Proponho a você a realização de um teste: durante 30 segundos, feche esse site ou feche os olhos, e pense em qualquer coisa, menos em “ursos brancos” ou coisas relacionados a “ursos brancos”, como neve, urso, branco, Alaska etc. Preparado? Então feche os olhos ou feche o site e comece a pensar. Lembre-se: não é para pensar em “ursos brancos”.
[…]
1 segundo, 2 segundos, 3 segundos…
4,5,6,7,8…
10, 11, 12…
20, 21, 22…
30 segundos
[…]
E aí!? Aposto que você pensou mais em ursos brancos durante esses míseros 30 segundos do que jamais pensou em toda a sua vida. Mas por que isso ocorreu? E mais: que raios tem isso a ver com um livro intitulado “longevidade emocional”? 😛 É simples: quanto mais você não tenta pensar sobre algo, mais pensamentos tem a esse respeito. E isso está na raiz de muitos problemas de fundo emocional. Quanto mais você tenta esquecer a briga que teve com seu cônjuge que culminou numa separação (ou qualquer outro fato traumático), mais esse fato preenche sua mente. Quanto mais você tenta esquecer os malefícios da bebida, mais você pensa em beber. Ocultar traumas não facilita as coisas, e isso não só causa prejuízos às suas emoções, mas também afetam diretamente sua saúde física. Mas por quê? E, principalmente, há solução para esse problema? Sim, há solução.
Já não é de hoje que pesquisadores têm voltado suas atenções para os fatores que interferem na saúde e bem-estar. Norman Anderson é um desses pesquisadores, que elaborou aprofundado estudo, cujas conclusões foram reunidas no livro Longevidade emocional, em que afirma que nosso tempo de vida não é determinado exclusivamente por fatores biológicos, mas também por uma série de outros fatores. Aliás, a própria história de como cheguei até a esse livro não deixa de ser interessante. Estava eu passeando na feira livre num sábado de manhã ensolarado, com o objetivo único de comer um bom pastel de feira (afinal, venhamos e convenhamos, pastel de feira é “tudo di bão”….rsrsr), quando, no meio do caminho, vi alguns livros usados que estavam sendo vendidos por um feirante que até então eu nunca tinha visto. O mais interessante é que esse livro era um dos que estavam mais bem visíveis para exposição, o que, sem dúvida, ajudou na decisão de comprá-lo, o que foi reforçado pela tradicional “folheada” que gosto de fazer antes de comprar qualquer literatura. Bem, o fato é que, depois desse dia, nunca mais vi esse feirante na feira, e talvez nunca teria tido a oportunidade de ler essa obra, uma vez que, além de ser um título lançado em 2005 (fora, portanto, do catálogo de lançamentos), ainda por cima não se situa dentro do “radar financeiro”, dois fatores que, sem dúvida, dificultariam o acesso desse título pelas vias normais de conhecimento (aliás, minha relação com a literatura de alta qualidade é recheada de “acasos”, como já ocorreu antes com esse livro e com esse outro. Que venham, pois, mais “acasos”!).
Vamos, então, destrinchar esse livro?
Informações técnicas
Título: Longevidade emocional
Autor: Norman Anderson
Número de páginas: 345
Editora: Best Seller
Preço médio: R$ 34,90
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Introdução
Pensar em saúde não significa apenas pensar em ausência de doença, mas sim num conjunto de fatores que contribuem para o prolongamento da longevidade dos seres humanos. Com base em inúmeras pesquisas realizadas por respeitados centros acadêmicos norte-americanos, chegou-se à conclusão de que a saúde é na verdade um conceito que abarca seis dimensões fundamentais: biologia; pensamentos e ações; ambiente e relações; realização pessoal e igualdade; fé e significado; e emoções. Todos esses fatores devem ser objeto de consideração pois não só podem aumentar ou diminuir a quantidade geral e o desfrute da vida, como também aumentar ou diminuir o risco de doença concreta.
Parte 1 | Pensamentos e ações 1: expectativas, explicações e crenças
Essa parte é dedicada ao estudo de como os fatores psicológicos e comportamentais interferem na saúde das pessoas. Procura-se demonstrar que pessoas mais otimistas tendem a viver mais e melhor, sendo isso observado de modo mais claro nos piores momentos da vida, ou seja, naquelas inevitáveis situações de tensão a que estamos sujeitos. Isso não quer dizer necessariamente que o pessimismo seja sempre ruim: na verdade, ele tem uma função defensiva, que pode ajudar alguns a ter bom desempenho, uma vez que realizam uma espécie de “seguro contra o fracasso”. Isto é, ao projetarem na mente maus resultados antes que ocorram, eles ganham com isso algum grau de controle sobre a ansiedade.
Porém, estudos demonstram que ter o poder de criar “ilusões positivas”, modificando nossas crenças sobre fatos passados, e tendo, portanto, um melhor controle e consciência sobre situações do presente, pode de fato nos ajudar a levar uma vida mais saudável. Sobre o assunto, aliás, recomendo fortemente a leitura da resenha de outro livro igualmente relevante na área, Aprenda a ser otimista, de Martin Seligman.
Parte 2 | Pensamentos e ações 2: ocultando e revelando traumas
Lembra daquele exercício mental sobre “ursos brancos”? Pois ele é abordado nessa parte para demonstrar que, “quando tentamos eliminar ou controlar nossos pensamentos, sem querer colocamos em movimento processos mentais que acabam por impedir o próprio controle” (p. 88). E isso está na raiz da dificuldade de muitas pessoas de lidarem com fatos traumáticos da vida delas, como alcoolismo, separações, mortes e outros eventos desagradáveis: quanto mais tentamos esquecê-los, mais eles preenchem nossas mentes, o que só agrava o problema, com repercussões diretas em nossa saúde biológica.
E qual são as possíveis soluções: Por incrível que possa parecer, uma das sugestões recomendadas pelo autor é escrever. Isso mesmo, “botar pra fora”, como se diz no jargão popular. Desabafar. Você não se sente melhor quando desabafa com um amigo, cônjuge ou familiar sobre uma situação que lhe foi angustiante? Ficar remoendo internamento traumas do passado pode lhe aprisionar numa espiral sem precedentes. Revelar problemas pode ser um meio eficaz de curar esses mesmos problemas. Tá, mas aí você deve estar pensando: mas por quê a revelação funciona? Segundo Norman, a revelação funciona porque desinibe, contra-atacando os efeitos negativos da eliminação de pensamentos, a inibição emocional e a ocultação; porque muda o pensamento e a linguagem, fazendo as pessoas pensar diferente sobre o fato e sobre si mesmas; e porque ajuda a criar histórias com sentido, aprofundando nossa compreensão do que estamos passando.
Porém, isso pode não funcionar para todas as pessoas em todas as situações, por isso cada caso deve ser avaliado de modo profissional.
Pesando os prós e os contras, não deixa de ser interessante a constatação de que escrever sobre as próprias angústias pode ajudar as pessoas a superar dificuldades. Eu vejo isso com bastante nitidez em alguns blogs de finanças pessoais escritos por mulheres, onde elas desabafam, literalmente “põem para fora” suas angústias acerca do controle de compras, cartões de crédito e afins, e vejo também a própria superação delas em cima dessas dificuldades. E eu suspeito que isso tenha a ver e comprove a tese de Norman Anderson: escrever, afinal de contas, faz bem para saúde! 🙂
Parte 3 | Ambiente e relacionamentos: imunidade social
O poder preventivo e curativo dos relacionamentos é tratado nesse tópico. Ter uma rede social com quem contar faz diferença na expectativa de vida das pessoas, e isso mesmo depois de tal fator ficar isolado dos demais fatores de risco tradicionais, como idade, gênero, raça, atividade física etc. E por “rede social”, aqui, entenda-se não apenas aquela mais ampla, coletivamente formada por amigos, familiares, pessoal de igreja etc., mas também aquela menor, formada por você e seu cônjuge: comprovado está que o casamento em que há apoio social de outro cônjuge proporciona benefício extra de saúde para ambos.
Parte 4 | Realização pessoal e igualdade: aprender, ganhar e sobreviver
Está comprovado cientificamente: a riqueza (ou a ausência dela) tem correlação positiva com a saúde e a longevidade. Quanto mais alto você estiver na escala sócio-econômica, melhores são suas chances de saúde e longevidade. Isso é tão forte a ponto de o autor do livro dizer que a sua posição sócio-econômica é o mais forte fator de risco de doença e morte no mundo. Isso não quer dizer, por óbvio, que, se você for pobre irá morrer mais cedo, mas sim que, quanto melhor for sua posição na escala sócio-econômica, menores serão suas probabilidades de sofrer risco de doença e morte. Se diminuir fatores de risco é importante para seus investimentos, eis aqui mais um motivo para você edificar proteção financeira: isso também eliminará um decisivo fator de risco não para seus investimentos, mas para seu próprio bem-estar.
Mas por quê isso ocorre? Porque ter segurança econômica lhe permite administrar melhor a tensão, e, administrando melhor a tensão, você estará sujeito a menos conflitos de escolha (trade-offs). Como diz o autor (p. 195-196):
“Quanto mais alta sua posição sócio-econômica, mais opções você tem; quanto mais flexibilidade você tem em como gastar o seu tempo, maior o seu senso de controle sobre a sua vida em geral. Esse controle e esse ganho de poder podem ser especificamente importantes para a sua saúde, já que os estudos sugerem que a falta de poder pode ser mortal.[…] Pessoas em empregos muito exigentes ou extenuantes e pouco controle correm maior risco de doença cardíaca e mortalidade. Pesquisa recente indica que o elemento realmente tóxico dessa tensão no trabalho não é a alta exigência sofrida neles, é o baixo nível de controle de emprego, que se revela o ingrediente mortal”.
Parte 5 | Fé e significado: dimensões existenciais, religiosas e espirituais da saúde
A nossa saúde física não é afetada apenas por questões biológicas, financeiras, sociais ou comportamentais: o modo como lidamos com reveses na vida tem uma profunda influência sobre nossos indicadores de saúde, e isso acaba se refletindo em nossa longevidade. Mas por quê isso ocorre? Por quê pessoas que sofreram grandes traumas no passado – pense, por exemplo, nos sobreviventes do Holocausto – tiveram a capacidade espiritual de superar esses mesmos traumas e vencer essas batalhas terríveis?
Porque elas descobriram significado e sentido na vida após esses traumas. Porque elas usaram essas experiências como catalisadores de mudanças positivas, e isso é uma das estratégias mais adaptadoras que uma pessoa pode escolher para fazer sentido. Nisso reside o poder da fé e da religião (p. 244):
“A religião e a espiritualidade oferecem às pessoas esquemas ou planos para enfrentar as dificuldades da vida. A religião, pode-se dizer, é um caminho para o significado”.
A essa altura da resenha, você deve estar se perguntando: mas por quê esperamos a chegada da adversidade para dar valor à vida? Achei a resposta nesse magnífico trecho da obra (p. 260):
“Por que tantas vezes esperamos que a adversidade se abata antes de começar a valorizar o lado bom da vida? Eu fico fascinado com o fato de que o esmagador número de estudos sobre a descoberta de significado trata sua descoberta após a adversidade. É quase como se a adversidade fosse um chamado existencial para despertar, dizendo-nos que a vida é muito mais do que trabalho, contas, preocupação e posses materiais. A maioria de nós sabe que a vida é mais do que essas coisas, mas estamos tão consumidos pela disputa da corrida que jamais vemos o cenário. A adversidade não cria o bom da vida nem transforma nossas prioridades. Mas faz-nos reconhecer e valorizar essas coisas. Reconcentra nossa atenção, arrasta-nos de volta ao lugar emocional e psicológico onde poderíamos ter pretendido estar o tempo todo mas perdemos – ou simplesmente jamais julgamos que estivesse à nossa disposição. Assim, a pergunta é: por que esperar pela adversidade para descobrir um maior sentido e propósito?
Parte 6 | Ligações: com as emoções, com o futuro
As emoções ocupam o papel central na nova definição de saúde proposto pelo autor, pelo fato de que os demais fatores (otimismo, relações sociais e econômicas, revelação, descoberta de sentido), antes de exercer efeitos sobre a saúde, primeiro têm impacto sobre as emoções. Ou seja, as emoções são um caminho pelo qual as outras dimensões da saúde (econômica, social, espiritual etc.) viajam para poder afetar a saúde, e isso se manifesta de modo mais vívido em momentos de tensão.
No final, o autor faz uma série de previsões sobre o futuro, em que ele acredita que, dentre outras coisas, as emoções positivas desempenharão papel fundamental para determinar a longevidade dos indivíduos, e que novas terapias sem drogas irão revolucionar o modo de tratar doenças.
Nesse contexto, recomendo fortemente a leitura da resenha do livro Felicidade autêntica, de Martin Seligman, o melhor livro que já li na área de psicologia positiva, e com dicas bastante práticas sobre como desenvolver emoções positivas para ter uma vida com mais saúde e mais bem-estar.
Conclusão
Esse é um livro que demonstra por A+B que ter longevidade não significa apenas viver muito: significa, antes e sobretudo, viver bem. Normalmente, pessoas que vivem muito, por uma incrível coincidência (ou nem tão incrível assim, depois da explicação científica desse livro), também vivem bem. Imagine-se convivendo com dois amigos irmãos gêmeos. Um é carrancudo, bravo, estressado, não sorri em fotos, vive de mal humor. Outro é alegre, de bem com a vida, mostra 32 dentes quando vê uma câmera digital, é engraçado e bem disposto. Qual deles você acha que viverá mais? Mais importante: qual deles você acha que está vivendo melhor?
Pense por um instante naquelas pessoas que você conhece, que viveram mais. Aposto que a maiorida delas também viveu melhor, de “mais bem com a vida”. Ter uma saúde a mais perfeita possível em todas as suas mútiplas dimensões é um desafio e tanto no meio desse mundo conturbado, apressado e conflituoso, mas não é impossível. Adotando os hábitos apropriados, é plenamente possível viver mais e viver melhor. Trate, portanto, de promover a vida – a sua vida – em todos os bons aspectos em que ela merece de um “upgrade”. Essa é uma receita perfeita para uma vida longa e, o que é melhor, recompensadora.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Não sou muito fã de resenhas, mas achei essa muito legal. Bacana também foi a história de como vc chegou ao livro.
Por essas e outras que, quando estou em livrarias, tento dar uma volta também nas outras seções.
O estilo de vida atualmente, principalmente das cidades grandes, é uma armadilha pra diversos problemas psíquicos e de saúde na minha opinião. É muita cobrança, muita pressão, muita preocupação e muito stress pra pouca diversão. Vida profissional mais importante que a vida pessoal, a exigência é cada vez maior. Não há ser humano que aguente. Olha a que ponto chegamos: shopping virou símbolo de lazer no final de semana. Comprar supérfluos se tornou uma diversão. Deus me livre! rs…
Abcs,
MJC, obrigado! Concordo: os passeios em livrarias sempre rendem bons frutos e boas ideias de novas leituras!
FI, vc disse tudo, meu caro. Toda essa pressão acaba estourando na saúde. Tenho visto com preocupação o aumento dos casos de AVC, até entre pessoas mais jovens (com menos de 50 anos).
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Puts, até agora estou pensando em ursos brancos.
Abraço Guilherme, bom final de semana.
Kkkk……valeu Jônatas, bom final de semana pra vc tb!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Muito bom seu texto, Guilherme. Aliás, eu adoro as resenhas!
Então, hoje aconteceu algo engraçado…Eu estava sentada num quiosque quando uma senhorinha pediu para apoiar no meu braço para sentar do meu lado. Eu a ajudei e começamos a papear. Ela me contou que tinha 99 anos e que tinha vindo da Espanha para o Brasil em 1918! Eu fiquei encantada, parecia que ela tinha uns 80. Por mim, ficava horas horas batendo papo com ela…
Mas daí passei o dia pensando nisso, como alguém consegue viver tantos e tantos anos e chegar aos 99 com tanta disposição e bom humor…e eis que leio este texto.
Realmente acasos não existem. E borá começar a semana com mais alto astral já que está mais que comprovado que este é o grande fator para a longevidade. 😉
Legal Guilherme! Gosto bastante das suas resenhas!
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O livro parece ser bem interessante. O enriquecimento emocional é tão importante quanto o financeiro. Este assunto longevidade muito me interessa.
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Abcs
Camilla, muito legal seu depoimento! Fantástica a longevidade dessa senhora de 99 anos…queiramos nós estarmos também com o mesmo pique quando chegarmos aos 3 dígitos de idade!!!
Willy, valeu! Longevidade sob todos os aspectos: essa é a meta!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!