Texto atualizado em 12 de maio de 2018
Dêem uma olhada na tabela de títulos do Tesouro Direito abaixo:
Clique na tabela para ter uma atualização dos dados.
As NTN-Bs são os títulos que o investidor escolhe visando a proteção do seu dinheiro contra os efeitos corrosivos da inflação. Isso porque elas garantem o pagamento do percentual da inflação apurado no período de posse do título + um percentual fixo de juros. É nesse percentual fixo de juros que se encontram os ganhos reais, ou juros reais, que fazem com que o investimento feito nesses títulos supere a inflação.
Embora se saiba que os ganhos líquidos, nesses títulos, sejam inferiores aos juros nominais pré-estabelecidos, por conta dos efeitos dos custos operacionais (IR, taxa de administração, taxa de custódia etc.), ainda assim esse é um investimento que protege, em termos reais, o seu dinheiro contra os efeitos corrosivos da inflação – entendida essa em seus devidos termos.
Agora… olhem novamente a tabela acima. Verifiquem a data de vencimento das NTN-Bs. Em sua maioria, elas têm data de vencimento em prazos bastante dilatados. Isso é natural: trata-se, pois, de investimentos de longo prazo, e, no longo prazo, um dos principais cuidados que o investidor deve ter é justamente proteger o poder de compra de seu dinheiro, de seu investimento.
Ok, as NTN-Bs nos protegem da inflação no longo prazo. Mas… e no curto prazo? No momento presente, no aqui e agora, qual seria o investimento que nos protegeria dos efeitos corrosivos da inflação?
Veja que uma das principais características do investimento que se faz para custear as despesas do dia-a-dia é a liquidez, ou seja, a sua possibilidade de conversão em dinheiro, em cash. Os investimentos em NTN-Bs, apesar de terem esse benefício da proteção contra inflação, carregam duas características que os tornam desvantajosos para situações de compra no momento presente.
Primeiro, a liquidez restrita, uma vez que só podem ser vendidos, ou seja, resgatados, às quartas-feiras (e eventualmente às quintas também, especialmente quando há reuniões do COPOM). Ou seja, se você precisar do dinheiro na sexta-feira, terá que esperar até a quarta da semana seguinte para vender o título, e ter o dinheiro depositado no dia seguinte, ou seja, na quinta-feira. Quase uma semana depois, o que pode ser um prazo muito longo para emergências que necessitem ser saldadas instantaneamente.
Segundo, e essa é o principal desvantagem, a possibilidade de oscilações negativas no curto prazo. Isso se traduz em rentabilidade negativa de um mês para outro, ou até de um dia para outro, o que significa perda de dinheiro caso haja resgate. Ou seja, você pode ter menos dinheiro, na saída, do que aportou nele, na entrada.
Dessa forma, não vejo as NTN-Bs, embora nos protejam contra a inflação (no futuro), como componentes de um colchão de segurança, pois lhe faltam dois requisitos básicos para tal: elevado grau de liquidez, e preservação de capital. Qual seria, então, o investimento que funcionaria como um escudo contra a inflação no momento presente? É aqui que entram as LFTs.
As Letras Financeiras do Tesouro (Tesouro SELIC) apresentam rentabilidade diária vinculada à taxa de juros básica da economia (taxa média das operações diárias com títulos públicos registrados no sistema SELIC, ou, simplesmente, taxa Selic). Você já deve ter lido nos jornais manchetes como essa: “Governo estuda aumentar a taxa SELIC para conter o avanço da inflação”. Isso porque o aumento da taxa de juros (que é a taxa SELIC) faz o preço do dinheiro aumentar. Aumentando o custo do dinheiro, as pessoas consomem menos – ou pelo menos tendem a consumir menos, afinal, o dinheiro está mais caro na praça. Consumindo menos, a demanda diminui. E, diminuindo a demanda, a oferta fica maior, criando “lacunas” em face do desequilíbrio entre oferta e demanda, havendo mais oferta que demanda. E, com oferta maior, o preço tende a cair, para que as pessoas voltem a ficar interessadas na compra de produtos. Preço caindo, inflação idem. Preços aumentando, inflação idem.
A taxa SELIC tem a estrutura de um juro nominal, que engloba a variação da inflação + juro real. Quem diz isso não sou eu, mas sim o Banco Central do Brasil:
“Como todas as taxas de juros nominais, por outro lado, a taxa Selic pode ser decomposta “ex post”, em duas parcelas: taxa de juros reais e taxa de inflação no período considerado”.
Então, vejam só que interessante: se a taxa SELIC incorpora a previsão de taxa de inflação em sua estrutura, então os investimentos indexados à SELIC, como as LFTs, podem nos proteger da inflação no presente, uma vez que normalmente haverá espaço para um “jurinho” real, que é a diferença entre a taxa SELIC nominal e a inflação do período.
Exemplificando: com uma taxa SELIC a 10,25% a.a., e uma inflação de 5% a.a., ao investir numa LFT, você estará garantindo um rendimento líquido de aproximadamente de 8 a 9% a.a. (descontados impostos e taxas). Como a inflação “come” 5% da rentabilidade, o juro real de seu investimento fica em torno de 3 a 4% a.a.
Dissemos “normalmente” porque pode haver casos de juro real negativo. Ou seja, é possível, num dado cenário econômico, a taxa básica de juros da economia ser inferior à inflação do período. Por exemplo, taxa SELIC em 5%, e inflação em 7%. Pronto, tá feito o estrago. Seu dinheiro perdeu da inflação.
E isso não é tão remoto quanto parece. A economia dos Estados Unidos, com sua taxa de juros minúscula gravitando perto de 0%, e com uma inflação de 2%, é um caso concreto e próximo de como a rentabilidade real dos investimentos em títulos públicos pode, de fato, ser inferior à inflação. Juro negativo é péssimo. Que o diga a poupança. No primeiro quadrimestre desse ano, ela perdeu para a inflação. R$ 1.000,00 na poupança, no fim de dezembro, acumularia R$ 1.021 no fim de abril. Uma cesta básica de R$ 1.000,00, no final de dezembro, custaria R$ 1.026,50, no final de abril.
O dinheiro perdeu valor. Pior, o investimento perdeu valor. Não adianta ter rentabilidade se não houver manutenção de seu poder de compra, pelo menos. É preciso haver rentabilidade real. A inflação é um monstro. Já foi um dragão em décadas passados. Hoje, esse bicho diminuiu de tamanho e está mais manso. Mas pode se transformar a qualquer momento num dragão novamente. Cuide bem de seus investimentos para que a inflação não “coma” suas rentabilidades. E vale sempre ressaltar aqui, mais uma vez, que ela, a inflação, deve ser entendida em seus devidos termos.
Investimentos que, por tabela, se aproveitam dessa condição
Os investimentos que estão atrelados a percentuais do CDI também tiram proveito dessa condição de ter juros reais acima da inflação. São os casos típicos de fundos referenciados DI, e CDBs pós-fixados, os CDBs DI. As Letras de Crédito Imobiliário (LCI) também se aproveitam dessa condição.
Cuidado com os investimentos pré-fixados, como LTNs e NTN-Fs – ao menos em relação aos objetivos de proteção contra a inflação. Pelo fato de sua taxa de juros ser fixa, eles não são garantia total de proteção contra a inflação.
É verdade que, se você analisar a tabela de títulos do Tesouro Direto, de uma maneira geral todos eles parecem incorporam a expectativa de taxa de inflação em sua estrutura nominal, o que garantiria um juro real. Mas é preciso observar também que a inflação é um evento sujeito a incertezas. Hoje ela pode estar em 5% a.a. ou menos, mas ninguém garante que, lá em 2015, ela possa continuar nesse patamar. Se ela subir para 20% a.a. em 2013, os títulos pré-fixados que você comprou a taxas menores não garantirão seu poder de compra.
Nesse sentido, buscar títulos com rentabilidade pós-fixada é o caminho mais adequado, pois eles “dançarão conforme a música”, acompanhando os índices de referência – SELIC ou CDI.
A correlação positiva entre taxa de inflação e taxa SELIC
Voltando ao exemplo das manchetes de jornais do tipo “Governo estuda aumentar a taxa SELIC para conter o avanço da inflação“, verifica-se, então, uma correlação positiva entre taxa de inflação e taxa SELIC. Quando a economia está em crise, as pessoas consomem menos. Como consequência do menor aquecimento da economia, os preços ficam mais atrativos, justamente para estimular o consumo. A inflação cai. E o Governo precisa criar instrumentos incentivar o consumo, por meio, por exemplo, do “barateamento” do dinheiro. Tornar o dinheiro mais barato significa baixar as taxas de juros. Baixar a SELIC.
Existe, pois, uma correlação positiva entre taxa de inflação e taxa SELIC. Eis o que diz o Banco Central:
“A taxa Selic, acumulada para determinados períodos de tempo, correlaciona-se positivamente com a taxa de inflação apurada “ex post”.”
E vejam só que interessante: diminuindo a taxa SELIC, as LFTs também diminuem seu percentual de rentabilidade. Uma taxa que caia a hipotéticos 8% a.a. significa que seu investimento também diminui, na mesma proporção, o poder de compra.
Qual é o investimento que ganha mais num cenário de taxa SELIC em queda? Tchã tchã tchã tchã… sim, os investimentos pré-fixados. Eles, que correm riscos quando a inflação aumenta acima das taxas pré-fixadas, são o “rei do pedaço” quando a inflação e a taxa SELIC caem.
Proteção contra a inflação em dois níveis: montando uma cesta diversificada de títulos
Logo, conclui-se que você pode montar uma cesta diversificada de títulos para se proteger da inflação. Esse escudo funciona em dois níveis: presente e futuro. No momento presente, o investimento em LFT garante seu poder de compra atual. E, para o futuro, visando custear projetos de longo prazo, como garantir os estudos universitários dos pequenos, os investimentos em NTN-Bs cumprem esse papel.
Como eu nunca vi ninguém comentando o assunto – LFT como proteção da inflação no presente – e tendo em vista que um dos propósitos do Valores Reais é discutir temas de forma original e criativa, mas com embasamento técnico e (às vezes) científico, fica aqui a oportunidade para avançar nos debates a respeito de tão importante tópico das finanças pessoais. 😀
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Muito bom o artigo Hotmar!
Parabens!!
Oi Hotmar,
Bacana o artigo! Somente um comentário que eu entendo ser complementar: acho que, para qualquer investimento que contemple um prazo médio ou longo, faz total sentido a pessoa computar uma estimativa de inflação e descontar isto para fazer suas projeções de patrimônio futuro, pois por mais que a inflação esteja muito sob controle que comparada aos níveis pré-plano Real, ela ainda come bastante no longo prazo. Daí que estes planos de “chegar ao primeiro milhão” são meio que ilusórios se não levarem isto em conta, porque 1 milhão daqui a 20 anos não vai ter nem de perto o poder de compra de 1 milhão hoje…
Investimentos e Daniel, obrigado pelos comentários!
Daniel, vc levantou um ponto importantíssimo: a inflação. Projeções de investimentos futuros devem levar em conta esse fator corrosivo do poder de compra, como vc bem lembrou.
Nessa linha de raciocínio, considero salutar o investidor aumentar gradualmente o valor de seus aportes periódicos. P.ex., investir no começo R$ 100, depois R$ 110, depois R$ 120 e assim sucessivamente. Esse é um tópico, aliás, que estará sendo debatido numa futura resenha de livro.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Guilherme,
Parabéns pelo blog.
O investidor pode ganhar menos recebendo mais?
Fiz um vídeo para mostrar a ilusão dos juros altos para o investidor.
https://www.youtube.com/watch?v=PwwJlvrG5p8
Abraços,
Sir Income
sirincome.blogspot.com
Olá, Sir Income, seja bem-vindo!
Parabéns pelo vídeo, acessei-o e gostei bastante das explicações! De fato os juros reais apresentam uma forte tendência de queda.
Parabéns pelo blog também!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Guilherme,
Gostei muito do seu post e fiquei com algumas dúvidas:
“Por exemplo, taxa SELIC em 5%, e inflação em 7%. Pronto, tá feito o estrago. Seu dinheiro perdeu da inflação.”
Há alguma possibilidade do Brasil chegar nessa situação?
“Dessa forma, não vejo as NTN-Bs, embora nos protejam contra a inflação (no futuro), como componentes de um colchão de segurança, pois lhe faltam dois requisitos básicos para tal: elevado grau de liquidez, e preservação de capital.”
Aqui você se refere somente ao curto ou também ao longo prazo?
Agradeço muito por sua atenção.
Sucesso!
Oi Rosana,
Sobre a possibilidade de a taxa de inflação superar a SELIC, existe, mas é bastante remota. O Brasil precisaria estar numa situação econômica muito ruim para que isso ocorresse, afinal, para se configurar esse cenário, seria preciso que os preços e a inflação estivessem muito altos, mas a população não conseguisse comprar, e, portanto, pressionar os preços para cima.
Parece até um contra-senso, não é mesmo? Afinal, a inflação só sobe se há pressão de demanda, e com demanda fraca, parece inimaginável que os preços subissem, pois a lógica diz exatamente o contrário, ou seja, num momento de demanda fraca, os preços, e a inflação, tendem a cair, e não a subir.
Porém, vimos esse cenário nos EUA recentemente (e alguns países da Europa), com inflação mais alta que a taxa básica de juros de lá.
No Brasil, é bastante improvável, mas não impossível. Por enquanto, ainda vale a pena manter o dinheiro indexado à SELIC. 😉
Em relação à segunda dúvida, somente no curto prazo.
Para o longo prazo, as NTN-Bs são perfeitas e excelentes componentes contra a inflação, na montagem de uma carteira de aposentadoria ou para investimentos de médio prazo.
No curto prazo, há ainda o problema da oscilação no preço dos títulos, que pode fazer com que haja prejuízo na retirada do capital antes do vencimento do título, em caso de necessidade.
Mas não há dúvidas de que, no longo prazo, as NTN-Bs adicionam rentabilidade superior à carteira, e vantagens competitivas na proteção contra a inflação.
Abç!
Guilherme,
Agradeço por sua resposta, ou melhor, por sua “aula”, agora entendi perfeitamente. 🙂
Muito obrigada!
De nada!
Abç