O blog Valores Reais tem a honra de publicar mais um guest post inédito de alta qualidade versando sobre investimentos, especificamente sobre o mercado de ações.
No texto de hoje, escrito pelo renomado escritor de finanças pessoais Jurandir Sell, serão abordados temas como mercados eficientes, Bolsa de Valores, ETFs e o que você, investidor pessoa física, pode e deve fazer em meio a todo esse cenário, a fim de tirar proveito das ações para a construção de seu próprio patrimônio.
O tema é propício para os dias atuais, tendo em vista os recentes recordes de pontuação que o Ibovespa vem obtendo, inclusive cravando 130 mil pontos na última sexta-feira, e a dúvida muito comum entre os iniciantes, sobre quais ações investir.
Confiram!
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“O mundo dos investimentos hoje se divide em duas grandes tribos: aqueles que acreditam que é possível ganhar mais do que a média do mercado e aqueles que acreditam que o melhor a fazer é tentar empatar o jogo, ou seja, ganhar na média do mercado.
No seio do primeiro grupo, existe ainda uma cisão enorme, uma verdadeira guerra fratricida.
De um lado, está quem acredita que pode ganhar acima da média utilizando gráficos com os preços passados dos ativos.
Do outro, quem acredita que para alcançar ganhos acima da média deve se dedicar a analisar as demonstrações contábeis, os projetos e a gestão das empresas, ou seja, seus fundamentos.
A análise gráfica, como forma de prever o valor futuro de um ativo, surgiu a partir da compilação das colunas escritas por Charles Dow no Wall Street Journal.
Ele tinha uma coluna em que fazia previsão de preços baseado nos gráficos de preços passados das ações.
Após sua morte, ocorrida em 4 de dezembro de 1902, seus admiradores reuniram as colunas em uma publicação e deram origem ao que hoje se conhece como análise técnica ou análise gráfica de ações.
A análise gráfica ganhou enorme popularidade principalmente no mercado aquecido da década de 1920. Entre os entusiastas estava o jovem investidor Benjamin Graham.
Porém a credibilidade da análise gráfica foi seriamente afetada na Crise de 1929 com a enorme queda, não prevista, da cotação das ações na Bolsa de Nova York.
Entre gráficos e fundamentos, a luta para bater o mercado
Benjamin Graham foi aluno da Columbia Business School e lá conheceu David Dodd. Em 1928, Graham se tornou professor na escola onde havia se formado.
Após o crash nas ações, Dodd, que já era professor da Columbia, passou a auxiliar Graham e tomar nota de suas aulas.
Dessa parceria, nasceu o livro “Security Analysis”, o primeiro a defender o conceito de investimento em valor.
Graham, um dos pais do ativismo dos minoritários nas grandes corporações, sempre foi um grande crítico da baixa qualidade das demonstrações financeiras das empresas de capital aberto.
Ele se notabilizou no caso da Northern Pipeline Co. Ele analisou as confusas demonstrações contábeis e descobriu que a empresa tinha vários ativos e títulos que não estavam sendo bem utilizados.
Conseguiu procurações suficientes para votar na assembleia de acionistas e forçar a Northern Pipeline a distribuir esses ativos aos acionistas.
Em 1949, Graham lançou o livro “O investidor inteligente”, certamente o livro de negócios mais famoso do mundo. Grande parte dessa fama foi dada pelo jovem Warren Buffett que, naquele ano, após ser rejeitado pela Harvard Business School, decidiu se matricular em Columbia movido pela admiração por Benjamin Graham.
Buffett praticamente dispensa qualquer apresentação. Ele e seu sócio Charlie Munger tornaram a Berkshire Hathaway Inc a maior e mais bem-sucedida empresa de investimentos do mundo. Buffet credita grande parte do seu sucesso às ideias de Graham descritas no mais famoso livro de negócios.
Buffet sempre defendeu a criteriosa seleção dos investimentos e a concentração em poucas empresas. Ele se tornou um grande crítico de uma nova abordagem sobre investimentos surgida em 1952 na Universidade de Chicago.
Nesse ano, Harry Markowitz publicou o artigo histórico “Portfolio selection” no Journal of Finance. Segundo Markowitz, os mercados não poderiam ser previstos.
Foi ele quem definiu pela primeira vez o risco como uma variável aleatória, além de tratar da forma como risco e retorno se comportam quando novos ativos são adicionados a uma carteira de investimentos.
Esse conceito de risco embasou a ideia de diversificação que se chocava com o postulado defendido tanto por analistas fundamentalistas quanto por analistas gráficos.
Assim, surgiu a divisão nas escolas de investimentos que citei no início deste artigo.
O embate entre as Finanças Tradicionais e as Finanças Modernas
As análises fundamentalista e gráfica foram agrupadas no que passou a ser conhecido como Finanças Tradicionais, e a nova escola que sugeria diversificação passou a ser conhecida como Finanças Modernas.
O arcabouço teórico das Finanças Modernas seguiu com os trabalhos de Franco Modigliani e Merton Miller, que defendiam a irrelevância dos dividendos, de William Sharpe com o famoso método CAPM (Capital Asset Pricing Model), que advogava só ser possível elevar o retorno de uma carteira de investimentos elevando o risco dela, e o trabalho de Eugene Fama, que define um mercado eficiente como aquele no qual os preços sempre refletem totalmente as informações disponíveis.
Mais tarde, todos esses autores foram laureados com o Prêmio Nobel de Economia: Franco Modigliani (1985), Harry Markowitz, Merton Miller e William Sharpe (1990) e Eugene Fama (2013).
A hipótese dos mercados eficientes
Para as Finanças Modernas, gastar tempo e dinheiro tentando descobrir ativos baratos para comprar ou ativos caros para vender é perder o tempo e o dinheiro gastos.
Um mercado é considerado eficiente quando o preço dos ativos já incorpora todas as informações disponíveis sobre ele.
A hipótese da eficiência dos mercados foi recebida como totalmente sem sentido pelo mercado financeiro. E teve entre seus mais ferrenhos críticos Charlie Munger e Warren Buffett.
Mesmo assim, as Finanças Modernas não tardaram a chegar no mainstream do mercado financeiro. John Clifton Bogle levou o conceito de imprevisibilidade dos mercados para o dia a dia dos investimentos ao fundar a Vanguard Group e criar o primeiro fundo de índice.
Esse tipo de fundo busca acompanhar o desempenho de um índice no longo prazo. Um gestor com uma estratégia passiva não busca gerar alfa, ou seja, um desempenho superior à média do mercado, ele apenas busca acompanhar o índice.
Se um gestor ativo tem sucesso ao superar a rentabilidade média do mercado expressa por um índice, como Ibovespa ou Dow Jones Index, um gestor de fundo índice tem sucesso ao empatar com o mercado.
Como é mais simples acompanhar a média do mercado do que superá-lo, os custos dos fundos passivos costumam ser mais baixos do que dos administrados ativamente.
Bogle pregava investimentos constantes, reinvestimento de dividendos, paciência para esperar resultados a longo prazo e rígido controle de custos de transação e administração. A Vanguard é famosa pelas baixas taxas de administração dos seus fundos.
Eis que surgem os ETFs
O passo seguinte foi dado com a criação dos fundos fechados negociados em Bolsa, os chamados ETFs (Exchange Traded Fund).
A primeira tentativa de estruturar um fundo que tentasse empatar com o mercado, com as características dos atuais ETFs, foi feita nos Estados Unidos por Ivers Riley, Nathan Most e Steven Bloom.
Um processo aberto pela Chicago Mercantile Exchange conseguiu suspender a comercialização de cotas em território americano. Depois dessa tentativa frustrada, o primeiro fundo de ETF foi autorizado a operar na Toronto Stock Exchange, no Canadá, em 1990.
Percebendo a viabilidade econômica do produto, a American Stock Exchange conseguiu autorização da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos para lançar seu primeiro ETF em janeiro de 1993.
Desde então, o produto obteve desenvolvimento considerável e, segundo o site Statista, existiam 7.602 fundos de índice negociados em Bolsa, no mundo, no final de 2020.
Os ETFs no Brasil
No Brasil, a instrução CVM 359, de 22 de janeiro de 2002, abria a possibilidade de existência de fundos ETFs, porém foi só em agosto de 2004 que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lançou o primeiro ETF nacional.
A oferta primária do PIBB11, o primeiro ETF brasileiro, representou um feito histórico pela forma como foi disponibilizado ao público.
O valor de uma cota na primeira oferta do fundo, feita no dia 26 de julho de 2004, era de R$ 26,29. Para incentivar a compra, o BNDES ofereceu aos aplicadores a vantagem de poder vender as cotas, até o limite de R$ 25 mil, pelos mesmos R$ 26,29, um ano depois da oferta – ou seja, no dia 27 de julho de 2005.
Naquele dia, porém, as cotas do PIBB estavam sendo negociadas no valor de R$ 34,75. Assim, não valia a pena vender ao BNDES por R$ 26,29.
No dia 25 de outubro de 2005, foi feita a segunda oferta primária de PIBB. Dessa vez, o limite de garantia foi ampliado para R$ 50 mil. Novamente, no vencimento do prazo, o valor de mercado estava superior ao valor do lançamento. Assim, os investidores não precisaram vender as cotas ao BNDES pelo preço do ano anterior.
Os dois lançamentos primários permitiram que muitas pessoas se aventurassem pela primeira vez no mercado acionário.
Em função da garantia de recompra pelo preço de lançamento, o risco do investidor era somente de perder o custo de oportunidade do dinheiro. Ou seja, no máximo, deixariam de ganhar os juros correspondentes ao período em que estivessem com o PIBB em carteira.
Na data da publicação deste artigo, existiam 27 ETFs de renda variável e sete ETFs de renda fixa registrados na B3, representando um patrimônio de R$ 43.559,60 milhões distribuídos entre 356.741 pessoas físicas, 1.912 investidores institucionais, 67 investidores não residentes, 18 instituições financeiras e 1.256 investidores classificados na categoria outros.
Além dos ETFs listados na B3, existem ainda 65 programas de BDRs (Brazilian Depositary Receipt) de ETFs estrangeiros que podem ser negociados no Brasil.
Um reforço de peso na defesa dos ETFs
Como falei anteriormente, Charlie Munger e Warren Buffett sempre foram grandes críticos da eficiência dos mercados e sua capacidade de gerar alfa, ou seja, ganhos acima da média dos mercados serviam de bandeira para os críticos das Finanças Modernas e dos ETFs.
Afinal, há mais de meio século, a dupla obtém um retorno de 20% ao ano no mercado financeiro, muito superior à média do mercado americano. Além disso, 43% do portfólio da Berkshire está concentrado em ações da Apple, empresa que ironicamente mantém o controle em conjunto com a Black Rock, a maior emissora de ETFs do mundo, e o Vanguard Group, criador dos fundos passivos.
Pois bem, para surpresa de muitos e desgosto daqueles que são contrários à hipótese da eficiência dos mercados, na convenção anual da Berkshire deste ano, a dupla de dirigentes passou a pregar que o investidor individual deve utilizar dos ETFs para investir no mercado.
Munger chegou a dizer que a forma como algumas pessoas tentavam ensinar outras a selecionar ações equivale a induzir jovens a usar heroína.
O que eu acho que você deveria fazer
Toda minha formação como professor e investidor foi feita na escola da análise fundamentalista. Quando conheci as Finanças Modernas, achei totalmente absurda sua proposição. Comecei a estudar o CAPM apenas como uma curiosidade acadêmica e o considerava totalmente inútil na prática.
Eu tinha total segurança de que meu desempenho era superior à média do Ibovespa, o principal índice da Bolsa brasileira. Lentamente comecei a me encher de coragem e revisei meus investimentos.
Para minha enorme decepção, cheguei à conclusão de que meu desempenho era inferior à média do mercado.
Desde que criei, na Universidade Federal de Santa Catarina, a disciplina de Finanças Pessoais em 2002, passei a defender que meus alunos deveriam utilizar da diversificação dos investimentos. Desde o lançamento, sou um entusiasta do PIBB11.
Em cada artigo e em cada aula que defendi os investimentos passivos, sempre recebi ataques, principalmente de jovens inconformados com o “absurdo” da ideia de que o preço dos ativos tende a ser a melhor estimativa dos preços futuros dos mesmos ativos.
Esses “ataques” nunca me ofenderam ou me chatearam, pois facilmente me enxergava mais jovem do outro lado da trincheira. E agora dois grandes soldados do campo oposto também trocaram de lado.
A parte que acho mais interessante em finanças é que as hipóteses da eficiência ou ineficiência dos mercados são excludentes, mas interdependentes.
Ou seja, se todas as pessoas acreditassem que não vale a pena duvidar da eficiência dos mercados e se lançassem à pesquisa para encontrar o valor justo de um ativo, os preços passariam a flutuar aleatoriamente fazendo com que os mercados fossem ineficientes.
E quanto mais pessoas duvidarem da eficiência dos mercados, mais pesquisas serão feitas e mais corretos se tornam os preços dos ativos.
Portanto, para que os mercados sejam eficientes, é fundamental que muitas pessoas duvidem disso.
Então, a menos que você seja um Warren Buffet ou um gestor profissional de investimentos, talvez o melhor a fazer seja acreditar na eficiência dos mercados”.
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Sobre o autor: Jurandir Sell é doutor em finanças comportamentais e produtor de conteúdo na Warren.
A abordagem do professor foi ótima , ao avaliar sua própria carteira e verificar, que mesmo com muito conhecimento e experiência, sua carteira ficou abaixo do mercado. Atitude difícil de adotar, mas muito inteligente. Será que temos coragem para este exame e descobri que não somos o gênio financeiro que pensamos ser.
Sem dúvida, Moisés, o texto foi ótimo!
Que bom que você gostou Moisés. Realmente não é fácil checar nossa própria carteira, o mais fácil e o auto engano. Abraço
Nossa, uma verdadeira aula…
Um passeio pela história dos investimentos modernos, muito bom o post.
Excelente. Foi tão didático que só faltaram os exercícios no final da folha rs.
Verdade, Felipe!
Manda seu endereço que mando a prova kkkk
Boa reflexão
Valeu, Marcos!
Eu penso da seguinte forma.
Existe gente muito bem graduada, paga para passar o dia analisando balanços, e ultimamente desenvolvendo softwares para automatizar essa análise. Eles usam seus resultados para fazer compras usando seus milhões ou até bilhões de reais sob sua gestão. Esse tipo de gente influencia o preço dos ativos, e cumpre o papel de tornar o mercado eficiente.
Você realmente acha que pode ser mais esperto (e mais rápido) que esse pessoal? Muitos realmente acham, e como dão sorte quando estão começando (ou não fazem os cálculos direito, levando em conta uma série de fatores como custos de transação), já se acham melhores que essa gente. Mas, como o texto mostrou, na hora de fazer os cálculos de verdade, especialmente se você já tem uma certa experiência acumulada, é difícil acabar não se convencendo que é melhor querer atingir apenas a média do mercado.
Excelentes comentários, Swine!
Concordo.
Abraços
O problema é que existem muitos vendedores de ilusão e os investidores iniciantes acabam sendo atraídos pela promessa de ganho rápido sem riscos, o que qualquer pessoa que entende o mínimo do mercado sabe que é impossível. Grande abraço.
Olá,
Espero que você esteja tendo um ótimo dia!
O meu nome é Luis Rodriguez sou Media Buyer na Onrunads.
A minha empresa está muito interessada em anunciar no vosso website.
O nosso objectivo é criar uma parceria muito rentável para si e por dar todo o apoio necessário.
Estou também disponível para ouvir as suas sugestões e negociar o melhor acordo para ambas as partes.
Tem interesse em saber mais detalhes?
Por favor entre em contacto.
Obrigado.
Olá Guilherme,
Essa foi uma ótima abordagem e no momento também estou mudando de lado na trincheira. tenho feito mudanças graduais de ativos para ETF. Acredito que será a melhor maneira de ganhar o ativo mais precioso chamado de TEMPO.
Abraços,
Verdade, VAR, é uma estratégia realmente muito boa!
Não precisa mudar tudo, para quem gosta do mercado um pouco de ações da mais emoções. Abraço
Guilherme,
Excelente post, uma verdadeira aula! 🙂
Boa semana,
Obrigado, Rosana!
Que bom que você gostou,
O texto é muito bem escrito, Parabéns ao autor!
Acho que numa carteira, há lugar para os dois: ações e ETF’s.
O problema de investir em ETF é que, em momento de baixa no mercado, é bem difícil você aportar em um produto que está caindo. O psicológico é muito importante. Você ver que a empresa da qual tem ações está na esquina de casa com clientes entrando e saindo é mais tangível que um ETF em bits e bytes no computador.
Eu gosto da tese dos ETFs, estou começando agora, tem nem 2 anos que comecei a estudar e fazer algumas ordens na corretora, por isso surgiu algumas dúvidas. Vou aproveitar que o professor está respondendo os comentários e colocar minha dúvida aqui.
Minha dúvida dessa tese é na hora da aposentadoria que eu começar a sacar os valores. Se for uma época de baixa por pânico ou crise, eu teria que vender as cotas por um preço inferior para poder usufruir dos investimentos.
Mas se eu tiver investido em empresas que estejam gerando caixa mesmo nessas épocas de crise, a distribuição dos dividendos não seria impactada e eu não teria que vender as cotas ou ações por um preço de pânico.
Eu sei que os dividendos descontam dos preços das ações e etc, mas o valor distribuído vem de geração de caixa real.