Diante do câmbio desfavorável e desequilibrado (com forte valorização do dólar frente ao real de 2020 pra cá), e principalmente diante de um cenário ruim de perigosa alta inflacionária de 5,20% nos 12 últimos meses, o Banco Central finalmente foi obrigado a ceder diante da realidade, e o inevitável acabou acontecendo semana passada: taxa SELIC subindo, mas com força, de 2,00% para 2,75% a.a.
Foi a primeira alta em mais de meia década – a última alta havia sido em 2015 – e que iniciará um novo ciclo na taxa de juros, só que dessa vez um ciclo de alta.
Em termos práticos, esse aumento de 0,75% ao ano não trará grandes impactos imediatos para seus investimentos.
É verdade que os rendimentos das aplicações financeiras pós-fixadas ao CDI ou à SELIC, tais como o Tesouro SELIC, os CDBs DI pós-fixados, os fundos referenciados DI etc., experimentarão um ligeiro e quase imperceptível acréscimo nos seus rendimentos nominais, porém, nada que os façam ainda terem juros reais positivos, uma vez que, conforme afirmado acima, a inflação medida pelo IPCA subiu mais de 5% na variação dos últimos 12 meses.
Muito mais importante do que interpretar os efeitos imediatos da alta dos juros sobre seus investimentos é interpretar os sinais que esse aumento representa, principalmente sob a perspectiva do longo prazo.
E os sinais não são nada positivos, pois eles indicam que, sim, a inflação voltou a ameaçar – e efetivamente está corroendo – o poder de compra da moeda brasileira.
Do lado dos passivos
No lado das linhas de crédito, observar-se-á uma tendência inevitável de aumento do custo do dinheiro para operações financeiras. O objetivo declarado do Banco Central é refrear o consumo, diminuir a demanda, e isso atingirá em cheio certos setores que dependem basicamente do crédito a juros baixos para conseguirem bem se desenvolver, como é o caso do setor da construção civil.
O crédito imobiliário tende a ficar mais caro, e, portanto, as pessoas que têm financiamentos imobiliários devem aproveitar – enquanto ainda é tempo – para repensarem e renegociarem as taxas de juros de seus financiamentos, seja com o próprio banco credor, seja com outros bancos dispostos a assumir tais créditos, o que pode ser feito pela via da portabilidade.
Não só o crédito imobiliário, diga-se de passagem: outros tipos de empréstimos podem e deve ser renegociados, antes que a corda estoure do lado mais fraco da relação de consumo. Negociar as dívidas, transferi-las para outras instituições financeiras, renegociar prazos e condições de pagamento, enfim, tudo o que estiver ao seu alcance para controlar melhor esse passivo chamado juros é fundamental para evitar fazer com que a bola de neve das dívidas assuma proporções que o façam ficar inadimplentes.
Lembre-se: ter dívidas não é necessariamente ruim, afinal de contas, quase todo mundo fica endividado quando usa um cartão de crédito, por exemplo.
O problema maior se chama inadimplência, ou seja, a incapacidade de pagar as dívidas – isso sim é um problema que merece ser tratado com a máxima urgência e respeito, a fim de evitar dores de cabeça com cobranças.
Do lado dos ativos
Há todo um conjunto de expectativas do mercado de que a inflação volte a subir com força, o que, por sua vez, tende a pressionar não as taxas de juros atuais, mas também as taxas de juros futuros.
Isso deve voltar a favorecer os rendimentos brutos nominais dos títulos prefixados e pós-fixados à inflação.
No âmbito do Tesouro Direto, por exemplo, os títulos prefixados já estão pagando entre 7% a 8% a.a., e alguns títulos atrelados à inflação voltaram a pagar IPCA + 4% a.a., conforme quadro abaixo:
Ainda é cedo para averiguar qual seria o impacto desse novo ciclo de alta nos juros sobre os fundos imobiliários e as ações, mas penso que, num primeiro momento, eles não serão afetados negativamente, até porque a taxa de juros SELIC ainda está num patamar muito desfavorável a ponto de se tornar atrativa o suficiente para haver uma migração em massa para a renda fixa.
Além disso, o próprio mercado já antevia a possibilidade de aumento nas taxas de juros, de modo que não há, por ora, com o que se preocupar em relação aos rendimentos das ações e dos fundos imobiliários, cujas cotações ficam mais sensíveis a outros fatores da economia, como desempenho econômico das empresas em si (no casos das ações), e a eventuais tributações nos rendimentos e dificuldades de negociação dos aluguéis com os locatários, no caso dos fundos imobiliários.
De qualquer modo, o novo ciclo de alta dos juros tende a provocar, a médio prazo, um rebalanceamento na carteira de ativos dos investidores, que se sentirão mais incentivados a aumentarem as alocações em renda fixa.
Conclusão
Mais importante do que o aumento em si da taxa SELIC é o que ela representa: o fim simbólico da política de estímulo monetário que perdurou ao longo dos últimos seis anos.
Apesar de ter ocorrido num momento em que o país atravessa a pior crise sanitária de sua história, tal medida era necessária e veio muito atrasada, pois o aumento dos juros, segundo muita gente do mercado financeiro, deveria ter ocorrido já no ano passado, em vista dos sinais inflacionários emitidos pelo mercado, principalmente em relação ao IGPM, além do óbvio custo da depreciação do real frente ao dólar, que contribuiu para agravar ainda mais a pressão sobre os preços do atacado e do varejo.
O momento atual, enfim, reclama, como denota o aumento da SELIC, numa palavra de ordem: contenção de gastos.
Como dissemos ao longo de vários artigos ao longo das últimas semanas, foque no trabalho, foque nos aportes, e deixe o tempo fazer o seu trabalho.
Mais importante do que ganhar +0,75% a.a. na sua renda fixa, é o quanto de energia você consegue imprimir em seu trabalho e no controle de suas despesas mensais, para fazer sobrar mais dinheiro, e empregar esse dinheiro em ativos de qualidade em sua carteira. 😉
Guilherme,
Gostei do que você disse no final sobre o foco no trabalho e aportes, pois é o que temos em mãos para o aumento do patrimônio.
Vejo o momento com cautela, pois o poder de compra está sendo corroído a cada dia e o desemprego apresenta altas constantes. Tudo isso na pior crise sanitária da história brasileira.
O triste cenário atual nos deixa uma grande lição: não deixe para depois o que você precisa fazer hoje, pois podem ocorrer eventos adversos que atrapalhem os seus planos quando a “lição de casa” não está em dia.
Tenha metas. Estude. Não deixe para depois. Não procrastine.
É como em uma forte tempestade. Qual das duas construções terá mais condições de sair com menos danos: uma cerca de madeira ou um muro bem estruturado e com boa fundação?
Boa semana,
Excelentes comentários, Rosana!
Como você bem disse, atitudes preventivas, bons hábitos financeiros e uma postura mental forte, são elementos cruciais para conseguir superar as adversidades.
Boa semana também!
Acho curioso chamar de “inevitável” o aumento da taxa de juros… a inflação que está tendo não tem a ver com o aumento da demanda, aliás, muito pelo contrário, estamos numa recessão e agora, com os juros subindo, a demanda vai diminuir ainda mais. Ou seja, utilizam um instrumento, taxa de juros, que não vai combater a causa do problema nesse caso específico. Mas infelizmente, no Brasil, o debate econômico acaba sendo muito raso e criam-se verdades absolutas que não são questionadas…
Quais são as causas da inflação, na sua opinião?
Bacana a análise, Guilherme. Também acho que no curto prazo (até o fim de 2021) não deverá ter nenhuma corrida de saída da RV, porém havemos de ligar o sinal amarelo. Um Tesouro com cupom semestral passa a fazer cada vez mais sentido frente a um fundo imobiliário e a tranquilidade de não haver perda nominal na posição (presumindo o carrego até o vencimento).
Muito breve irei calcular um rebalanceamento.
Abraço
Sem dúvida, AC.
Diversificar os investimentos “mais pro lado” da renda fixa voltou a fazer sentido.
Abraços
Hoje, podemos encontrar muitos CDBs pré-fixados, emitidos por IF que têm segurança, pagando entre 8% a.a. e 9% a.a. para vencimentos até 2 anos (IR de 17,5 %).
Estou “desconfortável” com esse fato quando constato que, dos 12 FII que invisto, 4 deles me dão entre 5% a.a. e 6,5% a.a. (com expectativa zero para valorização das cotas).
Alguém mais está vendo assim?