Em matéria publicada na edição de abril da revista de finanças pessoais norte-americana Kiplinger´s, com o interessante título “Think ahead, but not too far ahead” (pense no futuro, mas não muito à frente), foi narrado o caso de um jovem trabalhador solteiro da Filadélfia, de 26 anos, que apresentava uma situação financeira bastante confortável.
Ele já tinha quitado seus débitos estudantis (uma das 3 grandes dívidas da típica vida de um norte-americano de classe média, ao lado da aposentadoria e da casa própria), estava realizando contribuições regulares para o plano de previdência privada patrocinado pela sua empresa (os tais planos 401(k) – aproveitando todo o benefício fiscal disponível), e, como se não bastasse tudo isso, ainda tinha uma gorda reserva de emergência (o popular colchão de segurança). Para complementar, ainda tinha U$ 25 mil como carta na manga no bolso, e estava na dúvida sobre como aplicar essa dinheirama toda. Daí, resolveu enviar a dúvida para a revista.
Além de ter um histórico financeiro invejável quando comparado com a maioria de seus pares, o jovem leitor estava envolvido numa situação que pode se assemelhar a de muitos brasileiros que estão em situação similar, ou seja, jovens, solteiros, com bons empregos no início de carreira, donos de um bem forrado colchão de segurança, já executando planos de aposentadoria financeira e com sobras para investir um dinheiro disponível, “líquido”, que não está nem no colchão de segurança (porque não precisa, afinal, o colchão já está formado), nem no plano de independência financeira (que já está bem solidificado, com aportes sendo realizados no limite do benefício fiscal disponível). O que fazer, então, com essa quantia líquida disponível em caixa? A resposta está no título desse texto de hoje: “Filling the gap”, ou seja, preencha o vazio, a lacuna; de maneira que você “think ahead, but not too far ahead” (pense no futuro, mas não muito à frente), como diz o texto da reportagem da revista.
Eis a conclusão da matéria (p. 28), no ponto que nos interessa:
“Filling the gap. Ian´s financial start puts him ahead of many – if not most – of this peers. But his story is also a reminder that there´s a long, long time between the first job and the last one. Financial planners say it´s easy but wrong to overemphasize retirement savings when you´re unlikely to be retired for a few decades. […] He´s heavy on the two extreme ends – short-term emergency cash and retirement savings – but has left a gap in the middle” (sem destaques no original).
Numa tradução livre, com o apoio de sempre do nosso Google Tradutor:
“Preenchendo a lacuna. O “start” financeiro de Ian o coloca à frente de muitos – senão a maioria – de seus pares. Mas sua história é também um lembrete de que há um longo, longo caminho entre o primeiro emprego e o último. Planejadores financeiros dizem que é fácil, mas errado, exagerar na poupança para a aposentadoria, quando é improvável que você se aposente em poucos anos. […] Ele está [com seus investimentos] muito concentrado nos dois extremos – o dinheiro de curto prazo para emergências e a poupança para aposentadoria -, mas deixou uma lacuna no meio”.
Será que você não se encontra numa situação semelhante? Está precavido nas duas pontas (emergências atuais e aposentadoria futura), mas lhe falta dinheiro, ou melhor, visão para objetivos intermediários que precisam ser cumpridos no meio do caminho? Será que essa exposição exagerada em ações vale mesmo a pena se você não tem nem carro próprio nem casa própria? Ou então, será que não vale a pena deixar de ser muito conservador e realocar o dinheiro que atualmente está na poupança (para reserva de emergências) em busca de melhor rentabilidade em alternativas mais atraentes, e até mais seguras (além de mais rentáveis), para compra de carro e casa próprias?
Normalmente, para pessoas que já têm um elevado nível de educação financeira e uma invejável capacidade de poupança, o exagero tende a pesar para o extremo futuro – muita economia para a aposentadoria. Daí, você acaba alocando seus investimentos de forma mais agressiva para esse projeto de longo prazo. Não, não está errado economizar para a aposentadoria. Pelo contrário, isso é uma necessidade, tendo em vista o cada vez mais deficitário sistema de aposentadoria estatal, seja ela do INSS ou do regime próprio dos servidores públicos.
O problema, na verdade, está em esquecer que existem outras necessidades que precisam ser supridas no meio do caminho, necessidades essas que precisam ser igualmente supridas com dinheiro de investimentos. Alocar dinheiro em demasia no seu plano de aposentadoria financeira pode, sim, comprometer a realização desses outros objetivos não-financeiros, da mesma forma que é errado alocar dinheiro em excesso em investimentos muito simplificados, (exemplo: poupança), como se a vida fosse uma eterna preocupação com emergências.
Em outros termos, você precisa estabelecer planos para a conquista dessas metas intermediárias, bem como escolher aplicações financeiras que sejam compatíveis e coerentes com essas diferentes fases da vida. E se você tiver condições de pagar por esses bens intermediários sem recorrer ao dinheiro dos outros (dívidas) tanto melhor. Suponha que você queira comprar um carro daqui a 5 anos, seja para substituir o atual, seja para a primeira aquisição. Deixar o dinheiro na poupança não é a melhor opção, tendo em vista a existência de outras alternativas tão ou mais seguras que o conduzam ao mesmo objetivo. Colocar o dinheiro em ações também não é prudente, pois você pode sair com menos dinheiro do que aportou (quem entrou em ações no final de 2007, dependendo das ações, pode agora estar com saldo inferior ao que aportou, e olha que já se passaram 4 anos). Logo, você precisa preencher a lacuna (“filling the gap”), escolhendo veículos de investimentos que lhe dêem retornos maiores que a poupança, mas que sejam mais seguros que a renda variável, de modo a te conduzir de modo mais seguro, porém mais rentável, aos seus objetivos não-financeiros. LCIs, LFTs, CDBs pós-fixados, debêntures e NTN-Bs são algumas das alternativas.
Da mesma forma, se você tiver “caixa”, ou seja, uma elevada capacidade de poupança, e seu planejamento de vida só indique você tenha condições de se fixar de modo definitivo numa determinada cidade daqui a 4, 5 anos (por contingências derivadas do trabalho e suas constantes mudanças de cidade), talvez seja momento de reajustar seu plano de investimentos, dando prioridade ao preenchimento dessa lacuna, consistente na necessidade de trabalhar para adquirir a casa própria. Não se trata de eliminar o abastecimento de seu plano de aposentadoria (para o qual você deve continuar aportando dinheiro!), mas sim de realinhar seus investimentos de modo a refletir melhor a necessidade de aquisição de bens conforme suas circunstâncias de vida. Afinal, se as coisas mudam de significado de acordo com os contextos, você deve igualmente estar preparado financeiramente para lidar com situações que surgem em cada fase de sua vida.
“Think ahead, but not too far ahead”. Que outros objetivos você ainda precisa cumprir no meio do caminho? Será que sua exposição exagerada em ações e outros investimentos de alto risco e baixa liquidez não o está prejudicando no alcance de alguns outros objetivos de curto e médio prazos que farão diferença positiva em sua vida? Pense, por exemplo, nos investimentos necessários para aquele curso de pós-graduação ou mestrado que você pretende fazer. Ou então, na reforma de seu apartamento. Ou ainda, no seu casamento. Não sacrifique bens presentes em prol de sua aposentadoria futura, pois a vida é feita de estados presentes que precisam ser realizados até para dar sentido à vida como um todo. É correto ter preocupação com a aposentadoria futura, o que não é correto é ter uma preocupação exagerada com a aposentadoria futura. Se isso te estiver fazendo “míope” em relação a projetos que necessitam ser realizados com dinheiro no meio do caminho, ajuste as lentes, de modo a que você tenha uma melhor visão da realidade que te espera, não só para daqui a 30, 40 anos, mas também para daqui a 5, 10, 15 ou 20 anos. Boa sorte! 😉
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Em seu artigo “Macete para obter redução/isenção na mensalidade do pacote de serviços do Itaú Personnalité e HSBC Premier: manter custódia de ações na corretora do banco”, você menciona que: “A dica é simples: mantenha a custódia de ações na corretora do seu banco, mas não opere por elas (motivos abaixo enumerados). Se você tiver mais de R$ 100 mil em ações, no caso do Itaú Personnalité, obterá 100% de desconto na tarifa da mensalidade (…)”
Até onde eu conheço, toda empresa com ações listas em bolsa são obrigadas a ter um agente custodiante (que deve ser uma Instituição Financeira, não uma Corretora). Por exemplo, a Vale tem suas ações custodiadas no Banco Bradesco. No entanto, posso negociar ações da Vale por qualquer corretora (não havendo necessidade de ser a Corretora Bradesco). Banco custodiante serve para manter o controle de acionistas; corretora serve para negociar ativos.
Com vistas ao comentário acima, compreendi o que você quis dizer, mas infelizmente para mim não faz sentido.
Pelo que sei, somente é possível negociar através de uma corretora, as ações que se tem vinculadas à mesma. Exemplo: não posso vender ações da Vale pela Corretora X, se eu as comprei através da Corretora Y. O fato de tais papéis serem custodiadas pelo Banco X ou do Banco Z, nada tem a ver com a negociabilidade dos papéis.
Poderia me explicar melhor a sua assertiva acima? Trata-se exatamente do meu caso e gostaria muito de ter a isenção mencionada.
Parker
Pelo que entendi, o Guilherme sugere separar aquelas ações que você compra e senta (médio ou longo prazo) e deixar custodiadas no banco. E, se for o caso, operar no curto prazo usando uma corretora independente.
Parabéns! Valores Reais sempre veiculando material de excelente qualidade e utilidade.
Continue assim!
Esse artigo é a minha cara algumas semanas atrás!
Grande abraço Guilherme.
Continue firme companheeiro!
Muito bom o artigo Guilherme. Quem se esquece das necessidades imediatas e próximas em prol de um futuro distante passa a ser um “entesourador”, que não é exclusividade da espécie humana. Alguns animais acumulam provisões muito maiores que seu consumo pela vida… Afinal, não dá pra começar a viver só na aposentadoria. Perfeito sua lembrança sobre os objetivos que cada um tem.
um abraço
leandro
Parker, é exatamente o que o MJC disse. Sei que todas as ações devem estar guardadas numa instituição custodiante, mas, para efeitos de isenção de tarifas, é bom separar aquelas ações das quais vc não irá operar e guardá-las numa conta de corretora de banco que lhe ofereça a possibilidade de isenção de tarifas. Se for operar com alguma delas, é mais vantajoso solicitar transferência de custódia para uma corretora independente, e vendê-las nessa corretora independente. Nesse ponto, o Itaú oferece menos burocracia para transferência de custódia do que o HSBC.
Luciano e Leonardo, obrigado!
Leandro, valeu! Não sabia que na natureza também existem “entesouradores”……
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
É isso aí, Guilherme. Já tinha falado sobre isso um tempo atrás.
Tem um ditado grande que eu ando seguindo ultimamente e que me fez aproveitar mais a vida: É fato que não se leva nada da vida, mas até chegar ao fim dela, temos um longo caminho a percorrer. E pensar apenas no fim significa ignorar tudo o que acontece no meio!
Abraços!
“E pensar apenas no fim significa ignorar tudo o que acontece no meio!”
Sábias palavras, Leandro!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!