Praticamente todos os manuais sobre investimentos defendem que devemos buscar uma rentabilidade em nossas aplicações financeiras que nos protejam da corrosão provocada em nosso poder de compra pela inflação, ou seja, pelo aumento dos preços dos bens e serviços que consumimos. Por exemplo, se estimamos uma inflação média de 4% a.a., a rentabilidade do investimento deve ser no mínimo superior a essa taxa, digamos, tem de ser de 8% a.a. (depois de descontados os impostos e as taxas de administração), porque daí, ao subtrairmos a rentabilidade líquida do investimento de 8%, da taxa de inflação de 4%, teríamos um ganho real de 4% a.a. A proteção contra a inflação está no cerne, inclusive, de algumas modalidades de investimentos, como as NTN-Bs do Tesouro Direto.
Mas até que ponto a inflação influencia o nosso dia-a-dia? Você realmente sente um aumento dos preços de todos bens e serviços que consome, todos os anos, derivados da correção pelo índice de inflação, seja ele IPCA, seja IGP-M, seja ainda qualquer outro índice?
Evidentemente que esse artigo jamais teria utilidade no Brasil das décadas passadas, onde a inflação era um dos maiores vilões de nossa economia e de nosso dia-a-dia, e onde o dinheiro de hoje tinha muito menos valor que o dinheiro de amanhã. Porém, num cenário de estabilização macroeconômica, da era pós-Plano Real, devemos refletir sobre até que ponto devemos ter medo da inflação.
Essa idéia não passou despercebida de Joe Dominguez e Vicki Robin, que, no livro Dinheiro e Vida, dedicam especial atenção ao tema (o título desse artigo, por exemplo, foi extraído da referida obra), demonstrando, inicialmente, que os preços de muitos itens de consumo custavam mais, e não menos, em 1970 do que em 1991, decorridos mais de 20 anos. E a lista engloba itens de alimentação (frango, ovos, tomate, pão), artigos para o lar (colchão, aquecedor elétrico), ferramentas domésticas, peças de automóvel, itens de diversão (televisão, tabela de basquete), e outros, como canetas BIC e telefonemas interurbanos. Por exemplo: meio quilo de tomate custava cinqüenta centavos de dólar em 1970; já em 1991, custava 39 centavos, ou seja, decorridos 20 anos, o preço do tomate havia diminuído. Uma rampa para automóvel custava US$ 62,33 em 1970, mas somente US$ 33,29 em 1991.
Ok, no Brasil o preço do pão francês e do quilo de frango aumentaram muito de 1994 até hoje, por conta da inflação (ou até mais que ela), mas não deixa de ser verdade que muitos produtos que antigamente custavam caro hoje, por conta do avanço seja na tecnologia, seja nos meios de produção, estão custando menos ou o equivalente. Exemplos: computadores pessoais, notebooks.
O problema é que os índices de preços são compostos por variações de preços de produtos dentro de uma “cesta-padrão”, e as nossas vidas diárias não seguem exatamente uma “cesta-padrão”. Por exemplo: quando ocorrem as chuvas de verão que estragam as plantações de frutas e verduras, em janeiro, todos sabemos que tais eventos sazonais impactam os preços de alguns hortifrutigranjeiros, digamos, o tomate e a cebola, o que faz com que ocorra uma pressão inflacionária para o índice mensal do IPCA, empurrando o índice para cima, por conta do item “alimentação”. Mas pera lá, será que você, consumidor consciente que é, não irá trocar o consumo do tomate, que aumentou de preço, pelo do pimentão ou da cebola, cujas plantações não tenham sido atingidas mais fortemente pelas chuvas, e talvez até tenham diminuído de preço, por conta de uma também eventual excesso de oferta? O IPCA não leva esse fato em conta.
Os índices de inflação também costumam levar em conta o preço do combustível. Mas você usa carro para se locomover? Os índices de inflação têm em sua composição a variação do preço da passagem de ônibus. Mas você usa o transporte coletivo? Você renova todo ano sua frota de eletrodomésticos, eletroeletrônicos, faz uma limpa em seu vestuário a cada troca de estação? Se você for um consumidor inteligente, procurará extrair valor máximo de cada peça de roupa, de cada geladeira, de cada fogão, usando-o até o fim de sua vida útil, até “quando der”, como se costuma dizer.
No entanto, você poderia contra-argumentar: é, mas o preço da energia elétrica tem aumentado a cada ano, o preço da mensalidade escolar dos filhos sobe que nem foguete, o preço do plano de saúde e dos remédios arrebenta com meu orçamento toda vez que tem aumento. Êpa, calma, não estou dizendo que a inflação não existe, ela existe sim, porém, não nas proporções exageradas que muita gente coloca, considerando as circunstâncias atuais de uma economia estabilizada, volto a repetir.
Se é verdade que a tarifa de energia elétrica sobe a cada ano, não é menos verdade que você consegue, a cada substituição de equipamento elétrico, comprar utilitários cada vez mais econômicos e ambientalmente sustentáveis, que não só durarão mais anos, como também farão você economizar mais energia pela mesma unidade de tempo despendida.
Se é certo que os planos de saúde e os preços dos remédios são reajustados periodicamente, não é menos certo que os nossos conhecimentos sobre como evitar doenças e ter uma vida mais saudável cresceram de forma espantosa, fazendo com que diminua a nossa dependência deles. Fora o avanço da própria ciência embutida nos medicamentos e tratamentos: o que antes demorava um mês para ser curado, hoje pode levar uma semana.
Conclusão: embora o gasto aumente numa ponta, a economia aumenta de forma diretamente proporcional na outra ponta, ou até mais, se você for uma pessoa realmente frugal, como esclarecemos em outro tópico.
Qual é o problema?
Joe Dominguez e Vicki Robin esclarecem, com perfeição (p. 372):
“À medida que o padrão de vida subiu, o mesmo aconteceu com o padrão para um padrão de vida cada vez mais elevado”.
Trocando em miúdos: nós caprichamos em criar a nossa própria experiência de inflação.
Você não se contenta em trocar de carro. Você quer o melhor carro, para impressionar mais gente, para ser mais visto, para melhorar mais ainda seu status. É evidente que o caminho para ter um padrão ainda mais elevado de consumo de veículos passa necessariamente pela via da inflação. A pressão de demanda faz os preços aumentarem, para equilibrar a oferta e a procura – essa é a lei básica da economia – e como tem um monte de gente por aí querendo exibir os carros mais vistosos, é evidente que o resultado não pode ser outro senão o aumento de preços. Nesse caso, suspeito inclusive que os preços dos carros, de um modo geral, subam acima dos índices oficiais de inflação.
Por comodidade ou por falta de tempo – ou pelas duas coisas juntas – você resolve almoçar no restaurante mais próximo todos os dias. Almoçar fora tem custado cada vez mais caro, e esse é certamente um dos itens que mais pesam para empurrar a inflação para cima. Mas até que ponto esse sacrifício vale a pena? Não seria mais barato – além de mais saudável – comer em casa, ou ainda levar uma marmita de casa para ser consumida no trabalho, ou fazer refeições a intervalos mais curtos, a fim de comer menos nas refeições “principais” (almoço e jantar)?
Passagem aérea sobe, e sobe absurdamente quando crises econômicas são deflagradas, pois o preço do petróleo, que é a base do combustível que alimenta os aviões, também dispara, aumentando, por via de conseqüência, as tarifas aéreas. Mas você, consumidor inteligente que é, precisa necessariamente passar as férias de verão no Nordeste – ou no Sul, caso você more no Nordeste – ou nos EUA, ou ainda na Europa, nesse momento? Não é melhor fazer um passeio mais econômico para o hotel-fazenda mais próximo, viajando de carro, que pode estar inclusive com um pacote promocional em oferta justamente para amenizar os efeitos da crise refletidos na menor taxa de ocupação?
Eis uma pergunta de Joe Dominguez e Vicki Robin que já contém a sua própria resposta (p. 374):
“Será que pelo menos parte da nossa experiência da ‘inflação’ não se deve a hábitos inconscientes e automáticos, bem como ao estilo de vida que escolhemos?”
Os investimentos que têm por objetivo nos proteger contra a inflação – como os títulos públicos NTN-Bs – ou que tendem a nos proteger dela – como o investimento em Bolsa e os próprios fundos referenciados DI – terão pouco resultado em nossa vida se os gastos que efetuamos em nosso cotidiano refletirem hábitos e estilos de vida que acompanhem ou mesmo superem os índices oficias de preços. Na verdade, não há planejamento financeiro que agüente, não há NTN-B que pague, por maiores que sejam os juros prefixados, um estilo de vida onde impere a renovação do guarda-roupa a cada estação, a troca de um modelo de luxo por outro mais luxuoso ainda no ano seguinte, a viagem sempre naquela cabine executiva todo santo ano, o upgrade do arsenal tecnológico doméstico a cada novo lançamento eletrônico… De que adianta o Tesouro Direto pagar numa NTN-B Principal 2024 IPCA + 15% a.a. (numa época de profunda crise vinda da explosão da bolha da China, por exemplo), ou a Bolsa render estratosféricos 90% num determinado ano, se você fica no cheque especial, devendo até o talo em dois financiamentos simultâneos (um de carros e outro de imóvel), e sustentando compras de móveis e equipamentos caríssimos para sua casa, além de entupir sua prateleira da cozinha de comidas de valor nutricional questionável e da prateleira do banheiro de cosméticos e perfumes de preço e valor duvidosos?
Se você valorizar pra valer – com o perdão da redundância – aquilo que você usa, o que pode acabar ocorrendo é uma deflação, e não uma inflação.
Você pode precisar de um iPod Nano para ouvir suas músicas porque é um item que você considera essencial ao seu lazer, e uma opção conveniente para curtir suas músicas prediletas, investindo R$ 600. Mas você precisa comprar um iPad – o iPhone de Itu (ou seria “aitú”? rsrs) – para realizar o mesmo objetivo? Você vai gastá-lo – o seu iPod original – até sua vida útil acabar, se for um consumidor consciente. E, daqui a dois anos, quando você comprar um novo em substituição, irá até a loja e perceberá que o modelo mais recente com a mesma capacidade de armazenamento que o anterior (ou até mais) custa… R$ 400? É isso mesmo!? Ué, cadê a inflação?
Você comprou um notebook dois anos atrás pelo valor de R$ 3.500, completo, com muitos recursos úteis e valiosos às suas atividades diárias. Agora, ao precisar substituí-lo, você verifica que, na loja, um modelo com mais memória, mais HD, mais leve custa… R$ 2.800? Setecentas pilas a menos? O que eu vou fazer mesmo com aqueles 6% a.a. a mais que a NTNB 2024 está pagando, além do IPCA? Aliás, o que eu vou fazer com próprio IPCA, se até deflação tem ocorrido em minhas compras?
Se você for um sujeito consciente e inteligente, fará o máximo possível para dar a maior durabilidade que puder a todos os seus itens de consumo, principalmente aqueles bens duráveis, como televisão, geladeira, máquina de lavar roupa, e também as mobílias e roupas. Além disso, dará prioridade, nas compras de alimentos, a aqueles que não estejam em alta provocadas por fatores sazonais como chuvas, secas etc. Dessa forma, sua vida não só adquirirá aspectos de um estilo mais frugal, como lhe fará caminhar pelas veredas de uma jornada onde os custos da inflação onerem de maneira menos significativa seu padrão de vida.
E a tarefa será mais simples do que parece, pois o ponto de partida, para a maioria das pessoas, é deixar de ser consumista para ser frugal, e não ser frugal e continuar a sê-lo. Quando fazemos escolhas que nos direcionem para um estilo de vida mais equilibrado do ponto-de-vista financeiro, é porque antes logicamente ele estava desequilibrado. E estava desequilibrado não porque investíamos mal (pode até ser, e normalmente também acontece), mas sim porque gastávamos mais do que ganhávamos.
Adotar a simplicidade passa a ser a pedra angular na construção de patrimônio financeiro, e também uma das estratégias mais poderosas para vencer sem dó nem piedade a inflação que rodeia nossas vidas. Como disse o Papai Frugal (Frugal Dad), num post sobre o tema (escrito em inglês): adote a simplicidade voluntariamente, antes que você seja forçado a adotá-la.
Consumir menos mas com mais consciência e valorizando os aspectos qualitativos daquilo que usufruímos: essa é a chave. A chave que abrirá as portas para uma jornada onde a inflação seja mais uma questão de convicção do que de experiência propriamente dita.
Ter investimentos que vençam a inflação é, logicamente, importante (ninguém é louco de ir contra essa idéia), mas, mais importante que isso é ter um estilo de vida que não dependa tanto da inflação. Termino, como não poderia deixar de ser, com outra passagem do livro dos autores acima citados (p. 376):
“O fato de que a ‘inflação’ pode ser um conceito macroeconômico válido não significa que ela automaticamente dirija a sua vida. Nenhum produto ou programa de investimento é uma proteção garantida contra a inflação. A conscientização é”.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Excelente Post. O livro Dinheiro e Vida é realmente muito bom. A tendencia natural da sociedade com o aumento da produtividade é a deflação e não a inflação. É óbvio que a inflação existe mas, na verdade, uma parte da inflação não é realmente inflação, mas reflete uma melhora da qualidade dos produtos e serviços e do padrão de vida da sociedade. Obviamente precisamos ser frugais mas em vários pontos não da pra não usar o melhor disponível, como no caso da saúde. Assim é esperado que os custos da saúde continuem crescendo, com o desenvolvimento da medicina.
O ideal é vc montar um indice de inflação pessoal.
Investimentos, obrigado pelos seus comentários.
É por aí mesmo, temos que adaptar os índices macroeconômicos à nossa situação pessoal, e daí tirar conclusões que possam ser válidas e aplicáveis à nossa realidade específica. Resumindo: cada caso é um caso. 😉
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Mais uma vez um post muito bom.
Inclusive estou lendo o livro “Dinheiro e Vida”, adquirido após a leitura da resenha publicada aqui no VR.com.
Parabéns, Hotmar.
Muito bom o post. O que achei estranho foi só o texto ser escrito por um tal de Guilherme hehe… Achei que fosse um escritor convidado!
Parabens hotmar Guilherme, sucessos!
Obrigado, Reverson e David! 😀
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Este blog sempre supera as minhas expectativas (talvez eu devesse aumentar as minhas expectativas então, ué, hehehe). Meus parabéns, e obrigado!
Ôpa, obrigado, xará, pelos comentários motivadores! 😀
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Muito bom post.
Esse livro vai para a minha lista. Muito obrigado por compartilhar seus conhecimentos. Parabéns!!
Abraços.
Obrigado, Denis!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Guilherme,
Algumas considerações a respeito do seu ótimo artigo (embora eu o esteja lendo em janeiro de 2012, graças a São Google, rsrs)!
1) Vc disse que: “Nesse caso, suspeito inclusive que os preços dos carros, de um modo geral, subam acima dos índices oficiais de inflação.”
Meu depoimento: Meu carro é um Peugeot 206, ano/mod 2002/2002, 1.0, pelo qual paguei 25 mil em 2002. Ano passado, cogitei trocá-lo, e como o 206 saiu de linha, verifiquei os preços do 207. O modelo equivalente ao meu (porém 1.4, pois a Peugeot não faz mais nenhum 1.0 ), na época custava algo em torno de 36k/37k, então eu fiz uma conta rápida, pegando a inflação acumulada no período, verifiquei q o carro em questão subiu APENAS a inflação em relação ao meu de 2002. OK, é apenas um exemplo, mas eu não sei se concordaria com sua afirmação de q carros valorizam mais q a inflação…
Claro que a MINHA inflação seria superior à inflação real, pois na época eu cogitei de comprar uma versão superior, q custava uns 42k!
2) Logo abaixo do 2º comentário de Joe Dominguez e Vicki Robin, vc diz que: “De que adianta o Tesouro Direto pagar numa NTN-B Principal 2024 … devendo até o talo em dois financiamentos simultâneos (um de carros e outro de veículos)…”
Não seria um financiamento de carros e outro de imóveis? Do jeito q está não faz mto sentido…
3) Por fim, vc tb dá um exemplo no qual um IPod cairia de preço… Me desculpe, mas esse eu vou discordar mto!!! 🙂
Afinal de contas, qdo é q algo da Apple cai de preço? Só qdo tá obsoleto e duvido q dois anos depois vc compre o mesmo modelo q comprou inicialmente, claro q vai querer comprar um estalando de novo (olha lá meu exemplo do carro…) e o novo, NA MELHOR das hipóteses, vai custar o msm q o original. Bom, é minha opinião a respeito da Apple… Se fosse um aparelho Android eu poderia até concordar com sua premissa! 🙂
[]s e continue com o ótimo blog!
Mr. Spock, ótimas observações!
1) Como eu disso no artigo, trata-se apenas de uma suposição. Acho que vai muito da lei da oferta e da procura: carros muito procurados tendem a ter preços acima da inflação.
2) Sim, fiz a correção!
3) Pois é, pode ser mesmo!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Reflexão muito válida. Às vezes a gente tende a dar uma importância desmesurada a certos indicadores econômicos, esquecendo que eles servem como um referencial, mas não como algo determinante.
Eu mesmo, quando me vejo observando essas diferenças de preços ao longo do tempo, invariavelmente acabo vendo o copo “meio vazio”, ignorando exemplos como os que você deu quando há, de fato, deflação. Só tenho a agradecer por me ajudar a expandir minha consciência financeira (ainda) mais.
Olá Henrí!
Você abordou um ponto importante: às vezes damos importância demasiada às coisas que nos importam de menos, e nos importamos pouco com aquilo que pode de fato modificar nossa vida. O exemplo dos índices inflacionários é bem interessante e vem a calhar nesse sentido.
Abraços!
Realmente! Sem falar que muitas vezes esquecemos que esses números – como quase tudo em economia – estão longe de ser assim tão objetivos.
Lidar com números é uma arte e tanto, meu caro amigo!
Principalmente na questão da percepção da mudança do valor do dinheiro no tempo.
Abordarei isso num dos próximos artigos. O rascunho do texto inclusive já preparei. E é um convite a novas e boas reflexões.
Abraços!