Você sabe quando está cansado fisicamente: o corpo emite sinais de alerta após uma corrida no parque, uma sessão de musculação, ou mesmo após um dia extenuante de trabalho, sentado por mais de 6 ou 7 horas naquela cadeira, e grudado naquele no monitor do PC/notebook. Mas o nosso corpo humano, ou melhor, o nosso cérebro, não emite esses mesmos sinais de alerta quando estamos cansados mentalmente. E isso interfere de modo crucial na qualidade das decisões que tomamos.
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Num interessante artigo publicado no Get Rich Slowly, a colunista Sierra Black conta porque a força de vontade nem sempre é suficiente para que tomemos as melhores decisões, e isso tem a ver com a fatiga de decisão, que é o que ocorre com as pessoas quando elas têm que fazer muitas escolhas. Isto é, à medida que seu cérebro fica cansado, você fica pior em tomar decisões. Ela baseia sua conclusão num (extenso) artigo publicado no New York Times:
“Decision fatigue helps explain why ordinarily sensible people get angry at colleagues and families, splurge on clothes, buy junk food at the supermarket and can’t resist the dealer’s offer to rustproof their new car. No matter how rational and high-minded you try to be, you can’t make decision after decision without paying a biological price. It’s different from ordinary physical fatigue — you’re not consciously aware of being tired — but you’re low on mental energy. The more choices you make throughout the day, the harder each one becomes for your brain, and eventually it looks for shortcuts, usually in either of two very different ways. One shortcut is to become reckless: to act impulsively instead of expending the energy to first think through the consequences. (Sure, tweet that photo! What could go wrong?) The other shortcut is the ultimate energy saver: do nothing. Instead of agonizing over decisions, avoid any choice. Ducking a decision often creates bigger problems in the long run, but for the moment, it eases the mental strain. You start to resist any change, any potentially risky move”.
Numa tradução livre:
“Fadiga de decisão ajuda a explicar porque normalmente pessoas sensatas ficam zangadas com os colegas e familiares, fazem alarde com roupas, compram porcarias no supermercado e não resistem à oferta do negociante de carro novo. Não importa o quão racional você tente ser, você não pode tomar sucessivas decisões sem pagar um preço biológico. É diferente do cansaço físico comum – você não tem consciência de estar cansado – mas você está com pouca energia mental. Quanto mais escolhas você fizer durante o decorrer de um dia, mais difícil será a decisão a tomar, para o seu cérebro, até que, finalmente, ele procura por atalhos, geralmente de duas maneiras muito diferentes. Um atalho é temerário: agir impulsivamente, em vez de gastar energia pensando primeiro nas conseqüências (Claro, tuíta essa foto. O que poderia dar errado?). O outro atalho é o máximo de economia de energia: não fazer nada. Em vez de decisões agonizantes, evite qualquer escolha. Esquivar-se de uma decisão muitas vezes cria problemas maiores a longo prazo, mas, para o momento, facilita o esforço mental. Você começa a resistir a qualquer mudança, qualquer movimento potencialmente arriscado” (destaquei).
É interessante observar, dentro dessa linha de raciocínio, que o nosso “estoque” de energia mental para o exercício do auto-controle é limitado, conforme já escrevemos em outra ocasião, no artigo A escolha qualitativa. Porém, as decisões que temos que tomar parecem que aumentam cada vez mais: são tantas opções (o que fazer nas férias? O que comprar no mercado? O que comer no café amanhã? Onde sair no final de semana? Que contas devo pagar primeiro? O que escrever no Twitter? Sobre qual assunto postar no blog?), que acabamos, lamentavelmente, esgotando nosso estoque de energia mental, e tomando decisões que, depois de realizadas, nos damos conta de que não eram exatamente as melhores decisões que podiam ser tomadas. Vivemos uma vida estressada e sobrecarregada, que parece atingir de modo ainda mais especial os pobres, quando vão fazer as compras no mercado. E isso por uma razão bastante clara: eles têm que lidar de modo contínuo com conflitos de escolha, ou seja, “trade-offs”, sendo obrigados, portanto, a tomar decisões importantes com maior frequência, esgotando de modo mais rápido, assim, seus finitos estoques de energia mental. E esses conflitos de escolha afetam diretamente a saúde física, como explicamos na resenha do livro Longevidade emocional, de Norman Anderson.
Com efeito, gastar R$ 100 para almoçar num restaurante com a família no final de semana pode não atrapalhar o orçamento de uma família de classe média ou classe alta, mas, para uma família de classe baixa, esses mesmos cem reais podem significar a compra de um mês inteiro de mercado. Mas a conclusão dos pesquisadores acerca das implicações do fenômeno da fadiga de decisão, para as classes menos favorecidas, vai mais além:
“This sort of decision fatigue is a major — and hitherto ignored — factor in trapping people in poverty. Because their financial situation forces them to make so many trade-offs, they have less willpower to devote to school, work and other activities that might get them into the middle class. It’s hard to know exactly how important this factor is, but there’s no doubt that willpower is a special problem for poor people. Study after study has shown that low self-control correlates with low income as well as with a host of other problems, including poor achievement in school, divorce, crime, alcoholism and poor health. Lapses in self-control have led to the notion of the “undeserving poor” — epitomized by the image of the welfare mom using food stamps to buy junk food. In one study, he found that when the poor and the rich go shopping, the poor are much more likely to eat during the shopping trip. This might seem like confirmation of their weak character — after all, they could presumably save money and improve their nutrition by eating meals at home instead of buying ready-to-eat snacks like Cinnabons, which contribute to the higher rate of obesity among the poor. But if a trip to the supermarket induces more decision fatigue in the poor than in the rich — because each purchase requires more mental trade-offs — by the time they reach the cash register, they’ll have less willpower left to resist the Mars bars and Skittles. Not for nothing are these items called impulse purchases.”
Traduzindo:
“Esse tipo de fadiga é um importante – e até então ignorado – fator de aprisionamento das pessoas na pobreza. Porque a sua situação financeira obriga-os a fazer tantas trocas, elas têm menos força de vontade para se dedicar ao trabalho, à escola e a outras atividades que poderiam levá-los para a classe média. É difícil saber exatamente o quão importante é este fator, mas não há dúvida de que a força de vontade é um problema especial para os pobres. Sucessivos estudos mostram que o baixo auto-controle se correlaciona com baixa renda, bem como com uma série de outros problemas, incluindo baixas conquistas na escola, divórcios, crimes, alcoolismo e saúde precária. Lapsos de auto-controle levam à noção de “pobres indignos” – simbolizadas pela imagem da mãe usando cupons de alimentação para comprar porcarias. Em um estudo, descobriu-se que, quando os pobres e os ricos vão às lojas, os pobres são muito mais propensos a comer durante o passeio de compras. Isto pode parecer a confirmação de sua fraqueza – afinal, eles poderiam presumivelmente economizar dinheiro e melhorar sua nutrição fazendo refeições em casa em vez de comprar lanches prontos como Cinnabons, que contribuem para a maior taxa de obesidade entre os pobres . Mas se uma ida ao supermercado induz a uma fadiga de decisão mais nos pobres do que nos ricos -, porque cada compra exige mais conflitos de escolha – no momento em que chegar à caixa registadora, eles terão menos força de vontade para resistir a barras de chocolates da Mars e dos Skittles. Não é por nada esses itens são chamados de compras por impulso” (destaquei).
Como a fadiga de decisão influencia negativamente seus investimentos
Se tomar muitas e frequentes decisões rapidamente esgota seu estoque de energia mental, tomar muitas decisões também pode abalar seus investimentos, na medida em que seu poder de controle sobre os fatores que interferem em boas escolhas vai decrescendo com o passar do tempo. A solução, nesse caso, é bastante elementar: simplifique seus investimentos, como, aliás, já escrevi em outra oportunidade: Simplifique seus investimentos (ou: menos é mais) – as 4 vantagens dessa tática, e as 4 dicas para adotá-la em sua vida financeira.
Tal fenômeno psicológico talvez possa explicar – ou pelo menos ajudar a explicar em parte – a dificuldade de mais de 90% dos gestores de fundos de ações (e consequentemente de todos os profissionais e amadores de mercado) não conseguirem sequer bater os índices de mercado: se, durante o processo de seleção de ativos, a escolha das primeiras ações pode parecer boa, as demais não o serão, pois o cérebro vai naturalmente esgotando sua capacidade cognitiva. Vamos combinar: cansa ficar fazendo análise fundamentalista e/ou técnica na escolha das melhores ações, analisar balanços, resultados trimestrais etc. etc. etc. Eventual benefício oriundo de uma (raríssima) hipótese de superar o mercado, não compensa o enorme custo, a fadiga, o cansaço, de obter tal resultado.
Como fazer escolhas inteligentes
Diante de nossas limitações biológicas, que nos impedem de tomar decisões sempre com um alto nível de qualidade, tendo em vista nossos finitos estoques de energia mental, é preciso recorrer a estratégias eficientes que nos conduzam à realização de escolhes melhores, ou, ao menos, ponderadas. Evitar tomar decisões que tenham impacto duradouro de “cabeça quente”, quando estamos abalados emocionalmente, é uma dessas dicas: a emoção negativa, como tristeza, depressão e raiva, afeta nossas estruturas cognitivas, impedindo que possamos agir de forma racional. Já tinha razão David Allen, criador da metodologia GTD, ao dizer que “somos mais produtivos quando estamos mais relaxados”. Outras dicas, listadas por Sierra Black, no artigo que serviu de base a esse, incluem:
- tomar decisões apenas quando estiver sóbrio;
- comer alimentos que contenham glicose (a autora cita barras de chocolate :D), pois a glicose é um dos combustíveis que alimentam o cérebro (admito que, enquanto estava lendo o artigo da Sierra, fui na cozinha e peguei um bombom de chocolate com licor, e admito (2x) que me fez sentir melhor e tomar a decisão de escrever esse artigo :D);
- evitar o agendamento de múltiplas e sucessivas reuniões;
- tomar decisões importantes no início do dia;
- se você tiver que fazer uma escolha no final do dia, não fazê-la com o estômago vazio;
De acordo com os estudos científicos mencionados no artigo do NY Times, as pessoas com melhor auto-controle, e, portanto, menos suscetíveis à fadiga de decisão, são aquelas que estruturam suas vidas de modo a conservar a força de vontade, de modo que podem contar com esse poderoso estoque de energia mental altamento abastecido durante o dia, conservando-o disponível para emergências e importantes decisões. Quem sabe uma atitude de desacelerar sua vida, adotando um estilo de vida ao modo da Simplicidade Voluntária, onda a frugalidade tenha seu espaço, não possa melhorar sua capacidade de tomar decisões com mais qualidade, que resultarão, por sua vez, numa melhora de sua própria qualidade de vida? 😉
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Uau! Muito bom o artigo Guilherme!
Foi uma grata surpresa, pois estava pensando neste assunto este final de semana.
Sempre quando preciso fazer uma coisa muito importante (como escrever um artigo para o blog) faço o seguinte:
1. Correr de 5km a 10km
2. Tomar um Banho
3. Alimentação Saudável
Deste modo, aliviei minha mente para focar exclusivamente no que tenho de importante a fazer.
Coloco o editor de texto em tela cheia (sem qualquer distração) e mando bala! 🙂
Este artigo confirmou muitas coisas que venho fazendo corretamente (fiquei bem feliz ao saber disso!).
Você puxou um gancho brilhante com os investimentos.
E é mais um motivo para investir em ETFs (Fundos de Índice) ao invés de ações individuais.
1. Temos mais controle sobre os resultados
2. Não precisamos dedicar toda a energia mental para analisar e escolher as ações
3. Não precisamos tomar decisões como reaplicar os dividendos.
Logo, este tipo de investimento garante tranquilidade para o investidor.
Obrigado pela lição do dia!
Um grande abraço amigo!
Oi Guilherme,
Mais um excelente texto! Só fui me atentar para a existência da fadiga decisória depois de ler a Superinteressante deste mês, que também aborda o assunto de forma geral, e aí veio seu texto voltado para a parte financeira assentando o conhecimento… muito legal!
Gostei muito quando você falou no final do texto sobre a mudança para uma vida mais simples! Acho interessante a forma que você aborda também esses aspectos. Esse blog é mesmo sensacional! Parabéns!
Abs,
Excelente post Guilherme,
Tenho notado que a maioria dos blogueiros mantém uma atividade física regular e alimentação saudável.
Assim como o Henrique, faz parte da minha rotina correr ou fazer musculação. Me exercito 5 vezes na semana. Também me alimento, quase sempre, de maneira saudável.
Boa alimentação e atividade física regular me ajudam a ser mais produtivo e dar conta de forma satisfatória das diversas atividades a serem cumpridas. E olha que não são poucas.
Grande abraço meu amigo.
Ótimo texto!
É interessante notar que nem só o conhecimento, nem só a experiência e tampouco a as oportunidades que aparecem são cruciais para decisões. É importante estar ciente, preparado, em momentos que, por exemplo, está sofrendo de fatiga.
É importante observar a rotina e as situações que englobam os momentos pré-decisivos, afim de ter consciência do que se está fazendo!
Parabéns pela rica abordagem!
Legal! Em outras palavras, menos é mais.
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Acho que ninguém gosta de tomar muitas decisões em pouco tempo. Imagina o stress mental desses caras que fazem 30-50 operações todos os dias, day-trade em ações, opções a seco, venda descoberta de opções 😯 To fora.
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Valeu Guilherme! Abcs.
Henrique, obrigado! E ótima estratégia a sua para concentrar sua energia em seus projetos mais importantes! Você tira o melhor proveito possível daquilo que Loher e Schwartz chamam de “rituais positivos”, que conservam energia para aquilo que fará diferença em sua vida!
May, obrigado pelas palavras! Realmente, uma vida mais simples permite manter nosso foco naquilo que nos interessa, que é a transformação de nossas vidas!
Jônatas, concordo: hábitos saudáveis, como atividades físicas regulares e alimentação saudável, nos permitem gerar energia que será “consumida” para atividades e tarefas que nos proporcionem melhor qualidade em todos os aspectos de nossa vida. E você está certíssimo, procurando incluir essas rotinas saudáveis em sua vida, prova disso são os ótimos textos que escreve lá no Efetividade!
Jean, grato! Vc disse tudo: uma preparação adequada é fundamental para tomar decisões de melhor calibre!
Willy, e haja stress pra esse pessoal, hein!? E tudo isso pra ainda não conseguir nem bater o mercado……rsrsrs
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Parabéns Guilherme. Boas as orientações postadas nesta matéria. É importante a pessoa estar ciente e prepara para enfrentar momento de fadiga.
Vale a pena lembrar também que as rotinas vivenciadas no mundo globalizando de alguma forma refletem nas nossas decisões, por isso é importante ficar atento a isso e evitar o estresse financeiro.
Thiago, concordo plenamente! Evitar o estresse financeiro ajuda a tomar melhores decisões! Aproveito para recomendar a todos o excelente blog do Thiago: http://educarfinancas.com.br que está com uma série de artigos muito legal intitulada: [Série: Saindo do vermelho, caminhando para o Sucesso]
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!