as liquidações, pechinchas e bons negócios no ramos da compra de passivos!
Carros, pacotes turísticos, eletrodomésticos, gadgets, roupas…: nunca se sabe quando haverá uma oportunidade ímpar de aquisição de um passivo, ainda mais um passivo que você goste e invista sua grana. Vai que ela surja amanhã? E aí, você terá dinheiro para bancar o sonho de consumo sem se endividar? É para isso que serve a boa reserva em renda fixa”.
Em resumo, estar líquido para as oportunidades é basicamente estar bem posicionado na reserva de emergências. Significa ter dinheiro na mão quando surgir um “negócio da China”, que não pode esperar o dia seguinte.
Embora a sua parcela de renda fixa não deva, por questões óbvias (ainda mais numa época de SELIC a um dígito) estar totalmente concentrada em ativos com grau de liquidez D+0, é de substancial importância que uma boa parte dela esteja, sim, guardada em investimentos com liquidez imediata.
Quem aproveitou liquidações na Bolsa de Valores como as que aconteceram em 18 de maio desse ano certamente não tem o que reclamar: ou ganharam muito dinheiro, realizando o lucro dias ou semanas após, ou estão ganhando muito dinheiro, se resolveram manter as posições compradas desde então.
Além do dinheiro na mão, você precisa também, por óbvio, vencer o medo e outras barreiras psicológicas que lhe impeçam de agir no “olho do furacão”, pois tão difícil quanto estar líquido para as oportunidades é vencer o medo da inércia.
O futuro é imprevisível, e não saberemos quando ocorrerá o próximo circuit breaker na Bolsa. Pode ser daqui a uma semana, ou pode ser daqui a 10 anos.
Não sabemos quando ocorrerá a próxima histeria no Tesouro Direto, com o Tesouro IPCA pagando inflação + 7,82% a.a. Pode ser amanhã, ou pode ser daqui a 5 anos.
Se, e quando, tais eventos ocorrerem, é de fundamental importância que você esteja preparado de fato para aproveitar a oportunidade.
Afinal, a sorte favorece os audazes – em latim, audaces fortuna juviat. 🙂
Guilherme,
Seu post foi muito útil para mim, pois apesar de ter CDB com liquidez diária em um grande banco, não havia pensado na possibilidade de verificar a existência de possibilidades melhores por considerar esse um investimento adequado.
Mas adequado não é o melhor ou o mais ideal, certo?
Recentemente comecei a investir o que eu havia guardado na poupança antiga para produtos melhores, já que a oportunidade de ser um bom investimento futuramente não se concretizou durante esses 5 anos.
E agora, seu post me fez ver que há mais desafios nesse sentido, que o comodismo ou a falta de tempo, digo prioridades, acabam nos atrapalhando e prejudicando a rentabilidade que poderíamos obter.
Vivendo e aprendendo, não é?
“Audaces fortuna juviat.”
Gostei por ter terminado o post com essa frase em latim! 🙂
Boa semana,
Rosana, como comentei abaixo, existem bons CDBs com liquidez diária, com até 104% do CDI. Riscos são baixíssimos, e se a ideia não é deixar grandes quantias para isso, vale a pena. Eu pago todas minhas contas mensais através dessa fonte. A maior parte das aplicações em RF, fica, entretanto, em outros ativos.
Abraço!
Sem dúvida, os bancos de médio e pequeno porte que oferecem CDBs pós-fixados ao DI com liquidez diária são boas alternativas de investimentos, desde que respeitadas as premissas da boa diversificação, e de um estudo prévio da saúde do banco.
Cito também o Pine, que oferece CDB pós diária com 103,5% do CDI.
Abraços!
Guilheme,
Interessante essa taxa de 103,5%. 🙂
Sobre o que você disse, lembrei-me de uma frase do Albert Einstein:
A mente que se abre a uma nova ideia, jamais voltará ao seu tamanho original.
Abraços,
Excelente frase, Rosana!
Albert Einstein é uma dessas figuras que deixaram marcas indeléveis para o progresso da espécie humana. Sempre bom rememorar as palavras dele.
Abraços!
André,
Agradeço pela dica, vou ver como estão as taxas desse tipo de CDB no Inter.
Abraços,
Oi Rosana, verdade, uma das coisas boas do aprendizado contínuo é que ele sempre gera expansão das reflexões, fazendo-nos refletir sobre pontos antes não debatidos.
Como o André disse, existem CDBs com ótima rentabilidade, liquidez diária, resgate imediato, que proporcionam retornos melhores, para o mesmo nível de risco, praticamente, da poupança.
Abraços!
Guilherme,
Posso estar enganado, mas nos exemplos específicos que você deu para justificar colocar o dinheiro em fundos de banco, acredito que não haja necessidade. A liquidação das ordem de compra em bolsa e Tesouro Direto não se dá no mesmo dia, que eu me lembre. Desde que você comande um resgate de valor igual ou maior que a compra que você fez, os prazos de liquidação e de compra serão iguais. No caso de fundos em corretoras, estarão na sua conta corrente da corretora até antes. É basicamente o princípio que o pessoal usa pra fazer day trade (não que eu defenda essa prática, pelo contrário).
Swine, no caso de compra de ações, ainda que a liquidez ocorra em D3, você precisa ter o dinheiro na conta, no ato da execução da ordem, senão a operação é bloqueada, e cancelada em seguida.
No caso do Tesouro Direto, embora a liquidação ocorra no dia seguinte, você precisa ter o dinheiro disponível no ato da liquidação, sob pena de bloqueio da própria conta.
Logo, em ambas as situações, a melhor maneira de se garantir para não perder a oportunidade é ter o dinheiro antes da execução da ordem, e não depois, antes que esse “depois” seja antes da liquidação propriamente dita. 😉
Excelente post. Enviei a alguns colegas que não entendem a reserva de emergência em poupança num bancão justamente com este viés…
Oi Max, obrigado!
Pois é, todo investimento tem sua utilidade, e valor específico. 🙂
Grato por compartilhar com seu círculo de contatos!
É Guilherme, para muitos leitores pode ser um conhecimento básico, mas já vi blogueiro da Finansfera por aí utilizando cheque especial para aproveitar “oportunidades”… Ou seja, nunca é demais explicar o beabá…
Em minha alocação de ativos, sempre deixo uma parcela razoável em renda fixa (de 30 a 60% históricos, dependendo da situação) e assim, consigo ter um fluxo bom para gastos imediatos. Eles se dividem em CDBs de liquidez diária (e o rendimento não é pouco não, 104% CDI rs), NTNBs já com excelente lucro abaixo da alíquota de 15% e algumas LTNs na mesma situação.
Abraço e boa semana!
Realmente, André, o basicão é necessário a fim de mostrar que é muito melhor operar com o dinheiro próprio, do que com dinheiro alheio.
Sua estratégia de alocação de ativos está perfeita, para esses propósitos, uma vez que está duplamente bem fundamentada: ativos de alta liquidez, e com baixa tributação. Aliás, esse CDB está com rentabilidade digna de um investimento sem liquidez….rsrsrs
Abraços, e boa semana também!
Gosto muito desse conceito, de usar a reserva de emergencia tbem para aproveitar oportunidades, tanto de investimentos como de compras bem pensadas.
Pessoalmente, não gosto de ter um recurso financeiro que só usarei caso me aconteça alguma coisa ruim. Gosto de saber que poderei usar tbem para coisas boas (repondo o mais rapidamente possivel, é claro).
Verdade, Vânia, essa função positiva da reserva de emergências quase sempre é negligenciada nos manuais de finanças pessoais.
Temos que ver as coisas pelo lado positivo, também!
Abraços.
Primeiro passo é acabar com as dividas
Quando se investe em Ações deve se ter sempre um dinheiro com liquidez diaria para aproveitar as oportunidades de comprar a preços baixos boas ações
Abraço e bons investimentos
Exato, e na Bolsa, isso é mais verdadeiro ainda, haja vista que as oportunidades surgem e vão embora muito rapidamente, em boa parte dos casos.
Excelente post Guilherme! Ao ter uma reserva, no dia do circuit breaker consegui pegar umas “promoções”.
E agora acho um bom momento para ampliar as reservas. Ano que vem promete rs
Abraços
Obrigado, II!
De fato, ampliar as reservas líquidas é uma boa pedida pro ano de 2018…..rsrsrs
Abraços!