Como eu disse há alguns dias, a educação financeira é uma ferramenta de monitoração permanente de suas falhas com o dinheiro.
E uma dessas falhas, observada principalmente em quem ainda está no estágio inicial de instrução financeira, ocorre na análise incompleta das compras de passivos que geram “despesas associadas”.
Normalmente, quando buscamos comprar um produto ou serviço, levamos em consideração apenas o preço dele em si, esquecendo que eles podem carregar toda uma série de gastos vinculados, que se perpetuam após a compra, e que podem fazer o barato sair caro, e o caro sair mais caro ainda.
Por todos esses motivos, fazer pesquisas de compras, calcular os custos associados, e realizar ponderações e reflexões sobre a necessidade das compras, são ingredientes fundamentais para se fazer uma compra bem pensada e bem planejada, e que te proporcione o maior satisfação possível.
O clássico exemplo de uma compra que gera muitas despesas associadas é a aquisição do carro: ele jamais deve comprado levando em conta apenas o preço puro e simples do veículo. Isso porque ele gera toda uma série de despesas vinculadas – talvez seja o passivo (além da casa própria) que mais gere despesas vinculadas ao longo de toda a sua existência. Quando você sai da concessionária, ou melhor, antes mesmo de sair da loja, você já tem que pagar os custos embutidos no emplacamento. A cada ano, você precisa pagar IPVA, licenciamento e seguro. Todo mês, vêm gastos com combustível e estacionamento.
Além disso, há também os custos inevitáveis da revisão anual e das manutenções e reparos periódicos. E fora os gastos com limpeza do veículo.
Ou seja: pagar um carro não significa apenas pagar o preço do veículo em si, mas também de todas as despesas a ele associadas!
A compra de um imóvel residencial (que não deve ser visto como uma classe de investimentos, mas sim como um redutor de despesas de aluguel) também não deve ser feita observando-se apenas o preço da venda. Tão importante quanto ele é o custo das despesas permanentes associadas, sendo uma das mais relevante delas, sem dúvida, a famigerada taxa de condomínio mensal. Muitas pessoas chegam até a desistir da compra de um imóvel não por conta do preço do imóvel em si (que estaria até atrativo), mas sim pelo preço do condomínio mensal (que é uma despesa fixa obrigatória, que, além de não ter como escapar, é inegociável), que acaba tirando toda a vantagem oferecida pelo preço de venda.
Na área de gastos com lazer, um dos maiores erros que alguém pode cometer é fazer o planejamento de uma viagem olhando apenas para o preço da passagem aérea. Isso porque uma viagem de lazer traz toda uma série de despesas associadas, dentre as quais se incluem: gastos com diárias de hotel, traslados residência > aeroporto, aeroporto > hotel, refeições (todas elas, obviamente, serão feitas fora de casa, implicando em grandes gastos com restaurantes), transporte urbano (ônibus, apps de corridas etc.), lembrancinhas e souvenirs, seguro-viagem, vistos etc.
Os exemplos são inúmeros, e até aqueles passivos aparentemente inofensivos carregam também suas próprias despesas vinculadas, que mais cedo ou mais tarde você terá que arcar.
Quando você compra um celular, você não gastará dinheiro apenas com o aparelho: terá que adquirir também uma capa, uma case, uma película protetora para a tela, talvez uma garantia estendida etc.
Uma mera peça de roupa pode gerar um gasto adicional com costureira para ajuste, requerer uma lavagem especial numa lavanderia especializada etc.
O custo oculto da depreciação
No caso específico da compra de bens materiais, uma das mais negligenciadas despesas associadas é, sem dúvida, a despesa oculta da depreciação do valor do bem no decorrer do tempo.
A depreciação costuma ser mais notada e observada no caso da compra de veículos, em que muitas pessoas decidem se vão comprar ou não determinado carro em função da menor ou maior depreciação do preço do veículo no decorrer dos anos. Há montadoras e certas marcas/modelos de veículos que são mais valorizadas pelo mercado e que, portanto, podem ser revendidas com uma margem de depreciação menor, enquanto outras, justamente pela má reputação e péssimo histórico de pós-venda ou problemas no modelo de carro, têm seus veículos severamente punidos pelo mercado no que tange ao preço de revenda.
No entanto, o mesmo tipo de avaliação não costuma ser levado em conta quando se compram outros tipos de bens de menor valor, como TVs, computadores, notebooks, celulares e eletrodomésticos. Nesses casos, como devemos pensar o custo oculto da depreciação?
Uma das maneiras mais objetivas de fazê-lo é avaliando o seu custo de reposição. Pelo custo de reposição você pode ter uma ideia do custo oculto da depreciação, principalmente nos casos em que o uso do atual bem ficar completamente inviável.
Pense no último celular que você comprou, e que você ainda está usando. Agora, imagine que ele pare de funcionar e que não tenha conserto, e você precise comprar um novo. Qual é o custo de reposição que você terá que arcar?
Seu ar condicionado parou de funcionar. Levando na assistência, lá lhe é dito que não há conserto. Qual é o custo de reposição do aparelho?
Pensar no custo concreto de reposição tem sua importância na medida em que funciona como um contrapeso para que você pense nas possíveis despesas associadas que terá com a compra de um novo passivo, e te faça refletir sobre a possibilidade de comprar um passivo com melhor qualidade e que, portanto, lhe acarrete o menor ônus possível em termos de depreciação.
E isso por um motivo essencial: quanto maior for a qualidade de um bem material, maior será a vida útil dele e, portanto, há chances reais de você ter menos gastos associados e, consequentemente, retarde o máximo possível o custo de reposição desse mesmo produto.
Às vezes vale muito a pena fazer uma pesquisa aprofundada antes, estabelecer uma programação para juntada sistemática de dinheiro, e gastar um pouco mais com um bem de maior qualidade, cuja depreciação será menor no decorrer do tempo.
Ao agir assim, você estará evitando a necessidade de ter que arcar com frequentes custos de reposição, por compras anteriores mal planejadas.
Embora isso – custo de reposição – não seja uma despesa associada, pois não está vinculada ao bem que você comprou anteriormente, é inevitável que um dia ela irá bater à porta de sua planilha de gastos, pois os bens materiais estão ficando, hoje em dia, cada vez mais descartáveis, com ciclos de vida útil cada vez menores. Até certas marcas/modelos de TVs, microondas e máquinas de lavar já não duram tanto quanto as mesmas TVs, microondas e máquinas de lavar de antigamente.
O que fazer para controlar tais gastos?
Já que boa parte dos passivos – sobretudo os passivos mais caros – geram despesas associadas, te obrigando a realizar gastos além do gasto com a compra do bem/serviço em si, o que fazer para diminuir o impacto deles em seu orçamento doméstico?
A primeira providência prática é simplesmente não tê-los. Controlar sua mente, e não se deixar seduzir por aquela passagem que custa a metade do dobro, mas que vai te exigir gastos adicionais com diárias de hotéis, refeições, transporte terrestre etc.
Gastar o celular atual até onde for possível. Prolongar o prazo de validade daquela roupa comprada em promoção. Dar mais alguns anos de vida para seus sapatos e tênis.
Adiar a compra do carro ou do imóvel por mais alguns meses – ou anos. Isso fará muito bem ao seu bolso, pois livrará seus fluxos futuros de caixa de ter que arcar com despesas recorrentes obrigatórias. Adiar a compra de um bem material irá gerar mais sobras financeiras para investir e consolidar patrimônio. A sensação de liberdade proporcionada pela ausência de financiamentos e parcelas a perder de vista é indescritível, sendo uma etapa obrigatória para quem pretende percorrer o caminho da prosperidade financeira.
Porém, se você já tiver feito a compra dos passivos, o objetivo, então, passa a ser gastá-los, preferencialmente até o limite da usabilidade.
Não, você não leu errado. Não é gastar com coisas, mas sim gastar as coisas. Como eu disse no artigo clássico: não faça gastos com coisas: faça as coisas gastarem:
Uma das virtudes fundamentais para uma vida mais carregada de significado é o equilíbrio. Quando você adquire o equilíbrio, em todos os seus quadrantes: mental, emocional, físico e financeiro, você adquire a sensação de estar bem consigo mesmo.
E um dos meios para se atingir uma vida equilibrada passa necessariamente pela atitude descrita nesse texto: não faça gastos com coisas, faça as coisas gastarem. Mude a “chavinha” da sua mente, para que ela passe a ampliar o ciclo de vida útil dos produtos que você consome. Serene a sua alma e desacelere, estabelecendo limites de atenção, de tempo e de dinheiro, para um mundo que quer que você viva (e gaste) de modo ilimitado – ilimitadamente ruim – sua atenção, seu tempo e seu dinheiro.
Conclusão
Ao planejar a compra de qualquer passivo de um montante considerável (digamos, a partir de mil reais), faça um C.E.T. (Custo Efetivo Total) mental do custo da aquisição.
Faça perguntas do tipo:
- Quanto eu vou gastar além do produto/serviço em si?
- Há algum tipo de despesa recorrente fixa que esse bem irá trazer?
- Por quantos anos eu terei esse passivo?
- Se eu for revendê-lo no futuro, qual seria o valor que eu conseguiria obter?
- Eu preciso mesmo dessa compra a essa altura da minha vida?
Questione, indague, reflita, pondere. Qualquer gasto deve ser objeto de registro e anotação, mas aquelas despesas que carregam outras despesas vinculadas posteriores devem merecer um tratamento mental privilegiado, pois são elas que tendem a sufocar ainda mais seu orçamento doméstico, se não houver o devido planejamento estratégico.
Considere as duas opções extremas: ou simplesmente não comprar, ou gastar um pouco mais de tempo (certamente) e/ou de dinheiro (nem sempre) comprando uma alternativa de melhor qualidade, que reflita custos associados menores no futuro.
Ambas as alternativas são válidas, e uma delas pode perfeitamente se encaixar em seu cenário de consumo, considerando suas circunstâncias atuais de vida, e sobretudo suas prioridades.
Como eu já disse aqui no blog outras vezes, controlar os impulsos de consumo, fazer as coisas gastarem e estabelecer limites são atitudes que requerem um conjunto de virtudes.
Requerem a virtude do autocontrole: em vez de ser controlado pelos outros, você é que terá que assumir a responsabilidade pela condução de sua própria vida, e independência suficiente para atuar com indiferença ao que outras pessoas fazem.
Requerem a virtude da disciplina para fazer a limitação dos desejos uma prática diária de renúncia a coisas que são absolutamente renunciáveis (lembre-se: você não precisa disso para ser feliz).
Requerem, por fim, as virtudes da concentração e foco, porque você estará abrindo mão de benefícios de curto prazo (paliativos) em prol de vantagens superiores, estáveis e duradouras a longo prazo.
Tais virtudes são essenciais para serem exercitadas no campo do consumo, pois, ao serem praticadas, aumentam sensivelmente as chances de você conseguir controlar as despesas associadas de certos gastos. Pratique-as!
Muito bem elaborado, Guilherme!
Realmente existem classes inteiras de ativos, nao apenas os carros e outros bens de consumo, mas outros que costumamos considerar “investimentos,” inclusive os imoveis, que poderiam acabar gerando muito mais despesas do que receitas [inclusive possivel apreciaçao] no futuro.
Entao, tais “investimentos” acabam sendo “desinvestimentos.”
Bem melhor, quando possivel, priorizar aquelas classes de ativos que tem mais potencial para produzir receitas passivas do que passivos rsrs.
Abraço!
Oi Michael, obrigado!
Gostei da sua última frase, escolher classes de ativos que gere receitas passivas, e não passivos…..rsrs
Abraços!
Belo texto, Guilherme! Foi bem abrangente, podendo ser comentado sob várias visões. Elegi duas.
Saber o valor real do bem depreciado é importante para sabermos nossa situação. Mesmo pessoas conscientes da IF não fazem esses abatimentos quando preenchem suas planilhas e quando precisam negociar tais bens verão uma queda além da esperada no patrimônio (a declaração de IRPF prejudica esse pensamento…).
Eu jogo todo mês no MSMoney a depreciação de ativos da casa e de informática e faço um inventário aproximado anualmente para checar se o valor que fechou o ano é real. Veículos, fecho os valores mensais pela tabela FIPE.
Mesmo investimentos em RF ou PGBL, por exemplo, as pessoas contabilizam o “bruto” e não o “líquido”. Não deixa de ser uma forma de “depreciação” no sentido que vc achar que tem algo e não tem…
O outro ponto é em relação à dificuldade de as pessoas avaliarem o que já possuem e usar (ou não) o que já tem antes de fazerem novas compras. Vejo isso com pessoas próximas. Compram coisas sendo que já possuem e nem sabem. Ou mantém-se em serviços que não usam. Exemplo recente: uma pessoa que não usa celular, fica basicamente em casa com wifi e usa basicamente a internet paga um plano controle de 59,90 ao mês…
Eu encontro-me na mesma situação de uso e gasto 50,00 a cada seis meses no meu pré-pago da TIM. E detalhe: o saldo acumula. Tenho mais de 200,00 nele… Mas preciso fazer a recarga semestral senão perco meu número…
Que tal vc abrir uma fintech estilo Maxmilhas para trocarmos esses créditos hehe?
Abraço!
Olá, André, excelentes comentários!
Quanto ao primeiro ponto, até vai gerar novo artigo no blog a respeito! E isso também se aplica ao caso do salário: o que mais importa é o valor líquido, e não bruto.
Sobre o segundo ponto, é a mais pura verdade. E vejo isso com bastante frequência em outro item, chamado “roupas”, onde muitas pessoas as tratam como se fosse itens descartáveis quando se muda de ano ou ainda de estação.
Agora, esse negócio do celular é um caso sério….. boa ideia essa da fintech……rsrs
Abraços!
Estou viciado em analisar essas despesas associadas.
No meu caso, o que acabei de me livrar, foi de um videogame. Além de seu custo ser elevado na compra base, ele traz uma serie de despesas mensais (assinaturas, mensalidades, jogos novos etc)
Mas acredito que o maior vilão é o automóvel, pega todo mundo no seu primeiro carro desprevenido, infelizmente por falta de educação financeira. Assustam-se com o combustível, estacionamentos, manutenções mensais e demais obrigações anuais (IPVA, Seguro).
Semeador
Olá, SF, bem lembrada essa questão do videogame, é uma indústria que vive basicamente das receitas produzidas pelos caros jogos que são lançados continuamente.
Lembre também do custo de oportunidade
Muito bem lembrado!
Belo texto, Guilherme. Destes que você citou o que mais engana é o imóvel. Na cidade onde moro as pessoas costumam comprar terrenos e deixar ” valorizar”. Difícil é convece-los do custo da oportunidade. Isso sem contar que na emergência geralmente vendem com perdas.
Verdade, Claudinei. A falta de liquidez é enorme, fora os bem lembrados custos de oportunidade que são enormes.
Em engenharia, esse conceito é chamado de TCO (total cost of ownership).
Eu penso no TCO de quase tudo que tenho!
Acho que todos devemos ter esse tipo de estrutura mental!
Gratidão por mais esse texto. Não só por sua filosofia geral, que é (como sempre) expressa de forma muito clara, mas também pelas sugestões no final de perguntas a se fazer antes de uma possível compra. (Não seria uma má ideia ter à mão um checklist com elas!)
Também me agradou muito a lista de virtudes a serem exercitadas, e, se possível, gostaria de incluir uma junto de concentração e foco: paciência (principalmente pra esperar pelo momento apropriado pra fazer uma compra que pareça de fato importante).
obs.: sensacional o comentário do André sobre a importância de considerar a importância da depreciação na hora de avaliar o patrimônio. Espero mesmo que você escreva um post a respeito.
Oi Henrí, obrigado!
Muito boa a sua observação de acrescentar a paciência como uma virtude a ser exercitada, que tem muito a ver com o controle emocional, que acaba exercendo um papel muito ativo em determinadas compras.
Sobre a ideia que o André gerou, sim, o artigo irá ao ar amanhã, tendo o foco no patrimônio bruto x líquido.
Contudo, a ideia de abordar a depreciação também gerou muitas reflexões, e acho que servirão de base para outros posts no futuro.
Abraços!