Ano passado, o IBOV teve rentabilidade superior a 80%. Já o crescimento do PIB deverá ser pífio, algo em torno de 0,1%, segundo projeções do Governo Federal e do Banco Mundial. Alguém poderá dizer que isso ocorreu devido a fatores extraordinários: a alta rentabilidade da Bovespa deveu-se a uma forte recuperação de um dos piores anos (2008) para o Índice – normalmente o ano seguinte a um ano de forte baixa é um ano de retornos expressivos -, e a economia estava de um modo geral atravessando uma grave crise financeira cujo epicentro ocorreu no coração do capitalismo, os EUA, e que se alastrou para o resto do mundo. O que não deixa de ser verdade.
Já para esse ano de 2010, as previsões são as seguintes: crescimento real do PIB em 5,2%, segundo notícia do O Globo Online – portanto, bem mais que em 2009 -, e IBOV subindo também, mas com bem menos força do que no ano passado. Isso é praticamente consenso entre os especialistas. Novamente existem alguns fatores que explicam tais previsões: a economia está se recuperando de uma grave crise econômica, e o IBOV subiu muito no ano anterior, o que faria com que subisse menos nesse ano.
Mas não deixa de ser curioso o seguinte fato: num ano (2009) em que o retorno em ações é alto , o crescimento do PIB é baixo; e num ano (2010) em que o retorno previsto em ações é baixo, o crescimento do PIB é alto. Então seria a correlação negativa entre crescimento do PIB e retorno em ações uma exceção? A resposta é não. Por mais surpreendente que possa parecer, esse fato constitui a regra, ou seja, de fato a História tem comprovado que o crescimento da economia, medido pelo PIB, tem correlação negativa com a rentabilidade no mercado de ações.
Quem chegou a essa conclusão foi Jeremy Siegel, autor do livro Investindo em ações no longo prazo, cuja resenha do Viver de Renda pode ser lida nesse artigo do blog dele. A conclusão foi baseada na análise no retorno de longo prazo em dólar dos 16 maiores mercados do mundo, de 1900 a 2006, cobrindo, portanto, um período de mais de 100 anos, e comparando-os em relação à média real de crescimento do PIB. Também foi feito um estudo em relação aos países em desenvolvimento, e as conclusões foram as mesmas.
E por quê a correlação é negativa?
Segundo o autor, o crescimento da economia como um todo exige maiores despesas de capital, e esse capital não é dado gratuitamente. Com efeito, renovar e atualizar constantemente os meios de produção e a tecnologia exige grandes investimentos, cujas despesas são financiadas de duas maneiras: ou por meio de utilização de linhas de crédito (bancos, venda de títulos etc.), ou por meio de lançamento de novas ações. Os custos derivados dos financiamentos de crédito (pagamento de juros) e a diluição dos lucros (por meio de mais ações sendo lançadas no mercado), provocam uma diminuição do crescimento dos lucros por ação.
Então, o ponto central da questão é que o crescimento dos lucros por ação não é favorecido pelo crescimento econômico, embora esse afete favoravelmente o crescimento dos lucros agregados e dividendos.
Embora no curto prazo o crescimento econômico possa não impactar a rentabilidade das ações, por meio, por exemplo, do aproveitamento da capacidade ociosa das indústrias, no longo prazo, as evidências históricas apontam para a necessidade de expansão do capital para suportar um crescimento maior.
Um alerta
Esse trecho do livro chamou muito a minha atenção porque vai de encontro ao senso comum, ainda mais quando contextualizado na atual situação histórica em que vive o Brasil. Vejam o que andam dizendo por aí: “com a exploração do pré-sal, a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 ocorrendo no Brasil, com a tendência de declínio dos juros, tudo isso fará com que a economia cresça e haja um ambiente favorável para o crescimento acelerado das ações.” De acordo com os estudos acima relatados, isso só é parcialmente verdadeiro.
Não há dúvida de que o crescimento real da economia brasileira, impulsionada pelos eventos acima relatados, melhorará os investimentos e impactará positivamente o Produto Interno Bruto, mas isso não significará necessariamente altos retornos para o mercado de ações. Veja bem o que estou querendo dizer: não estou dizendo que haverá retorno negativo nas ações, mas sim que o retorno não será tão alto quanto foi em anos anteriores.
Esse fato está comprovado historicamente: a maior estabilidade macroeconômica tende a provocar uma maior estabilidade nos lucros, e a conseqüência disso tudo é um menor prêmio de risco para as ações. Aliás, para saber mais sobre o que é “prêmio de risco”, recomendo a leitura do excelente artigo do Henrique Carvalho postado no HC Investimentos.
Fica aqui o alerta: não se deixem impressionar pelas manchetes super otimistas da mídia especializada alardeando que a Copa do Mundo de 2014, as Olimpíadas de 2016, o pré-sal, a progressiva queda da taxa SELIC, a melhora da estabilidade macroeconômica etc., provocarão um excepcional retorno no mercado de ações. Essa correlação é negativa.
A tendência do mercado de ações continua apontando esse o melhor e mais seguro investimento a longo prazo, como deixa bem claro o livro acima apontado, mas não esperem que altos retornos em Bolsa derivem automaticamente do crescimento acelerado do PIB.
Em resumo: a minha esperança é na valorização das ações no longo prazo, mas não tanto quanto ocorreu no passado recente.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
p.s.: um artigo interessante sobre as “armadilhas do crescimento” foi escrito no site da Universidade de Wharton, em que se comenta o lançamento de um novo livro de Jeremy Siegel. Está aqui: O mais novo livro de Jeremy Siegel mostra o que o futuro reserva aos investidores
Excelente texto Hotmar. Acredito que os mercados de ações são parcialmente eficientes e que a maior parte do crescimento brasileiro já está precificado nos preços atuais das ações, pois são coisas esperadas por todos. O que poderá trazer novas grandes subidas na bovespa são novos fatos, desconhecidos atualmente e que possam surgir e beneficiar o Brasil.
Abs
Obrigado, Investimentos. Concordo com vc, somente novos e positivos fatos desconhecidos podem acelerar a subida da Bolsa daqui pra frente.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Muito interessante Hotmar!
Engraçado que esta opnião é a mesma do autor do livro que estou lendo agora (The Investor Manifesto).
Apenas um dado que constatei recentemente em uma análise:
Retorno Anualizado do Ibov de 5 em 5 anos (1995-2009):
1. 1995-1999: 37,02%
2. 2000-2004: 27,71%
3. 2005-2009: 22,52%
Logo, a maior estabilidade econômica fez com que os ativos brasileiros se tornassem menos arriscados, porém, o retorno destes também diminuiu. Não tem como fugir desta relação.
Não estou podendo acompanhar todos os seus posts mas sempre que posso dou uma olhadinha!
Grande Abraço meu amigo!
Olá, Henrique!
COmo sempre, seus comentários sempre trazem dados novos e úteis para ampliar os debates em torno dos artigos. Esse retorno anualizado do IBOV é a prova viva da validade da pesquisa feita pelo J. Siegel. É impressionante constatar como os princípios aplicáveis à economia e a Bolsa tendem a se repetir em diversos países!
Fique à vontade para comentar, é sempre uma honra ter seus comentários por aqui!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus lhes abençoe!