Há alguns dias li um artigo no blog do Cal Newport que me despertou a atenção.
Pra quem não conhece, o Cal é um pesquisador sobre produtividade e desenvolvimento pessoal, e autor de vários livros consagrados sobre o tema, como Trabalho Focado (Deep Work) e Minimalismo Digital (Digital Minimalism). Falei, de passagem, sobre ele, em um comentário escrito num artigo sobre como obter mais sucesso e satisfação pessoal.
Pois bem, nesse artigo acima referido, Cal contou a história de um escritor bem sucedido nos Estados Unidos, John Steinbeck, já falecido. Durante sua bem sucedida carreira como escritor, ele escreveu 33 livros e ganhou um Prêmio Nobel. Ele passava boa parte de seu tempo livre escrevendo num ambiente bucólico, em que se situava o imóvel de verão onde passou boa parte de seu tempo (e que atualmente está à venda pela bagatela de 18 milhões de dólares).
O ponto de destaque sobre essa história não é propriamente sobre a sua rotina de trabalho, mas sim sobre a sua rotina de descanso:
“With his writing done, Steinbeck would then relax:
“Afternoons were spent fishing or hobnobbing at Sal and Joes or Baron’s Cove resort, or with Truman Capote, Kurt Vonnegut, and other writers at The Black Buoy, his beloved standard poodle in tow.”
Another source talked of how he would wander over to the docks in rubber boots to chat up the local fishermen”.
Ou seja, depois de trabalhar concentrado e focado, ele passava as tardes descansando em seu barco ou conversando distraidamente com os pescadores locais.
E esse é o ponto. Numa sociedade, como a que estamos inseridos, onde é praticamente impossível se desconectar, Steibeck nos oferece um poderoso insight sobre o valor do descanso deliberadamente desligado:
“Steinbeck represents the tail end of a period during which many intellectual types embraced a sort of heroic inactivity.
They understood overload to be the foe of inspiration, and put their non-professional lives into an uneasy but necessary alliance with productive output.”
Aqui está talvez a chave capaz de desbloquear o segredo da produtividade de Steinbeck: viver uma vida em ondas, isto é, alternando ou intercalando períodos de máxima produtividade com períodos de absoluta ociosidade.
O problema da sociedade atual
E qual é o problema da sociedade atual?
É a dificuldade de se desligar.
Atuamos e vivemos num moto-contínuo, onde precisamos estar disponíveis 24 horas por dia, conectados às grandes e micro redes que dominam nossas vidas. Mas até que ponto tudo isso é realmente necessário?
Alguém poderia alegar, em contraposição a tudo o que se disse acima, que seria impossível Steinbeck se conectar do modo como nos conectamos hoje porque, na época dele, a Internet simplesmente não existia – e isso não deixa de ser verdade.
Mas o problema não é esse: o problema é a dificuldade de as pessoas entenderem o poder das pausas deliberadas. De não compreenderem que, para realizarem um trabalho ótimo, ou terem sucesso em seus estudos, em seu trabalho, ou qualquer que seja sua atividade, elas não precisam agir como máquinas, ligadas na tomada 24 horas por dia.
É preciso recarregar as baterias de vez em quando.
E isso precisa ser feito de modo deliberado, como está no título desse artigo. Ou seja, ser feito de modo intencional, propositado, mesmo que você ainda tenha ache que ainda tenha gás para continuar trabalhando, e ainda que essas horas “desperdiçadas” (porque desperdiçadas efetivamente não são) possam lhe custar algumas páginas de um livro, ou algumas etapas de seu trabalho, projeto ou atividade.
Conclusão
Sabemos o quão difícil é se desligar completamente nessa sociedade que demanda cada vez mais de nós.
A solução, como sempre, começa com a auto consciência, e perpassa necessariamente pela avaliação das camadas que você está adicionando à sua vida: elas fazem sentido? Elas continuam fazendo sentido?
Às vezes, a melhor maneira de turbinar o cérebro é descansando o cérebro, por mais paradoxal que isso possa parecer.
Não é apenas sua saúde física, sua carreira profissional, ou seus afazeres pessoais que têm a ganhar quando você descansa de modo deliberado e propositadamente desligado: é sobretudo a sua saúde mental que tem ganhos.
É por isso que as férias são tão importantes: não as negligencie, pois o esforço de trabalho acumulado por quantidades de tempo ininterruptas podem se tornar veneno, ao invés de remédio, para sua vida.
Em resumo: não pense no descanso apenas como modo de intervalar sua rotina. Encare-o também como elemento revigorador de sua rotina. 😉
Esse assunto também é tratado muito no curso “Learning how to learn”, no coursera [1]. Como explicam no curso, o descanso (não só ele, claro) é extremamente importante para o aprendizado. Você tira o cérebro do modo focado e passa para o modo difuso, onde ele começa a pegar as informações que você deliberadamente coletou e tenta fazer conexões com as coisas que você já sabe, tentando gerar novo conhecimento e efetivamente assimilar aquilo que estava fazendo.
[1] https://www.coursera.org/learn/learning-how-to-learn?
Excelente, MJC, muito boa essa explicação sobre os poderes do descanso.
Gostei da proposta desse curso do Coursera, e pelo que vi ainda por cima parece ser gratuito.
Guilherme,
Muitas vezes, acredita-se que ser multitarefa, emendar uma atividade em outra e encarar o sono como desperdício são necessários, mas como seu post bem ilustra, momentos de pausas são necessários para a criatividade e também para a saúde física e mental.
Não precisamos de tanta conexão.
Tampouco precisamos de tanta informação.
Precisamos escolher o que realmente vale a pena.
Muitas vezes, menos é mais. E muitas vezes é exatamente com esse “menos” que nossa vida pode tornar-se melhor, pois a maioria dos excessos da vida atual são totalmente desnecessários.
Parabéns pelo post. Excelente para começar bem a semana.
Excelentes insights, Rosana!
Você resumiu com perfeição o conteúdo do post: menos é mais.
É o poder do menos em nossas vidas que pode torná-la melhor. Muito bom.
Abraços e boa semana também!
Excelente o tema abordado, Guilherme. Eu a cada dia que passo acredito mais e mais nisso. Por mais que as ideias de sucesso vendam o contrário (tem que ser incansável!), no fundo a gente sabe que não existe fôlego eterno.
Você me deu até uma ideia: blocar horários de pausas na agenda, onde não seja permitido celular. Quem sabe assim eu aprendo.
Boa semana!
Obrigado, Michelle!
Realmente, a ideia de blocar parece ser bastante promissora mesmo!!!!!
Parabéns pelo blog, acabei de adicioná-lo à minha lista de feeds.
Boa semana também!
Há um livro que consulto periodicamente, de John Naish, que aborda o conceito de suficiente. Quanta informação precisamos? Toda a que estiver disponivel, toda a que dermos conta de ler? Não, apenas o suficiente. Mais do que o suficiente é desperdicio. E isso se aplica a todas as areas da vida, de compras a viagens, de leitura a trabalho.
Em portugues o titulo do livro fugiu do titulo original (Enough) , e ficou como Chega de desperdicio.
Recomendo muitissimo a leitura. Além de tudo, tem um enfoque de sustentabilidade que me agrada muito.
Excelente recomendação, Vânia!
O conceito de suficiência também é central na obra do Joe Dominguez e da Vicky Robin, Dinheiro e Vida => http://valoresreais.com/2010/02/01/resenha-dinheiro-e-vida-de-joe-dominguez-e-vicki-robin/
Abraços!