Semanas atrás, ouvindo o podcast da Mara Luquet na rádio CBN, me deparei com a notícia de que havia até torcida organizada no Twitter 😛 para que o Ibovespa superasse a marca de 73.516 pontos, atingida em 20 de maio de 2008 (no fechamento do pregão), e que constitui o seu topo histórico (pelo menos em termos de fechamento, não estou considerando o topo intraday de 73.920).
Será? Como afirmado no título desse texto, a resposta é “não”. Não, o Ibovespa não está perto de atingir seu topo histórico. E isso por uma razão muito simples: em virtude da inflação. De 2008 para cá, ela tem subido consistentemente, sendo que esse ano está subindo com mais força ainda, principalmente o IGP-M (quase 10%), conforme bem afirmado no post do Clube do Pai Rico.
Em termos nominais, em termos brutos, pode até ser que estejamos próximos de quebrar um novo recorde na Bolsa. Porém, o investidor inteligente não deve analisar seus investimentos apenas sob a ótica nominal. Ele deve descontar a inflação do retorno nominal de seus investimentos. Veja bem: descontar, e não simplesmente subtrair. Para calcular corretamente a rentabilidade real de seus investimentos, nada melhor do que indicar o melhor artigo já escrito a respeito, com direito a planilha 0800 e tudo o mais :D: Ilusão inflacionária – Como calcular a rentabilidade real de um investimento?, escrito por Henrique Carvalho, no blog HC Investimentos.
Um exemplo irá facilitar melhor a compreensão dessa questão de distância do topo histórico. Um investidor mais desavisado que tivesse, hipoteticamente, investido R$ 73.516 lá em 20.05.2008, num fundo de índice passivo atrelado ao Ibovespa (estou desconsiderando as taxas de administração e impostos), e percebesse que o índice, também hipoteticamente, voltasse aos mesmos 73.516 pontos, agora, fazendo seu dinheiro retornar ao patamar daquele único aporte no investimento, diria alguma coisa como:
“Ah, enfim, agora que zerei as perdas, irei resgatar o valor do fundo.”
Na verdade, ele não zerou as perdas, pois R$ 73.516 compram, hoje, muito menos bens e serviços que compravam lá em maio de 2008. E isso justamente por conta dos efeitos nefastos da inflação, seja lá qual o índice que for utilizado (e isso sem contar, obviamente, o peso dos impostos e eventuais taxas de administração e corretagem, que diminuirão ainda mais o retorno final líquido do investidor).
A lição que fica disso tudo é muito simples: você deve ter investimentos que sejam capazes de, no mínimo, preservar o poder de compra de seu dinheiro. No mínimo. Isso porque, ao investir R$ 1, você estará deixando de consumir esse R$ 1 hoje num produto “X”, na expectativa de poder consumir esse mesmo produto “X” no futuro. Ocorre que, como esse produto “X” estará custando, no futuro “R$ 1 + Y%” (sendo o Y% representado pela aumento de preço), é necessário que seu investimento, no mínimo, tenha uma rentabilidade líquida de Y%. Rentabilidade líquida, isto é, descontados impostos e taxas. Senão não valeria a pena poupar e investir.
Se você investiu R$ 1, e esse R$ 1 virou R$ 3, mas o produto “X”, que então custava R$ 1, agora custa R$ 3,50, seu investimento não lhe proporcionou ganhos de verdade (ganhos reais). Embora a rentabilidade nominal tenha sido positiva, a rentabilidade real foi negativa. E é com a rentabilidade real que você, afinal de contas, terá que lidar, na hora de consumir lá na frente. É ela que conta. Rentabilidade bruta é apenas pra inglês ver. 🙂
Da mesma forma, não adianta nada você ter passado de R$ 100 mil (final de 2009) para R$ 105 mil (final de 2010), correspondendo a um ganho bruto de 5%, se, nesse mesmo período, a inflação tiver sido de 10%. Seu dinheiro perdeu da inflação. Portanto, tomem cuidado com afirmações que vagam por aí dizendo que a caderneta de poupança seria o investimento mais seguro do mercado. Não é. Confiram mais a respeito nesse excelente artigo Melhores Sites e Links para Índices Financeiros – E uma Planilha!, também do HC Investimentos.
Em suma: tomem cuidado com retornos apenas nominais de seus investimentos. Verifique se eles estão também garantindo seu poder de compra, isto é, preservando seu valor real. A inflação é um inimigo oculto que deve também ser monitorado.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
p.s.1: como os efeitos da inflação geral repercutem de modo diferente, ou seja, de maneira individualizada, para cada pessoa – pois umas gastam com combustível e aluguel, outras não, umas gastam com transporte público e certas comidas, e outras não, umas compram pão, e outras não, e assim por diante – sugiro a leitura de um criativo artigo no Efetividade.blog, escrito pelo Jônatas, intitulado O que é inflação? Crie seu índice inflacionário!
p.s.2: para uma análise do fenômeno inflacionário sob outra perspectiva, leiam A inflação é uma convicção ou uma experiência?
p.s.3: ainda bem que o jogo de ontem foi só amistoso. Pois imagina como seria dureza perder da Argentina aos 47 do segundo tempo se o jogo valesse título….rsrsrsrsr
Ótimo texto hotmar !! 🙂
Existe um “truque” para que seja facilmente visualizado o que você disse. Como ? Olhando o gráfico do índice futuro. Veja que por ele estamos lonnnge do topo histórico …
Isso acontece pois a cada novo vencimento é acrescentado uma taxa de juros em toda a série histórica. 😉
(ok … não é a inflação, mas é uma taxa de juros “x” e serve apenas como exercício de visualização da distância do topo de 2008 ;))
Abraços !
Guilherme,
A poupança irá apenas garantir a não corrosão do dinheiro pela inflação esse ano. Ficará tudo em 0 x 0. Ainda pode acontecer de a inflação ganhar no finalzinho, fazendo um gol ao 47 do segundo tempo. Portanto, falar que colocar dinheiro na poupança é investir, hoje em dia, é errado.
O texto do HC é fantástico, uma aula realmente.
Obrigado pela citação do Efetividade.blog
Abraço!
A inflação no Brasil ainda tem sido muito alta. Descontando a inflação vemos que os ganhos reais das aplicações financeiras são bem pequenos, quando ganham da inflação.
É triste mas é verdade.
Muito bom Guilherme!
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Estes dias estava me perguntando se vale a pena/faz sentido criar um índice próprio de inflação ou não. Vou dar uma lida neste artigo do Jônatas. Valeu pela indicação.
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Abcs
Muito bom esse artigo.
O grande vilão dos investimentos é a inflação e o governo até o momento está devendo fazer a sua parte pra manter a inflação na meta de 4,5% que acredito ser difícil de fechar o ano neste percentual. Nem um compulsoriosinho o BC aumentou, aí fica difícil já que o governo continua gastando como nunca.
Abcs,
Muito bom Guilherme!
Gostaria de deixar um link para uma análise que fiz no Viver de Renda, mostrando que tomando a pontuação do Ibov como 4.000 em julho de 1994, teríamos hoje (descontando toda a inflação do período), um Ibovespa em torno de 20.000 pontos!
http://viverderenda.blogspot.com/2010/11/como-projetar-o-retorno-esperado-do.html
Surpreendente não é mesmo?!
Abraços!
Mais um aspecto traiçoeiro e ilusório para quem analisa padrões de preços em gráficos, já que eles são sempre vistos de forma nominal.
Boa análise. Presumo que você ouve Mara Luquet por masoquismo.
Zé, muito interessante essa dica, não conhecia!
Jônatas, concordo.
I.F., é o tal do “inimigo oculto”.
Willy, eu acho que vale a pena!
F.I., de acordo.
Henrique, surpreendente mesmo! É aquilo que sempre digo: rentabilidade nominal é uma ilusão. Temos que tomar cuidado!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!