No livro Felicidade Autêntica, resenhado no último mês de maio, Martin Seligman, ao discorrer sobre o papel das emoções negativas em provocar mudanças na vida das pessoas, faz uma interessante observação acerca de fenômenos e epifenômenos.
De acordo com os cientistas, fenômenos têm o poder de provocar eventos, mudanças na cadeia causal dos acontecimentos. Já os epifenômenos são medidores, ou medidas sem eficácia causal. Exemplificando, pisar no acelerador é um fenômeno, porque faz o carro andar mais depressa; já o velocímetro é apenas um epifenômeno, porque apenas mostra a velocidade do carro.
Nos dicionários, os significados são parecidos. Para o Aurélio, epifenômeno é o fenômeno cuja presença ou ausência não altera o fenômeno que se toma principalmente em consideração. Para o Houaiss, epifenômeno é um produto acidental, acessório, de um processo, de um fenômeno essencial, sobre o qual não tem efeitos próprios.
Deixando de lado as implicações filosóficas e psicológicas de tais conceituações, penso que é possível estabelecer algumas analogias sobre essas definições, a fim de verificar se estamos gastando o nosso tempo livre de forma a produzir verdadeira sensação de bem-estar e crescimento pessoal.
O que você faz com o tempo livre que fica à sua disposição? Suponhamos que você tenha duas horas livres à noite. Você tem duas opções: assistir novela ou se dedicar a um hobby, como ler um livro, escrever um blog, cozinhar ou praticar exercícios físicos (supondo que novela não seja um hobby). O que você prefere?
Assistir novela, embora possa ter algum efeito emocional sobre a sua psique, não irá provocar mudanças duradouras em sua vida. Contam-se histórias, boas ou más, felizes ou tristes, mas nenhuma delas afetarão o seu dia-a-dia. São epifenômenos.
Cozinhar, se esse for seu hobby, permite que você desenvolva suas habilidades na arte de preparar comidas. Faz com que você se preocupe em oferecer alimentos mais saudáveis à família, de maior valor nutritivo. Você se preocupa em atender bem aos seus convidados, reforçando laços de amizade. Ler um livro, naquelas mesmas duas horas disponíveis, seja esse livro ficção ou não-ficção, permite que você amplie seu vocabulário. Reforça suas conexões neurais. Você exercita seu cérebro, e, ao exercitá-lo, aumenta as defesas do organismo e contribui para retardar o envelhecimento neurológico associado ao declínio da idade. Estudar uma nova área de conhecimento faz aguçar em você o senso de curiosidade, despertado pela possibilidade de explorar “novas fronteiras”. Aumenta seu grau de concentração. Faz o tempo voar. E promove seu crescimento pessoal, aumentando também sua satisfação pessoal.
Cozinhar, ler ou estudar são, assim, fenômenos, porque provocam mudanças em sua vida.
Como diz David Allen, criador da metodologia GTD, preste atenção naquilo que interfere em sua atenção. Será que você não está ocupando seu tempo livre, ou melhor, sua mente, com coisas que em nada influenciarão sua vida? Um dos males da sociedade moderna, dentro da qual estamos inseridos, é que ela, com toda a sua gama de produtos e serviços para todos os gostos e bolsos, faz com que nós aumentemos a nossa passividade diante da vida, ao mesmo tempo em que nos atrai – e por tabela nos distrai – com produtos e serviços supérfluos. Se não tomarmos consciência de nossas atitudes, a nossa atenção será quase que totalmente controladas por epifenômenos. Agiremos prestando atenção nos velocímetros, quando o que deveríamos fazer é pisar no acelerador.
A questão não é eliminar totalmente fenômenos alheios à nossa vida. Assistir eventos esportivos que passam na TV, ler notícias nos jornais sobre fatos que ocorrem na Oceania, discutir sobre política com amigos, e gastar nosso tempo com filmes de ficção ou jogos eletrônicos não são eventos ruins em si. O que é ruim é o tempo excessivo que dedicamos a eles, em detrimento de atividades que nos poderiam proporcionar muito mais gratificação e crescimento. Esse é o ponto.
Muitas de nossas escolhas não são feitas de maneira consciente, por meio de critérios previamente analisados, mas sim fruto de fatores emocionais provocados por circunstâncias totalmente temporárias e, às vezes, aleatórias. Queremos assistir o jornal da noite porque estamos cansados depois de um dia inteiro do trabalho. Nos concentramos na leitura da revista de fofocas porque queremos saber o que se passa com determinada celebridade. Discutimos com o amigo questões da política porque é isso que todo mundo está comentando.
Qual é a solução?
Ela passa necessariamente por três atitudes. A primeira é a reflexão. Você deve prestar atenção em como gasta seu tempo livre. Se você o utiliza de modo adequado, equilibrando entre atividades simplesmente prazerosas, de entretenimento e de descanso, com outras que lhe permitem desenvolver suas forças e virtudes, ótimo, não há muito o que fazer, pois você já aproveita de modo consciente seu tempo ocioso. Agora, se você ocupa suas horas livres somente com coisas que não lhe dizem respeito, isto é, que não influenciam seu dia-a-dia, ou, o que é pior, com lamentações em relação ao passado e divagações sobre o futuro, é preciso uma mudança de postura. Nesse sentido, orientações como as contidas no livro Aprenda a ser otimista, de Martin Seligman, poderão ajudá-lo a quebrar essas barreiras mentais.
A segunda atitude é planejamento. Consiste em, uma vez identificados os fatores que não contribuem para você ter uma vida equilibrada, realizar a substituição dessas atividades por outras, na medida necessária para restaurar o equilíbrio em seu tempo livre. O grau dessa substituição é estritamente pessoal, e varia conforme a pessoa. Planejar não significa “engessar”, ou “escravizar” seu tempo disponível. Pelo contrário, o planejamento te liberta do vício de hábitos ruins provocados por atitudes muitas vezes inconscientes de vida, permitindo você usufruir de seu tempo livre de forma mais conveniente e harmoniosa.
A terceira atitude é fazer. Colocar em prática as mudanças, implementá-las em sua rotina. Dessa forma, você estará diminuindo os espaços ocupados pelos epifenômenos, ao mesmo tempo em que aumenta a ocorrência de fenômenos em sua vida, e, o que é melhor, fenômenos positivos, controlados e especificamente planejados. Fenômenos que têm o poder tanto de produzir felicidade no presente – usando, por exemplo, fontes de entretenimento, mas sem excesso – como também de construir pontes para a felicidade no futuro, por meio de atividades que exercitem suas forças e virtudes pessoais.
Conquistar o equilíbrio nas horas livres é uma atividade desafiadora, que requer consciência, planejamento e empenho. Mas que vale muito a pena ser alcançada. 😉
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Parabéns! Gostei muito da sua abordagem sobre o tema desse artigo. Posso repassá-lo aos meus amigos citando a fonte?
Abs
Iran
Olá Iran! Grato pelas palavras!
Fique à vontade para repassar o artigo, citando a fonte!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Mais um excelente artigo do Valores Reais!
Acho que devido ao grande poder da mídia na sociedade atual, os epifenômenos acabaram tomando o lugar dos fenômenos, ficamos muito mais passivos, quase não questionamos mais o que acontece.
Por experiência própria, posso dizer que me sinto bem melhor fazendo algo que considero útil do que assistindo um filme ou vendo algum programa na TV.
A impressão que tenho é de que, apesar de termos a sensação de estarmos ocupados ao assistir TV, depois ficamos com aquele sentimento de que o tempo poderia ter sido aproveitado de forma diferente, que “faltou” alguma coisa, que na verdade foi algo como um tempo perdido. Quando isso começou a acontecer comigo e a me incomodar, resolvi mudar. E hoje, me sinto muito melhor aproveitando minhas horas livres fazendo algo que considero agradável e produtivo, algo que me traga a sensação de ter aproveitado bem os momentos, como ler um livro, estar em meio à natureza apenas admirando e contemplando sem pensar em nada, caminhadas, etc.
Eu acho que esses momentos ajudam a trazer mais equilíbrio e domínio-próprio para nossa vida em geral, com destaque para os momentos conturbados.
Abraços e sucesso,
Excelente depoimento, Rosana!
Concordo em tudo o que você disse: são tantas as distrações da vida moderna que acabamos não percebendo que poderíamos realizar atividades que nos proporcionasse mais gratificação e realização.
Ter a autoconsciência a respeito disso tudo é o primeiro passo para se libertar e ter uma vida mais significativa e de propósitos.
Abç