Livros que ficam na área de intersecção entre psicologia, ciência cognitiva, filosofia e economia comportamental têm me despertado bastante atenção nos últimos meses. Não só porque é um novo campo de conhecimento a ser explorado por mim, mas também porque me permite ter uma visão mais clara acerca de fenômenos que ocorrem em nosso dia-a-dia, mas para os quais até então eu não havia encontrado respostas satisfatórias.
Dentro desse contexto, fui buscar na leitura do livro “O que nos faz felizes”, de Daniel Gilbert, explicações para alguns desses fenômenos. Antes de mais nada, vale esclarecer que esse não é um livro de auto-ajuda, como poderia supor quem lesse apenas o título. Assim, esse livro não nos ensina como “ser mais felizes”, como bem destaca o autor em seu prefácio. Aliás, o título da versão brasileira, na minha opinião, foi mal elaborado (talvez para atrair leitores), não só por causa disso, mas também porque não tem nada a ver com o título da versão original, que é “Stumbling on happiness”, que seria algo como “tropeçando na felicidade”.
O subtítulo explica melhor a função principal do livro. O subtítulo é: “o futuro nunca é o que imaginamos”. Aí, sim, temos um subtítulo que condiz com o conteúdo da obra, porque Gilbert se propõe a explicar porque temos tanta falha em prever nossos futuros emocionais. Vamos lá, então, mergulhar na obra de Daniel Gilbert? 😀
Título: O que nos faz felizes
Autor: Daniel Gilbert
Número de páginas: 262
Editora: Campus-Elsevier
Preço médio: R$ 50
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I – Prospecção
O que diferencia o ser humano das demais espécies animais é a sua capacidade exclusiva de pensar sobre o futuro. Nesse afã, temos o desejo insaciável de controlar nossas experiências futuras. O problema é que muitas vezes falhamos em prevê-lo, porque boa parte de nossa previsão sobre o futuro fica condicionada às nossas experiências presentes, e o que ocorre no presente não necessariamente irá se repetir no futuro.
II – Subjetividade
O grau de felicidade de uma pessoa sempre é influenciado pelo conjunto de experiências do qual ela participa, ou seja, a felicidade sofre a influência da subjetividade. Gilbert conta a história de duas irmãs gêmeas, Lori e Reba, que se consideram mais felizes do que a média. Até aí tudo bem, não fosse o fato de elas serem gêmeas siamesas. E a maioria dos gêmeos siameses que não foram separados por cirurgias, e que foram entrevistados, também se consideram mais felizes do que a média.
Ocorre que qualquer observador que não seja também um gêmeo siamês acharia o contrário, isto é, que gêmeos siameses são menos felizes do que qualquer outro tipo de pessoa. E isso pode ser notado com facilidade quando lemos a notícia de que, tão logo gêmeos siameses nascem, os médicos logo procuram um meio de separá-los, para que possam ter vidas em corpos separados, supondo, com isso, que serão mais felizes separados fisicamente do que juntos, quando a realidade indica exatamente o contrário, isto é, que eles não só vivem felizes, como vivem mais felizes do que os outros não siameses.
III – Realismo
Quando nos defrontamos com a necessidade de tomar uma decisão, usamos a imaginação, ou seja, tentamos prever como vamos nos sentir em cada uma delas. Ocorre que a imaginação tem falhas, muitas das quais originadas de falhas da memória (modo como vemos o passado), e falhas de percepção (faculdade que nos permite olhar para o presente).
Em relação à memória, é interessante observar que não retemos integralmente 100% das experiências passadas, selecionado apenas aquelas informações essenciais, e preenchendo outras com a imaginação. O mesmo ocorre em relação às nossas percepções do presente: guardamos o essencial, e preenchemos o resto com nossa imaginação. E são esses mesmos preenchimentos de nossa imaginação que provocam as falhas ao imaginar nossas emoções futuras.
Temos, ainda, a incapacidade de guardar na memória informações sobre o que não aconteceu no passado, ou seja, somos incapazes de pensar sobre a ausência. E essa falha também repercute sobre nossas previsões futuras (p. 93-94):
“Da mesma forma que temos a tendência de tratar os detalhes de eventos futuros que imaginamos como se eles realmente fossem acontecer, temos também a tendência, igualmente problemática, de tratar os detalhes que não imaginamos como se eles não fossem acontecer. Em outras palavras, não consideramos o papel da imaginação em preencher esses detalhes, mas também não consideramos os detalhes que ela deixa de lado […] Quando imaginamos o futuro, muita coisa fica de fora, e essas coisas que ficam de fora não são insignificantes”.
Gilbert dá o exemplo dos torcedores dos times de futebol universitários. Imaginamos que eles ficarão muito felizes depois da conquista dos jogos. Entretanto, o nível de felicidade deles, após a conquista do título, não é tão alto quanto imaginamos, pois a vida segue depois do campeonato – eles vão para aulas, fazem provas, concluem o ano letivo… são esses detalhes que ficam de fora de nossa imaginação que influenciam na vida futura mais do que o evento que fica dentro da imaginação (a conquista do título), e, portanto, apesar de não serem previstos pela nossa imaginação, assumem um papel significativo na influência de nossas emoções futuras.
IV – Presentismo
O presentismo é a tendência de a experiência atual influenciar nossos pontos de vista sobre o passado e o futuro. Por exemplo, na década de 1950, as bibliotecas dos EUA estava cheias de livros que descreviam uma suposta “era atômica” (cidades com redomas de vidro, carros voadores, e por aí vai…), e outros cujo conteúdo previa um mundo parecido com o do desenho “Os Jetsons”. E alguma coisa disso aconteceu? Nada. E isso ocorre não somente em relação ao passado, mas também ao futuro. Imaginamos o futuro como se fosse uma versão um pouco modificada do presente. Gostei particularmente desse trecho (p. 106):
“Se o passado é uma parede com buracos, o futuro é um buraco sem paredes. A memória usa a função do truque do preenchimento, mas a imaginação é esse truque, e se o presente dá apenas um pouco de cor ao nosso passado, aquilo que imaginamos sobre o futuro é totalmente impregnado por ele”.
E com razão. Eu imagino, por exemplo, que o assunto “investimentos e finanças pessoais” continuará concentrando boa parte de minha atenção nos próximos dez anos, embora preveja que isso poderá não ser tão forte quanto no momento atual, em virtude de, provavelmente, gastar mais tempo com coisas como cuidados com futuros filhos, carreira etc. Essa minha previsão do futuro, como se vê, está ligada de forma indissociável ao momento presente.
Tudo isso pode soar como provável e até se concretizar. O problema é que, há dez anos, se me dissessem que eu ia me interessar por investimentos, aplicar num negócio chamado ações, e inclusive ter um blog sobre o assunto (!!!), eu provavelmente não acreditaria nessa pessoa – além de tachá-la de maluca (principalmente na parte de “ações”….kkkk).
Aliás, você, você mesmo, estimado leitor, estimada leitora, imaginava, lá pelos idos do ano 2000, se interessar por finanças pessoais com a motivação que tem hoje!?
V – Racionalização
Uma das capacidades mais interessantes do cérebro humano é racionalizar sobre os eventos, qualquer tipo de evento, inclusive os mais traumáticos, como acidentes e perda de parentes próximos. Isso faz com que, embora os eventos negativos nos afetem, eles não nos influenciam tanto e por tanto tempo quanto em geral esperamos.
Quando nós passamos por experiências reais, temos a tendência de buscar meios de como aproveitá-las mais, às vezes criando ilusões. Por exemplo: podemos achar um investimento, um carro, um político, ótimos, mas, quando passam a ser nossos investimentos, nossos carros, e nossos políticos, passam a ser excelentes. Isso também nos permite manipular os fatos, aceitando apenas o que nos parece críveis. Vivemos no limite entre a realidade e a ilusão, e tal fato cria para nós um sistema de imunidade psíquica, que nos protege da infelicidade, assim como temos um sistema de imunidade biológica, que nos protege das doenças.
E aí vem um dado curioso: como é mais fácil para nós criar uma visão positiva das ações do que das inações, acabamos nos arrependendo mais daquilo que não fizemos do que daquilo que fizemos. E isso por uma razão lógica: nos lembramos das experiências quais passamos (as quais nós tendemos a dar mais credibilidade do que realmente foram, em virtude da nossa capacidade de manipular os fatos), mas é impossível nos lembramos das experiências pelas quais não passamos! Ora, como guardar na memória aquilo que não existiu? Como seria a vida se tivéssemos feito aquele curso, aproveitado aquele negócio, gastado mais tempo com nossa família…? São dessas coisas – que afinal não existiram em nossa experiência – que nos arrependemos mais (é o famoso “e se…”). As que existiram, nós damos um colorido especial, valorizando-as, e, portanto, tendem a ser uma fonte menor de arrependimento.
VI – Corrigibilidade
O conhecimento pode ser adquirido ou por experiência própria ou por meio da experiência dos outros. A memória humana tem um truque de selecionar, dentre as experiências passadas, as que são mais incomuns. Por exemplo: onde você estava e o que estava fazendo no dia 11 de setembro de 2001? E no dia 10 de setembro de 2001?
Essa falha de memória tem um problema, na medida em que isso repercute para o futuro: acabamos achando que essas experiências incomuns são as que mais tendem a se repetir no futuro. Ou seja, transformamos coisas incomuns em coisas comuns. Quer saber por quê as filas de supermercado em que você entra são sempre mais lentas do que as filas dos outros caixas? Aqui está a resposta (p. 186):
“Nos lembramos das filas lentas do supermercado porque prestamos atenção a elas, não pelo fato de as filas lentas serem comuns [com todos, acrescento eu]. No entanto, como não reconhecemos as verdadeiras razões pelas quais nossas memórias chegam tão rápido à nossa cabeça, acabamos concluindo que são mais comuns do que de fato são”.
E isso causa uma série de problemas. Pense, por exemplo, naquelas pessoas que têm medo de viajar de avião. Provavelmente elas alegam, como fundamento dessa atitude, os acidentes aéreos que ocorreram recentemente. São esses acidentes aéreos que ocorreram uma ou duas vezes em anos anteriores que ficam impregnados na memória. As milhares de viagens aéreas que ocorreram sem incidente algum não ficam armazenadas na memória.
O que fazer, então, para melhorar nossa previsão acerca das emoções futuras? É aprender com a experiência dos outros, embora isso nem sempre seja seguido. Diz o autor (p. 206-207):
“Quando as pessoas nos contam suas experiências atuais, elas nos dão o tipo de relato sobre seus estados subjetivos considerado padrão em termos de felicidade. Se você concorda com a ideia (como eu), de que geralmente as pessoas são capazes de dizer como se sentem no momento em que são questionadas, então uma forma de prevermos nossos futuros emocionais é encontrar alguém que esteja vivendo as experiências que estamos pensando em viver, e perguntar a essa pessoa como ela sente”.
Conclusão
O autor diz, no prefácio, que seu livro deve ser pelo menos interessante e divertido, senão não terá valido a pena o leitor ter gastado suas horas com ele. Após a leitura, concluo que a leitura valeu a pena: aprende-se algumas coisas com ele, ao mesmo tempo em que suas páginas proporcionam entretenimento e diversão. Arrisco-me a dizer que a gente mais se diverte do que aprende com “O que nos faz felizes”. Alguns capítulos contém dicas e conselhos úteis – particularmente os dois últimos, que compõe a sexta parte (corrigibilidade) – mas a maioria dos capítulos foi escrita, segundo minhas impressões, para fins primários de entretenimento, dada a pouca utilidade prática.
Esse livro, em seu conteúdo, me lembra bastante o Positivamente irracional, de Dan Ariely. É inegável que há muitas passagens que nos fazem refletir bastante no livro de Gilbert, mas o excesso de pesquisas citadas às vezes torna a obra um pouco enfadonha e difícil o acompanhamento do raciocínio do autor, apesar da sua preocupação com a didática.
Além disso, o autor às vezes exagera no tom de humor em alguns exemplos, como se quisesse “forçar” o leitor a rir de algumas situações que, para ser sincero, não tem graça alguma (como a morte de filhos, infidelidade conjugal etc.).
No balanço final, trata-se de um bom livro. Um passatempo divertido como quer o autor, e com uma pitada de utilidade, nos dois últimos capítulos.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Me impressionou a conclusão do grau de felicidade em gêmeos siameses ser maior do que nos não siameses. Só fiquei com uma dúvida. São mais felizes em comparação aos gêmeos ou as demais pessoas em geral?
Seu exemplo particular do capitulo IV (presentismo) acredito ser o de todos. Quando olhamos para o futuro nos parece ser tão claro o rumo que nossa vida irá tomar, mas ao voltar tempo semelhante no passado, vivemos o hoje bem diferente do que havíamos imaginado.
No capitulo V (racionalização) a exceção é quando fazemos uma grande burrada, aí nos arrependemos e temos a tendência de ficar lamentando o fato e nos martirizando.
Capítulo VI. Gosto somente de cometer erros inéditos. Erros que eu mesmo já cometi ou outras pessoas cometeram é burrada eu cometer novamente. Sempre me falo: Erre, mas somente erros inéditos.
Guilherme. Estava pensando em comprar e ler o livro até ler sua conclusão. Não gosto de sacarmos na abordagem de temas sérios.
Valeu por mais uma excelente resenha.
Abraço!
Guilherme,
.
tu es uma máquina de resenhar livros. 😛
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Abcs
Jônatas, são mais felizes que as demais pessoas em geral.
Quanto ao presentismo, concordo com você, todos sentimos as mesmas coisas em relação aos fenômenos intertemporais, bem como à dificuldade em prever o futuro.
Sobre a racionalização, é verdade, tanto que originou aquele famoso provérbio: “se arrependimento matasse…”
No que tange aos erros, 100% de acordo!
Sobre a conclusão, é isso mesmo. Eu tinha uma certa expectativa em ler o livro, mas ele no geral ficou aquém das expectativas. Acho que vale um empréstimo na biblioteca local ou compra de um usado (meu caso). O que valeu mais a pena foram os 2 últimos capítulos, principalmente na parte do “jogo de transmissão de crenças”, que eu não consegui abordar na resenha, mas espero fazê-lo futuramente.
Obrigado!
Willy, nem tanto…….rsrsrs……. 😆
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Boa noite!
Fiquei um pouco espantado com o último parágrafo de sua resenha. Será que é o jeito do autor de encarar a vida e os problemas?
Abraços,
Boa noite, FinInt!
Acredito que não. Ocorre que o autor parece que quis “forçar a barra” com humor, com algumas situações hipotéticas, e essa “forçação” de barra acabou pegando mal – pelo menos na minha opinião.
Um livro tem que decidir de que tipo será: bem-humorado, leve e divertido, ou técnico e sério. Não dá pra ficar em cima do muro, indeciso. “O que nos faz felizes” acabou falhando nesse aspecto.
Um excelente livro, com doses de humor na medida exata para explicação de seus conceitos, é o “Idéias que colam”.
Isso não tira a qualidade do conteúdo do “O que nos faz felizes”, mas acaba tirando um pouco do seu brilho no trato com as coisas. Ele coloca o leitor em situações embaraçosa, ao pedir para que o leitor imagine determinadas cenas hipotéticas acontecendo com ele, leitor. E nisso perde pontos, ainda mais quando tenho condições de compará-lo com outros livros do mesmo gênero, igualmente resenhados aqui.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Suas resenhas são ótimas e seus feeds são os meus preferidos sobre livros, parabéns.
Obrigado, Tiago!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Enganado por sinópses, resenhas e recomendações extremamente favoráveis (de autores como Steven Levitt e Daniel Goleman), comprei o livro em clima de muita expectativa. A duras penas, consegui ler as primeiras quarenta páginas e, contrariando meu hábito, acabei abandonando a leitura.
Minha impressão é que o autor roda em círculos e não chega a lugar nenhum…
Decepcionante ao extremo.
Realmente, o livro ficou abaixo das expectativas…
Guilherme,
Achei interessante os gêmeos siameses unidos serem mais felizes, sempre pensei que fosse exatamente o contrário.
Gostei da maneira como escreveu essa resenha, colocando sua opinião em relação a parte boa e ao mesmo tempo dando destaque ao que não gostou.
Eu gostei quando o autor diz que o passado é como uma parede com buracos enquanto o futuro é como um buraco sem paredes. Nunca pensei dessa forma, e vi que faz muito sentido.
Abraços!
De fato, Rosana, procuro sempre destacar os pontos positivos e negativos de cada obra que leio, a fim de que o leitor possa ter uma melhor visão da obra em questão.
Sobre a metáfora das paredes, é bem por aí mesmo, faz bastante sentido.
Abç!
Bom dia. Havia algum tempo que não encontrava um site tão esclarecido, bem elaborado, elegante.
A escrita e os comentários são ponderados, inteligentes e instigantes.
Parabéns!