Nos últimos tempos, o blog vem recebendo uma grande quantidade de dúvidas e perguntas sobre temas que, até bem pouco tempo atrás, não eram tão usuais entre os leitores do site. Perguntas sobre como sair das dívidas, como sanear as finanças, o que fazer quando se perde o emprego, e como economizar mais dinheiro quando se sofre uma redução de renda, passaram a ser frequentes nesse site e, por consequência, começamos a explorar com mais profundidade tais temas, publicando artigos que vão desde como quitar pendências financeiras até como fazer os bens materiais durarem mais.
Não é segredo para ninguém que hoje vivemos uma grave crise econômica em nosso país, sem dúvida a pior da história brasileira, e, diante disso, muitas pessoas têm se deparado com uma ou mais das três seguintes situações:
- Perda do emprego. É o pior pesadelo financeiro que alguém pode sofrer. Afinal, sem uma renda mensal ganha como produto do trabalho, problemas de várias ordens podem ocorrer, como angústia psicológica, estresse, conflitos familiares etc.
- Redução do salário. Muitas pessoas atualmente estão sendo obrigadas, a fim de conservarem seus empregos, a aceitarem uma redução do salário, que pode vir de forma direta, por meio, por exemplo, do corte de gratificações ou vantagens pessoais, ou de forma indireta, por meio da redução da jornada de trabalho e férias coletivas.
- Forte aumento dos gastos familiares. Por conta dos altos índices inflacionários corroendo o já combalido poder de compra dos brasileiros, as despesas domésticas da maioria das famílias brasileiras tiveram forte aumento nos últimos anos, principalmente em gastos que não podem ser dispensados, como alimentação, transporte e habitação.
Diante desse contexto de profunda crise econômica, restringir os assuntos do blog a temas tais como alcançar “a tão sonhada independência financeira”, ou sobre como alcançar “o tão sonhado primeiro milhão de reais” pode soar absolutamente estranho a essa parcela cada vez mais significativa de leitores, que querem apenas controlar melhor as finanças de casa.
Para essas pessoas, muito mais importante do que uma utópica, pretensa e distante independência financeira, é conseguir alcançar a estabilidade financeira. São objetivos mais modestos? Sem sombra de dúvida, afinal de contas, o mais importante, no atual momento, para essas pessoas, é simplesmente “sair do sufoco” e não ficar dependendo de ajudas externas (bancos, financeiras, parentes) na hora de gerenciar o orçamento doméstico. Mas são objetivos bem mais palpáveis, concretos e mais realistas de se alcançar, sobretudo para quem enfrenta uma das três situações descritas acima.
Por coincidência, estou lendo um livro que vem a calhar sobre esse tema. Trata-se de uma obra com o sugestivo título How to Manage Your Money When You Don’t Have Any, ou, em português, numa tradução livre, “Como gerenciar seu dinheiro quando você não tem nenhum”, de Erik Wecks.
Nesse livro, Erik não se propõe a fornecer fórmulas mirabolantes – e, convenhamos, às vezes “batidas” – de investimentos, ou explicações detalhadas sobre como sair do zero para o primeiro milhão em “x” anos, coisas bem típicas de muitos livros de auto-ajuda na literatura financeira. Pelo contrário, ele contém dicas essencialmente práticas para quem deseja melhorar seu padrão de vida, quando se enfrenta situações como desemprego, recessão econômica, e dificuldades de toda ordem na vida financeira.
Um dos capítulos que mais me chamaram a atenção foi justamente a parte onde ele descreve os 8 passos para ter uma vida financeira melhor. Ao longo do livro, ele enfatiza bastante que muitas pessoas na verdade desejam apenas uma forma de lidar melhor com as finanças. Ou seja, elas buscam a estabilidade financeira em primeiro lugar. Descrevo abaixo esses oito passos, por considerá-los bem coerentes com os objetivos, digamos, “mais modestos” desse segmento do público.
Passo 0: mensalmente, tenha certeza de não gastar mais do que ganha.
Essa é uma regra clássica que se encontra em 10 de cada 10 livros de finanças pessoais. Pode até soar batido, chato, e inconveniente, que fiquemos “batendo sempre na mesma tecla”.
Mas essa repetição infindável é absolutamente necessária, por um motivo bastante elementar: ela é um pressuposto para o funcionamento de todas as demais regras para se alcançar a estabilidade financeira.
E não é só isso.
É que a violação desse passo zero está na raiz de 100% das famílias endividadas. Quem tem dívida, quem faz dívida, quem assume dívida, é porque, no fundo no fundo, está gastando mais do que ganha.
Portanto, fazer as despesas caberem dentro das receitas é o primeiro passo, ou melhor, é o passo zero, para se conseguir a estabilidade financeira.
E isso tem que ser feito de modo constante, mês após mês.
Passo 1: assegure suas necessidades básicas: comida, vestuário e moradia.
As necessidades primárias do ser humano se resumem, na essência, a ter o que comer, ter o que vestir, e ter onde dormir.
Simples, não?
Não!
Muitas pessoas acabam economizando na comida para comprar um iPhone. Muitas pessoas ficam inadimplentes na conta de luz para pagar a prestação do carro.
Então, antes de gastar nesses itens que podem ser dispensados, tenha dinheiro em caixa para prover comida para sua casa, roupa para vestir, e teto para dormir.
Passo 2: crie uma pequena reserva inicial de emergências de R$ 1.000,00.
O autor fala em USD 1.000,00, o que, se adaptarmos essa regra para o Brasil, se traduziria em algo em torno de R$ 4 mil.
Ocorre que muitas famílias brasileiras não conseguem economizar sequer um centavo, justamente por conta da violação do passo zero, descrito acima.
Logo, para essas famílias, já será uma vitória e tanto se, além de conseguirem gastar menos do que ganha, de maneira constante, e conseguirem dinheiro para pagar as despesas básicas, também conseguirem formar uma reserva de emergência de mil reais.
Pode de fato levar meses para conseguir fazer isso, chegar até o passo 2. Mas é um sacrifício que tem que valer a pena.
Entretanto, esses mil reais devem ser só o primeiro passo. Na verdade, é o segundo passo. 😉
Passo 3: pague todas as suas dívidas o mais rápido possível, além do seu financiamento imobiliário.
Eu acho essa lógica dos passos muito bem estruturada. Afinal de contas, você vai deixar de comprar arroz e feijão para pagar a dívida do empréstimo consignado? Claro que não!
Mesmo que você tenha dívidas monstruosas, você não pode deixar de almoçar, jantar, beber água, da mesma forma que você não pode deixar de pagar a conta de luz de sua casa, por exemplo.
Então, usar o dinheiro que sobrou dos gastos dos passos zero a dois para quitar as dívidas se torna uma consequência quase que automática para prosseguir no caminho da estabilidade financeira.
Sem quitação das dívidas, não há estabilidade financeira.
Passo 4: aumente sua reserva de emergências para algo entre 3 a 12 meses de suas despesas mensais médias
Aqui é que está o desafio: sair do passo 3, e ir para o estágio 4.
Digo isso porque, às vezes, você tem uma dívida tão grande acumulada, seja em empréstimos consignados, seja em financiamentos diversos, que você talvez demore meses e meses para sair do passo 3 – quitação total das dívidas – e ir para o passo 4 – formação da reserva de emergências.
Mas, uma vez transposto o passo, você terá um sentimento de grande alívio, ao saber que você não será mais escravo do seu dinheiro, como ocorria quando você estava cercado de credores por todos os lados, e com dificuldades de pagar todas as dívidas que fez.
É claro que a reserva de emergências deve ser alocada em investimentos conservadores, com alto grau de liquidez, como fundos referenciados DI, Tesouro SELIC e CDBs pós-fixados ao DI.
Leia mais:
- Onde investir o dinheiro para a construção da sua reserva de emergências – o Guia Completo;
- 5 razões para ter uma boa reserva em renda fixa (colchão de segurança)
Passo 5: comece a economizar 15% de sua renda para a aposentadoria
Formado o seu colchão de segurança, que lhe dará tranquilidade a curto e médio prazos, é hora de começar a investir pensando num horizonte de longo prazo. É hora de pensar na aposentadoria.
Contentar-se hoje apenas com os sistemas estatais de aposentadoria (INSS e RPPS) é pedir para ter problemas na velhice. É preciso criar instrumentos financeiros que lhe deem uma complementação razoável de renda no futuro. Isso foi uma das lições, inclusive, que eu recebi ao conversar com o futuro que eu anseio.
Leia mais:
Passo 6: se quiser, poupe para a educação universitária de seus filhos
A ordem dos passos 5 e 6 me lembrou muito uma coisa que a Mara Luquet sempre fala aos ouvintes dela na rádio CBN. Trata-se da dúvida dos pais de como investir para a aposentadoria dos filhos. A resposta dela? Os pais devem investir primeiro na aposentadoria deles, dos pais, e somente depois se preocupar com a independência financeira dos filhos.
Isso porque se corre o risco, caso se inverta a ordem, de os pais chegarem na velhice sem dinheiro, e serem obrigados a recorrer aos filhos na hora de pagar as contas.
Passo 7: antecipe a quitação de seu financiamento imobiliário
Nos EUA, é muito forte a cultura de se endividar para ter a casa própria, daí a recomendação desse passo, que, aliás, também serve para os brasileiros.
Sempre que possível, dê um jeito de antecipar a quitação do financiamento do seu imóvel, e isso é tanto mais necessário quanto maior for o prazo do financiamento.
Passo 8: expresse seus valores com seu dinheiro
Dê um sentido e uma utilidade ao dinheiro que você for gastar, de acordo com seus valores, suas crenças e sua filosofia de vida. 😉
Conclusão
Como diz Erik, esse mapa financeiro é simples, claro e preciso, mas não é “fechado”. Talvez você possa ter um plano diferente, com a ordem de prioridades alterada. Não importa. O que importa é que você tenha um plano estratégico que possa criar estabilidade financeira.
O ponto mais importante aqui é a necessidade de você ter um plano, principalmente nos casos em que você receba um dinheiro extra, já que você pode ficar tentado a gastar esse dinheiro comprando um lindo imóvel, mas numa casa em que sequer espaço existe (conforme costumeiramente adverte Mauro Halfeld, em suas colunas na rádio CBN, “dinheiro na mão é vendaval”).
Nesse sentido, é importante você dar a cada real um emprego, conforme nos ensina a primeira regra da filosofia YNAB de controle do orçamento doméstico, explorada semana passada.
Mas, além do plano, é preciso ter comprometimento. Ou seja, um plano só é bom na medida em que for bem implementado.
E você, também tem um plano para conquistar a estabilidade financeira? Que estratégias utiliza para ter uma vida financeira equilibrada?
Gostei do post.
Eu não tenho bem um plano que eu sigo a risca pra estabilidade financeira. Na verdade, eu tenho um planejamento que fica apenas na minha cabeça e eu sigo em linhas gerais. E ele é (e sempre foi) bem parecido como esse daí.
Desde que comecei a ganhar algum dinheiro, eu sempre tentei juntar algo mensalmente. O problema foi que sempre que eu juntava um determinado valor, eu ia lá e gastava ele. Isso veio desde a época que estava na faculdade e ganhava bolsa de monitoria até o final do meu primeiro emprego com carteira assinada.
Quando entrei no meu segundo emprego, resolvi começar a guardar um dinheiro mensalmente para aposentadoria (não é previdência privada, sou eu quem gere ela mesmo. É um FI-MJC rs). Desde então faço depósitos lá, tentando atingir determinada meta anual. Faço isso há 100 meses, reajustando o valor depositado pela inflação. Esse dinheiro é sagrado e não gasto ele pra nada. É minha aposentadoria (pra daqui uns 30 anos, já que devo trabalhar muito ainda).
Bom, esse é mais ou menos meu plano para estabilidade financeira.
Sou servidor público e tenho uma relativa estabilidade no salário. Apesar disso, isso não significa que o nosso salário não reduza o valor. Na verdade, há 8 anos não tenho um aumento real. O único aumento que teve nesses 8 anos não pagou quase nada da inflação acumulada no período. Mas usando a regra de ouro de gastar menos do que ganho, hoje eu ainda conseguiria segurar as pontas mesmo com uma inflação de uns 80% sem cortar nenhum gasto. Cortando, isso daí melhora bem mais. Mas é algo que eu faria aos poucos, se visse que seria necessário.
Um ponto que você tocou e eu não concordo muito é em relação a quitar o financiamento imobiliário o quanto antes. Isso depende muito da regra do jogo. Eu tenho um financiamento imobiliário também, e adiantei muito dele até que os juros do tesouro direto começaram a subir. Chegou um ponto que não valia mais a pena pagar o financiamento, e sim colocar o dinheiro novo no tesouro direto. Os juros que o governo pagam estão maiores do que os do financiamento. Aí não vale muito a pena… Quando os juros começarem a cair novamente, aí o dinheiro novo volta pra quitar o financiamento… O banco faz isso com a gente, certo? Empresta pra gente a 8% a.m. e remunera a 0.5% a.m. Quando temos a chance de pegar a 9% a.a. e emprestar a 15~16 % a.a., temos que aproveitar também…
Excelentes suas ponderações, MJC!
E quanto à questão do financiamento imobiliário, você tem razão: até há alguns anos, era possível obter taxas bem atrativas, na casa dos 8% a 10% a.a. – estou falando do CET, e não apenas do valor dos juros.
Dessa forma, havendo a possibilidade de se investir em aplicações que paguem mais do que isso, já descontados o IR e taxas de administração, sem dúvida, a via preferencial é a manutenção dos investimentos.
Abraços!
Um ÓTIMO artigo !!!
E realmente, nos últimos tempos a quantidade de mensagens, envolvendo os assuntos citados por ti, aumento bastante … =(
Um ponto para discutimos: $1.000 = R$1.000
Eu sempre defendi que não é bem assim … Pois o salário “mínimo” dos americanos gira em torno dos $2.000, enquanto aqui não chega nos R$1.000 … =/
Então a empreitada para chegar nos dois valores é bem diferente. (até mesmo porque o nosso custo de vida é superior ao deles, com nossos preços tão convidativos em todas as áreas …)
Show de bola Guilherme ! 😉
Valeu, Zé!!!!
Você tem razão quanto ao ponto dos R$ 1.000,00. O custo de vida no Brasil é bastante alto, quando comparado ao custo de vida nos EUA. Então, talvez uma opção mais razoável seria deixar na conta um dinheiro maior, entre R$ 3k e R$ 4k – para “começo de conversa”, claro. 😉
Abraços!
Sou leitor assíduo do blog e nos últimos anos tenho feito a “lição de casa” direitinho.
Com relação a este artigo, a única dica que não pratico é com relação à quitação antecipada do financiamento imobiliário. Tenho uma estratégia que consiste no seguinte: uso o saldo do meu FGTS para pagar parte das prestações(PPP) do meu financiamento(posso fazer isso anualmente), o valor economizado eu invisto em títulos do tesouro direto(Selic e Prefixado). Isso me garante uma rentabilidade maior do que se deixasse o dinheiro “parado” na conta do FGTS. Além disso, o valor sacado do FGTS, rende durante o período de um ano igual a caderneta de poupança.
Já tentei mensurar o valor do meu ganho com essa estratégia mas desisto porque é quase impossível chegar num valor “exato”. A única certeza é que estou ganhando. Rs…
Ótima estratégia, RC!
De fato, no seu caso, usar esse saldo sem dúvida alguma vale a pena! 😀
Na verdade estes são também os “Baby steps” do Dave Ramsey, você conhece?
Comecei a seguir uma parte do plano financeiro dele há alguns anos e felizmente, ano passado, quando perdi minha renda, estávamos com nosso apto e 2 carros quitados e fundo de emergências de 6 meses completo.
Apesar de ter sido muito angustiante ficar sem meu salário por um tempo, não ter dívidas e nem depender da ajuda de ninguém é algo que não tem preço!
Oi Bruna, eu não conheço, mas o próprio Erick faz menção a esses “baby stps” do D. Ramsey.
Que bom que você tinha um bom plano financeiro, em situações de crise econômica é que percebemos o real valor de estar precavido.
Excelente post. Considero que a estabilidade financeira está ao alcance de todos, mesmo que a pessoa não tenha uma renda alta. Viver dentro de suas posses, não ter dívidas, montar uma boa reserva para a velhice, receber juros em vez de pagar – isso é o suficiente para boa parte da população. Nem todos temos o sonho de viver apenas de rendimentos.
No meu caso, inverti um pouco a ordem das coisas. Sempre evitei as dívidas. Quitei o financiamento imobiliário assim que pude, paguei uns 6 anos de financiamento apenas. Não sei dizer se foi um bom negócio ou não, nem me lembro qual a taxa de juros que pagava e muito menos a taxa que receberia se investisse o valor da quitação.
Mas é realmente mto bom não ter aquela parcela a pagar mensalmente, as despesas se tornam baixas, vive-se com mto maior tranquilidade.
Mantenho meu custo de vida relativamente baixo. Vivo com 50% do que ganho. Dentro desses 50% cabem todas as despesas que são, a meu ver, indispensáveis. De condominio a alimentação, de diarista a celular, de combustivel a plano de saúde. Chamo esse bloco de DEVER.
Dos outros 50%, metade fica para um bloco que eu chamo de PRAZER: lazer, vestuário, compras diversas, viagens. A outra metade é para investir, mas nem tudo para o longo prazo. Entram nesses investimentos a provisão para os impostos do ano seguinte (IPTU, IPVA, IR), um investimento de destinação específica ( uma aquisição maior, como por ex troca de carro), e um investimento para o futuro mesmo.
Estou satisfeita com o esquema! Me preparo para o futuro, sem sacrificar o presente…
Oi Vania, excelente estratégia!
No final das contas, o importante mesmo é ter um plano que possa ser implementado na prática. Gostei dessa sua divisão em porcentagens e “áreas de gastos”.
Abraços!
Só pra rimar, esse ultimo bloco, de investimentos, eu chamo de PREVER. Então fica 50% para DEVER, 25% para PRAZER e 25% para PREVER.
Até nas rimas ficou ótima a divisão! 😀