Muitos leitores do site são pessoas que nunca investiram no mercado de ações, e agora, depois de eu tanto falar sobre renda variável, seus riscos, seus benefícios, as ações, os fundos de índice etc., ficaram curiosos nessa modalidade de investimentos. Naturalmente, eles querem saber mais, principalmente sobre estratégias de investimentos na Bovespa. Outra parte dos leitores é formada por pessoas que já começaram a investir no mercado de renda variável, mas ainda têm dúvidas quanto ao melhor método operacional a utilizar. Essas pessoas operaram muito tempo no curto prazo, como traders, mas, depois de eu tanto martelar sobre os benefícios do longo prazo, e, sobretudo, contar meus pífios resultados no curto prazo, querem mais é gastar menos tempo no home broker, e utilizar esse precioso bem (o tempo) para outras atividades.
Bem, como eu já disse em ocasiões anteriores,
“Esse blog é apenas para fins de entretenimento. Nenhuma informação encontrada nesse site deve ser usada como conselho de investimento. Para isso, consulte profissionais da área.”
Como esse é um site pessoal, gosto de “pôr no papel” algumas reflexões que me vêm à mente quando penso nos investimentos. Tais reflexões, por vezes, se ampliam na forma de debates muito proveitosos, seja por meio de comentários, seja por meio de artigos de outros blogs de finanças pessoais.
Pois bem, hoje é o dia de lançar novas reflexões para debates. Todos sabemos que, no investimento via home broker destinado a construir uma carteira de acumulação de ações, visando a objetivos de longo prazo, você pode atuar de duas formas: ou compondo uma carteira de ações individuais, ou comprando um ETF, como o BOVA11 ou PIBB11. Há correntes para todos os gostos e bolsos: a técnica do lump sum (investir tudo de uma só vez), a técnica do preço médio – dollar cost averaging (DCA) (defendida pelo INI), a técnica do value averaging (VA), a fórmula do constant share (CS) (explanado também no livro do Edleson), as diversas técnicas de montagem de uma carteira de ações próprias, com indicadores fundamentalistas, com (caso do Investimentos e Finanças) ou sem replicação do índice, e, finalmente, a compra pura e simples de fundos de índice passivos, concentrando na Bolsa a maior parte dos ativos da carteira (caso do Viver de Renda), ou diversificando (caso do Henrique Carvalho). Tudo com o objetivo de comprar e segurar – o famoso buy and hold.
Não é o propósito desse artigo discutir a eficácia, vantagens e desvantagens de cada método, até porque não existe método único de investimento em ações. O objetivo desse artigo é apresentar uma diferente forma de se investir na Bolsa a longo prazo, visando construção de patrimônio, dentro dos objetivos de uma carteira de acumulação. Ela consiste em adotar uma estratégia mista: parcela em ações, e parcela em ETFs.
Qual é a razão de ser dessa estratégia? Ela tem em vista o que se vai fazer na fase pós-acumulação, ou seja, no período de usufruto de capital.
Com efeito, quem monta uma carteira individual de ações, ao invés de pura e simples compra de um ETF – e isso independentemente de utilizar o lump sum ou o DCA ou o VA ou o CS – tem, dentre outros objetivos: (a) usufruir dos dividendos como complementação de renda (e, para isso, é preciso manter as ações na carteira), e/ou, (b) garantir a isenção de pagamento de IR nas vendas abaixo de R$ 20 mil, caso decida “consumir” as ações, transformando-as numa espécie de contracheque de proventos de aposentadoria.
Esses dois objetivos não são possíveis quando se monta uma carteira com ETFs, na medida em que: (a) não há recebimento de dividendos (esses são reinvestidos pelo gestor do ETF nas ações que compõe a carteira do fundo); e (b) não há isenção de IR qualquer que seja o valor da venda, seja esse valor grande ou pequeno, superior ou inferior a R$ 20k, conforme destacamos em outro artigo.
Quem monta uma carteira de ETFs tem, como prioridades, dentre outras: (a) garantir uma rentabilidade que seja a do mercado como um todo, em relação ao índice de referência, (b) fazê-lo de forma a minimizar os riscos, por meio de uma boa diversificação, com dezenas de empresas na carteira; e (c) ter custos operacionais menores, realizando menos ordens de compra/venda e, em consequência, gastando menos tempo no home broker.
Esses três objetivos são mais difíceis de serem alcançados com a montagem de uma carteira própria, por meio de uma gestão ativa de portfólio, que não tenha como objetivo replicar a carteira do índice de referência, pois: (a) corre-se o risco de selecionar ações de cuja carteira total o desempenho seja inferior ao do índice em referência, (b) há o risco de uma das empresas da carteira quebrar e o dinheiro investido nela virar pó, e (c) paga-se mais corretagens, o que diminui a rentabilidade líquida que volta para o bolso do investidor, além de se gastar mais tempo, com análise de ações.
Como dito acima, há vantagens e desvantagens no uso de cada estratégia. O que quero ponderar aqui é o destino que terá o patrimônio acumulado em ações quando chegar a hora de usufruí-lo, de forma a ajustar a composição da carteira aos objetivos não financeiros, e, assim, diminuir ou amenizar os impactos que uma escolha mal feita de gastos terá sobre o patrimônio, sobretudo os impactos de natureza fiscal e tributária.
O que você quer fazer com o capital acumulado? Vender as ações/ETFs e transferir o dinheiro para um fundo de renda fixa/poupança/Tesouro Direto? Comprar um imóvel ou fundo imobiliário para viver de aluguel? Iniciar um negócio próprio? Comprar uma casa nova para morar? Torrar tudo em viagens? Torrar tudo em refrigerantes? Financiar projetos sociais e filantrópicos?
As respostas a essas perguntas definirão o que você terá que fazer com o patrimônio acumulado.
Qualquer que seja sua decisão, uma coisa é certa: você irá precisar de fluxo de caixa quando o momento chegar. Isso porque ninguém, em sãs condições, investe dinheiro como um fim em si mesmo. Ele sempre será um meio para obter bens e serviços. E, para que esse meio seja utilizado, você precisa de liquidez, ou seja, converter um ativo em dinheiro, em cash. Quando você recebe um contracheque no final do mês, você recebe dinheiro novo. Em última análise, você recebe “liquidez”. E você precisa criar a sua própria liquidez com o dinheiro acumulado. Criar seu próprio contracheque. É aqui que entram os diferentes papéis que os ativos representam:
– Se você investe em ações individuais pensando em complementar a renda mensal com os dividendos, você não pode matar a galinha dos ovos de ouro, ou seja, vender as suas ações. Senão, não terá dividendos a receber. Você pode até vender ocasionalmente uma parcela de ações, em virtude de alguma situação de emergência, mas se lembre de que isso impactará negativamente o futuro fluxo de caixa de dividendos.
– Se você investe em ações individuais pensando em vendê-las mensalmente em valores inferiores a R$ 20k por mês, pensando na isenção tributária das ações, que não existe para a venda de ETFs de valor inferior a R$ 20k/mês (ou acima de R$ 20k mensais), tenha em mente que essa estratégia pode ser menos eficiente em relação à compra dos ETFs, tendo em vista que é estatisticamente comprovado que a rentabilidade do mercado (Ibovespa, IBR-x etc.) supera, na maioria dos casos, o investimento em carteiras de gestão ativa que investem em ações individuais. Desse modo, você pode acumular menos dinheiro investindo em ações individuais do que investindo em ETFs, o que poderá significar menos “contracheques” a receber no futuro. Além disso, considere que R$ 20k daqui a 20, 30 anos, comprarão bem menos coisas do que compram hoje, em virtude dos efeitos corrosivos da inflação;
– Se você investe em ETFs pensando em comprar um imóvel, iniciar um empreendimento, ou fazer qualquer outro negócio grande, cujo valor exija uma alta soma de dinheiro de uma só vez, e, portanto, pagando IR, considere que o investimento em ações individuais pode resultar em um patrimônio total maior do que se tivesse investido num ETF. E, no caso, você arcaria com o custo da oportunidade (trade-off) pelo comodismo, de não ter se dedicado a selecionar ações de crescimento e/ou de valor.
– Se você investe em ETFs pensando que o retorno do mercado supera o das ações individuais, e, assim, teria somas maiores de dinheiro, que poderiam ser convertidas em um investimento conservador para viver de renda, pense novamente no custo da oportunidade que teria se tivesse investido um pouco mais em seu conhecimento de mercado, e escolhido ações lá atrás que lhe proporcionassem, no futuro, além de um capital maior, uma taxa de dividendos suficientes para complementar a aposentadoria, ao invés de escolher um ETF.
Suponha que você chegue ao final de seu plano de acumulação com R$ 1 milhão em patrimônio em ações da Vale, como no exemplo atualizado do nosso amigo Arnaldo. Segundo os cálculos que fizemos, ele teria recebido ano passado cerca de R$ 18 mil em dividendos, divididos em 2 parcelas, o que dá pouco mais de R$ 1.500 “mensalizados”. Pode não ser um valor muito alto, mas é um complemento de aposentadoria respeitável.
O problema é que essa é a ação de uma única empresa, e, por mais que a Vale seja bem administrada e seja uma grande empresa, ela está exposta a diversos riscos. Como consequência disso, a sua taxa de dividendos pode diminuir, o que sinalizaria uma venda. Venda desses R$ 1 milhão e aplicação na poupança, por exemplo. Isso daria uma renda mensal de R$ 5 mil líquidos de impostos e taxas. Nada mal, não é mesmo?
Mas, com essa atitude, ele poderia estar matando a “galinha dos ovos de ouro”. E se a ação da Vale, motivada por uma demanda cada vez maior do mundo (leia-se: “China”) por minério de ferro, aumentasse o valor de sua cotação a estratosféricos 20% a.a.? Nesse caso, não seria melhor ele “consumir” apenas R$ 20k mensais, vendendo um pouquinho de ações a cada mês?
Com a poupança, a renda mensal vitalícia de R$ 5k estaria garantida, mas … e se ele quisesse comprar um imóvel de R$ 200k? A sua renda vitalícia cairia para R$ 4k/mês, o que lhe obrigaria a rever seus planos de consumo.
Vejam só quantas dúvidas e possibilidades existem a partir de uma única decisão. Cada uma delas traz riscos que poderão resultar em efetiva perda de dinheiro, e de todo um patrimônio acumulado ao longo de anos, talvez de décadas. O que fazer então?
É aqui que entra em cena a possibilidade de montagem de uma estratégia mista. Se você tiver capital suficiente, aguentar as oscilações que o mercado apresenta no curto prazo, e ser fiel aos seus objetivos não-financeiros – e tê-los delimitado de modo preciso e consciente, de forma planejada, poderá diversificar dentro da diversificação.
Uma parcela dos investimentos seria alocada para um fundo de reserva, destinada a retiradas de valores altos de uma só vez, como a compra de uma casa, reforma de uma casa (que às vezes também tem a conta bem salgada), financiamento de um negócio próprio, conversão em poupança/fundos imobiliários/imóveis/TD etc. Essa parcela poderia ser constituída muito bem por ETFs (ou ações de crescimento, em que não se vislumbra a possibilidade de ganhos expressivos com dividendos). Uma vez que os ETFs pagam imposto qualquer que seja o valor, e tendo em vista que eles também não geram dividendos na conta, o seu uso para retiradas expressivas não mataria a galinha dos ovos de ouro.
Já outra parcela dos investimentos seria destinada a formar uma reserva de fluxo de caixa. É aqui que entra a carteira de ações individuais. Seus benefícios consistem na montagem de um fluxo de caixa (anual, semestral, trimestral ou mensal), por meio de recebimento de dividendos, e/ou na criação de contracheques líquidos de IR no valor de R$ 20k por mês, tendo em vista que as ações até esse valor não pagam IR. Ambos os benefícios não existem nos ETFs.
Dessa forma, os riscos de perda do patrimônio na fase de usufruto de capital estariam minimizados, tendo cada classe de ativos sua função peculiar e ajustada aos desejos do investidor aposentado e independente financeiramente. Se ele precisar usar o dinheiro das ações para migrar para a renda fixa, poderá fazê-lo, sem receio de perda patrimonial, com a venda de ETFs. E, caso queira garantir um contracheque menos oneroso do ponto de vista fiscal, basta usar a parcela de ações individuais, vendendo ações até o montante de R$ 20k.
Conclusão
A lição dessa história se resume bem com a seguinte frase: a preservação de capital também é aspecto a ser observado na fase de aposentadoria. Não fizemos considerações, aqui, sobre estudos mais avançados sobre esse tema, conhecido como risco de sequência de retorno (RSR – sequence of return risk), os quais podem ser lidos no blog Viver de Renda aqui e aqui.
A finalidade desse artigo foi apenas o de evidenciar que o investidor deve atentar para aspectos tributários e de retiradas de seus investimentos, considerando a relação risco/retorno de cada uma das classes de ativos, bem como à sua capacidade de gerar renda, e, mais importante do que tudo isso, ao destino não-financeiro de seus investimentos. Embora tenha trazido mais perguntas do que respostas, espero que esse texto possa induzir a reflexões mais apuradas sobre a gestão de seu próprio portfólio pessoal de investimentos.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Ótimas reflexões!
Taí o porquê investimentos e finanças não são ciências exatas. As discussões sobre tal investimento é melhor que outro dificilmente chegarão à uma conclusão.
O importante disso tudo são as reflexões que tiramos e, deste modo, vamos moldando melhor nossa estratégia de investimento, que deve ser personalizada para cada investidor. Afinal, todos temos diferentes preferências.
Grande Abraço!
Acho uma idéia excelente. Acho que uma maneira interessante é manter um “core portfolio” maior constituido de ETFs e um menor com ações individuais. Ai o investidpor pode adotar a estrategia que ele achar melhor, investindo em ações que pagam bons dividendos, ações de valor ou crescimento ou small caps.
Henrique e Investimentos, obrigado!
As ideias são justamente essas: criar compatibilidade entre as metas financeiras e os sonhos e objetivos pessoais das pessoas. O que facilita o nosso caminho é um cardápio bastante variado de “produtos”, onde podemos escolher o que for mais conveniente para nós.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
O Artigo é, parafraseando o estilo ‘modesto’ do Autor, é ‘um bom começo’ para quem está interessado em saber sobre o Mercado de Renda Variável!
Muito obrigado pelas palavras, Armando! Abç!
De forma intuitiva já uso deste recurso. Tenho ações individuais (foco em dividendos) e compro ETF. Obrigado pela leitura.
Olá Fred, que bom saber que essa estratégia mista tem dado certo em sua carreira de investidor!
Abç!
Oi Guilherme, td bem?
E hoje em dia, 9 anos depois deste post rsrsrs, como andam as suas considerações em relação a essa estratégia? Estou posicionado em BOVA11, SMAL11, DIVO11 e em 6 ações individuais. Estabeleci um teto para cada ETF e vou fazendo a realocação na carteira conforme os aportes chegam, logo voltarei a aportar em ETFs haja vista a proporção arbitrada.
Estou curioso para saber oq pensa hoje em dia. Abcs! Excelente blog e excelente artigo. O acompanho desde a época em que seu blog foi texto base para uma prova do Banco do Brasil rsrs. Sucesso!!!
Olá Rafael!!!!
Que maravilha ser outro leitor das antigas do blog…..rs
Gostei muito dos seus comentários!
Bem, minhas considerações permanecem as mesmas, o que é um bom indício da validade das ideias desse artigo……rsrs…. continuo achando uma boa a estratégia da diversificação preconizada no texto.
Aliás, sua carteira também está de parabéns pela montagem e seleção dos artigos.
Depois de tantos anos no mercado, estou cada vez mais convicto – embora de vez em quando tenha umas recaídas….rsrs – de que a melhor estratégia é aquela que lhe dá mais liberdade e tempo para fazer outras coisas.
Ou seja, uma boa parcela em ETFs bem diversificados, e algumas ações individuais funcionando como uma pimentinha do portfólio…rs…. com o principal ingrediente disso tudo, que é a boa e velha realocação de ativos mediante rebalanceamentos periódicos!
Abraços! E legal saber que o blog tenha servido de inspiração pra prova do BB! rsrsrs