Em mês de eleições presidenciais, é comum que as matérias de capa das grandes revistas de circulação nacional dediquem-se a temas políticos. Por isso, fiquei surpreso ao receber, ontem, o meu exemplar da revista Época, com a sua tradicional edição anual de capa sobre finanças pessoais.
Com o sugestivo (e perigoso, para os mais incautos) título “Um guia para ficar milionário”, apresentava “os melhores conselhos para investir em 2011”, nos segmentos ouro, Bolsa, imóveis, fundos e renda fixa. Como se trata de uma publicação dirigida essencialmente a um público que, em sua, infelizmente, esmagadora maioria, não tem educação financeira, logo comecei a ficar preocupado (ainda mais com um título desses estampado em letras garrafais…): será que vão projetar rentabilidade de 20% a.a. na Bolsa (como alguns livros nacionais chegam a simular, como se isso fosse factível e comum no longo prazo)? Será que irão omitir os custos dos investimentos em renda fixa, vale dizer, as famigeradas taxas de administração? E sobre o dólar: irão dizer que agora é um bom momento de comprar para investir? E sobre imóveis, será que falarão para aproveitar a onda do mercado imobiliário e garantir logo sua casa própria, aceitando qualquer taxa de financiamento, antes que os imóveis continuem explodindo de valor? E sobre a Bolsa: vão insistir naquela história da carochinha de que investir em blue chips é retorno garantido? Será que vão fazer uma “carteira recomendada” para os próximos 8 anos? E de que a previdência privada complementar é o caminho “mais seguro” para a construção de riqueza?
Dúvidas, muitas dúvidas, e curiosidades… como se sairá a matéria, considerando o contexto de ser direcionada a um público predominantemente leigo em investimentos?
Felizmente, fiquei surpreso à medida que ia avançando na leitura da reportagem. De uma maneira geral, minhas impressões foram muito positivas. Para ser sincero, até além das expectativas. Vamos a elas, pois!
Para começar. A reportagem começa dizendo os principais erros que o investidor pode cometer no seu plano de investimentos: gastos e endividamentos desenfreados, indisciplina para poupar e excesso de conservadorismo. Mostra, também, 5 diferentes composições de carteiras para chegar a R$ 1 milhão, partindo das seguintes premissas: capital inicial de R$ 150 mil, economia mensal de R$ 3 mil (+ R$ 3 mil extras do 13º salário), e rentabilidade anual de 14% para a carteira total, o que já considero difícil (e não 14% para ações, são 14% para a carteira total).
Essa rentabilidade, quando se trata somente de ações, parece um pouco exagerada, em princípio. Porém, considerando uma taxa SELIC de 10,75% a.a., não faria sentido projetar uma rentabilidade para as ações inferior a esse patamar. Deve sempre haver uma estimativa de rentabilidade futura das ações superior à renda fixa, senão não haveria um “prêmio” pelo “risco” a assumir pelas ações. Como as ações historicamente tem rendido 8% a.a. acima da inflação, e considerando a taxa atual de inflação estimada em torno de 5 a 5,5%, é até razoável considerar uma rentabilidade de 14%, para o período considerado – 8 anos, embora essa não possa ser tomada como uma regra geral.
Porém, como as carteiras recomendadas apresentavam um percentual grande em renda fixa, para dar os 14% da carteira, seria preciso que as ações apresentassem, nesses oito anos, desempenho acima de 17% a.a. Aí eu já fico mais cético, ainda mais considerando que crescimento da economia – PIB – tem correlação *NEGATIVA* com o retorno no mercado de ações.
De qualquer forma, a reportagem precisava “fechar um número”, e esse valor, 14%, embora não seja o melhor, e seja até um pouco difícil de conseguir, pode ser factível dependendo das condições em que a carteira for gerida, bem como das rentabilidades que cada classe de ativos pode alcançar nos próximos 8 anos. Bom, mas alguém vai seguir essas carteiras? 😛 Vamos continuar comentando o resto da reportagem, pois!
Ações. Aqui, a matéria explica as diferentes modalidades de investimento em Bolsa de Valores, os riscos envolvidos, as possibilidades de retorno, um breve histórico, e os cenários previstos. Respirei aliviado ao verificar que a reportagem tratou de 3 pontos que considero fundamentais: diversificação reduz o risco (ela comentou inclusive sobre os ETFs, quem diria!), cuidado com as altas taxas de administração, e até um exemplo simples de alocação de ativos (embora não com esse nome, obviamente, para não assustar os leitores). Nessa parte, essa reportagem saiu melhor do que eu esperava, sem oba-oba, o que é ótimo, haja vista, repito, ter sido escrita para um público que não entende de investimentos.
Renda fixa. Explicação básica sobre CDBs, Tesouro Direto, renda fixa pré e pós-fixada. Comentários sobre a tendência de queda das taxas de juros, inclusive fiquei sabendo que ela chegou a bater nos 45% em 1999 (desse jeito não havia mesmo o menor estímulo para investir em Bolsa, já que o prêmio de risco das ações era negativo). Comentários também sobre as taxas de administração, onde se recomendava taxas não superiores a 1,5% a.a. Para fundos ativos, que tentam bater um índice, até vá lá, mas, para fundos passivos, que seguem um índice, como o CDI, o máximo é 1%, para não perder da poupança (o ideal mesmo é entre 0,5% e 0,7%, ou até menos).
Híbridos. Uma explicação detalhada sobre os fundos multimercado e fundos de capital protegido, as vantagens e desvantagens de ambos. Os fundos multimercado apresentam uma composição mista, geralmente parcela em renda fixa, e outra em renda variável, em proporções variadas, além de outros ativos, como dólar etc. Particularmente, não gosto desse tipo de produto. Prefiro investir em fundos “puros” (fundo DI, ETFs etc.), e montar, assim, minha própria “carteira multimercado”, mas sem pagar taxa de administração (pois, no caso, o gestor estará sendo eu próprio).
Imóveis. Aqui está a melhor surpresa da matéria de capa. No índice, aparece assim: “dá para lucrar com a explosão imobiliária – sem comprar imóvel”. Para quem não investe nesse tipo de ativo, não sabe do que se trata. Mas para quem já é leitor assíduo do VR, sabe que a matéria jornalística tratará dos fundos imobiliários. Texto sob medida para iniciantes. Uma pena que o yield mensal atual dos FIIs esteja com baixa atratividade, como podemos inferir da última atualização do blog Eu tô na Bolsa. Aliás, a taxa de retorno dos aluguéis vem caindo, como podemos ver do gráfico disponibilizado no referido blog, mas não por conta da diminuição dos aluguéis, mas sim em função da valorização das cotas. É a primeira vez que leio uma matéria sobre FIIs sendo objeto de reportagem de capa de revista de interesses gerais de circulação nacional (ainda que dividindo a atenção com outros ativos). Já vi os FIIs sendo matéria de capa, manchete principal mesmo, do jornal Valor Econômico, como destaquei em outro artigo: Overdose de fundos imobiliários? Bom saber que esse tipo de investimento vai saindo do gueto dos private da vida e ficando cada vez mais acessível ao pequeno investidor. Só falta uma “crisesinha” para abaixar o valor das cotas….rsrsr….
Dólar. Apesar de estar mais barato, a reportagem não recomenda o investimento em dólar: “o dólar pode até subir um pouco na virada de ano, mas é ruim como investimento. Compre se for para gastar”.
Ouro. É a “febre” do momento, o investimento que mais rendeu no ano (quando comparado com o Ibovespa e a renda fixa), no Brasil. É uma forma de proteção em épocas de crise, como todos sabemos. Eu, particularmente, ainda não me senti estimulado a investir no metal, uma parte em função da sobrevalorização do ativo, outra parte em função de opiniões de gente como W. Buffett e W. Bernstein, embora saiba que ele pode compor muito bem uma cesta de ativos, como bem demonstram os eminentes Henrique Carvalho e Investimentos e Finanças.
Comportamento. A reportagem finaliza com uma entrevista muito boa com Terrance Odean, comentando sobre a influência das emoções no comportamento do investidor. E ele finalizou com chaves de ouro a matéria: “Separe 90% do que você quer aplicar em ações e coloque num fundo de índice, com um horizonte de longo prazo. E, com os outros 10%, faça seus negócios. Divirta-se”. 😀
Conclusão
Como eu disse no começo desse artigo, a reportagem superou minhas expectativas. Trata das diferentes classes de ativos com sobriedade, cautela e sem oba-oba que costumamos ver até em livros de autores brasileiros sobre mercado de ações (quando se trata da questão da projeção de rentabilidade, por exemplo). Fazendo uma ou outra ressalva, por exemplo, na questão da rentabilidade dos 14% a.a. para os próximos 8 anos, que creio ser pouco factível, dado o cenário atual, fez bem a reportagem ao procurar conselhos de profissionais certificados e conhecidos do mercado, para a elaboração dos textos.
Outra coisa interessante foi a exclusão de alguns assuntos que sempre rendem nesse tipo de matéria: a Bolsa como instrumento de especulação, planos de previdência privada complementar do tipo PGBL ou VGBL, e os fundos de hedge. Todos esses assuntos foram omitidos da matéria. Andou bem a revista, pois, como se sabe, esses geralmente não são meios para ficar milionário.
Para o público que já é instruído em investimentos, talvez muita coisa seja repetição daquilo que já sabe. Mas, para quem nunca teve contato com investimentos, a reportagem consegue apresentar uma visão equilibrada do atual panorama de investimentos para o pequeno investidor.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
p.s.: hoje foi publicado meu artigo mensal para o Dinheirama, intitulado: Cinco lições de finanças pessoais que aprendi com meus avós. Não percam! 😀
14% !!! Tudo isso ? Colocando na minhas simulações aqui da minha planilha, com esse percentual, daria pulos de alegria. Quem dera…rs
Oi Guilherme,
Bom saber que as revistas estão ficando mais responsáveis a publicarem matérias que a grande maioria das pessoas a tomam como verdades absolutas. Fico contente.
Abraço, boa semana!
Olá Guilherme!
Parabéns pelo post e é sempre bom saber que a cultura de investimentos no Brasil está caminhando para a qualidade e a preocupação com o investidor. Ainda temos bastante para avançar. Mas já é um ótimo começo.
E obrigado pela citação amigo!
Grande Abraço!
Olá Guilherme,
Muito bom post, será que as coisas estão mudando?
Ao menos reportagens como essa nos dão uma esperança de que são possiveis dias melhores. Quem sabe um dia possamos ter uma população, ou uma grande parte dela, com bons conhecimentos de finanças pessoais. Tenho certeza que nesse dia nosso país terá melhorado muito e com certeza estaremos indo em direção de nos tornar um país de primeiro mundo.
Abraços.
Eu concordo com o José Messias
Quem leu a reportagem e se interessou, com certeza procurou obter mais informações sobre o assunto.
Apesar de alguns números meio irreais como você disse, o fato de uma revista de grande circulação com a Época fazer uma matéria sobre o assunto como a principal da semana é um passo muito bom rumo à maior conscientização da importância da educação financeira.
Abraços,
Sem dúvida, Rosana!
Hoje, felizmente, graças à Internet, ficou bem mais fácil conseguir material de boa qualidade sobre o assunto.
Quando as barreiras de acesso à informação caem, todos saem ganhando.
Abç
Rendimento da carteira de 14% acima da inflação nos próximos 8 anos?? 😯
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Isso que é ser otimista, quem dera, quem dera. 😛
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Abcs
Essa eu vou ter que comprar!
Li também a reportagem e só não gostei da parte dos fundos multimercados pois não gosto deste tipo de investimento. Parece que os reporteres são leitores dos blogs da galera aqui, do Valores Reais, do Henrique Carvalho e também do meu humilde blog, que já recomendamos investir em FII e em ouro há mais de um ano e que batem na tecla da diversificação em ações.
Parabens a todos!!
ID, quem dera mesmo….rs
Jônatas, concordo!
Henrique, obrigado!
José Messias, parece q sim!
Willy, acho q eles leram “Aprenda a ser otimista”….rs
Thaís, vale a pena!
IF, concordo plenamente!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Guilherme,
Recebi esta revista li e gostei bastante. Eu ainda tinha em casa a edição de 2009. É engraçado notar como o momento econômico influencia a posição dos consultores e jornalistas. Acabei relendo a de 2009 e comparando com a de agora. Na edição anterior- que foi publicada em março, o foco era a crise ecônomica, as reportagens discutiam como cortar gastos, começar a poupar e como sobreviver à crise. No geral desaconselhava investimentos em bolsa.
Já a deste ano, que diferença!
É verdade, Naê!
E, para confirmar essa afirmação, lembrei-me agora de uma matéria da mesma revista, em 2007, onde festejava a Bolsa. Justo em 2007…
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Amigo,
Vi a revista, me deu vontade de comprar e ai pensei: “Se esses jornalistas realmente soubessem o caminho, não estariam agora trabalhando na Epoca”. Desisti da compra.
Abs
😀
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!