Um das gratas surpresas do ano de 2017 foi a descoberta do podcast Radical Personal Finance (RPF), de Joshua Sheats.
Além de tratar das finanças pessoais com opiniões que muito se assemelham às ideias expostas nesse blog, o podcast do RPF ainda tem a vantagem de ser narrado em um inglês de vocabulário bastante compreensível e de modo bem pausado, o que proporciona o aprendizado do idioma de modo mais proveitoso. E tudo isso sem contar, é claro, com o próprio aprendizado de novas ideias em matéria de finanças pessoais, sobretudo dos princípios e valores que regem uma vida financeira saudável.
Nas palavras de Joshua:
“I’m here to guide you on your path to financial freedom. I’ve learned from years of experience as a professional financial advisor what works and what doesn’t. I’m here to share with you the proven strategies, tools, and tactics that you need to achieve your goals more quickly and more efficiently. No matter where you’re starting, you can clarify what financial freedom means to you, construct a comprehensive financial plan, and work the plan until you’re free”.
Numa tradução livre:
“Estou aqui para guiá-lo em seu caminho para a liberdade financeira. Eu aprendi com os anos de experiência como consultor financeiro profissional o que funciona e o que não funciona. Estou aqui para compartilhar com você as estratégias comprovadas, ferramentas e táticas que você precisa para alcançar seus objetivos com mais rapidez e eficiência. Não importa de onde você esteja começando, você pode entender o que a liberdade financeira significa para você, construir um plano financeiro abrangente e trabalhar o plano até que esteja livre”.
E foi um desses valores, expostos em um dos seus últimos episódios, que é objeto do texto de hoje: o valor da obscuridade.
Joshua centrou sua narração em duas teses principais:
1. A frugalidade é necessária para você construir riqueza;
2. A obscuridade é necessária para você manter a riqueza previamente construída.
Quem já for leitor antigo e assíduo do blog já tem uma boa noção do que vem a ser frugalidade, bem como de sua importância para a construção da riqueza.
A frugalidade não é opcional: ela é indispensável para que você consiga alcançar sua independência e liberdade financeiras. Não há como construir patrimônio através dos investimentos se você não fizer sobrar dinheiro no final do mês. Aliás, a própria ideia de investir já pressupõe gastar menos do que ganha. Só se investe aquilo que você consegue fazer sobrar no final do mês.
O valor da obscuridade
Mas o que é ser obscuro? Qual é o papel que a obscuridade desempenha para sua vida pós independência financeira?
Ser obscuro pode ser sintetizado na seguinte frase: não ostentar.
Não se exibir. Não se gabar. Não fingir ser uma pessoa que você não é. Que é o oposto do que se vê hoje.
Com a proliferação das redes sociais e o uso cada vez mais onipresente dos celulares em nossas vidas, a ostentação deixou de ser feita apenas no, digamos assim, mundo real, com o carro que se coloca na garagem, com o relógio com que se vai ao trabalho, com o par de sapatos com que se vai à festa etc., e passou a adentrar com uma força descomunal no mundo virtual.
É no mundo virtual que prendemos e mergulhamos a nossa atenção, e ele – o mundo virtual – funciona como um palco irresistível para que a obscuridade seja jogada para escanteio. As pessoas não querem viver obscuras: elas querem atenção. Querem chamar a atenção. Querem seguidores. Têm sede por comentários, curtidas, joinhas, likes. Querem demonstrar para os outros que têm sucesso. E que coisa melhor para chamar a atenção do que postar fotos e vídeos demonstrando posse de bens de valor?
É uma característica cultural do brasileiro o apreço à imagem. É por isso que os brasileiros preferem ver vídeos do que ouvir podcasts. É por isso que redes sociais como Facebook, Instagram e YouTube são tão populares no Brasil: porque o brasileiro se apega muito à imagem. É um povo muito visual. Talvez isso também explique o fato de o Brasil ser o segundo país do mundo onde mais se realiza cirurgia plástica.
E o que tudo isso tem a ver com a obscuridade?
Tudo, pois, quanto mais exibição se faz, mais “likes”, curtidas e “joinhas” a pessoa angaria. Isso injeta dopamina na sua mente, estimulando-a a publicar mais fotos, mais posts e mais imagens que chamem a atenção, na esperança de obter ainda mais “likes”, curtidas e “joinhas”. E o ciclo se repete. As curtidas aumentam. Os seguidores aumentam. O palco se amplia. O círculo vicioso é interminável, e a pessoa fica literalmente viciado nesse novo modo de viver a vida.
Se vale a pena fazer tudo isso?
Do ponto de vista financeiro, pensando na acumulação de capital a longo prazo, o exibicionismo é um perigo, pois ele potencializa as chances de diminuição de patrimônio.
Os riscos para a saúde financeira, de ficar mostrando aos quatro cantos seus supostos sinais exteriores de riqueza, não compensam as eventuais injeções de dopamina que se ganham com os likes, curtidas e joinhas.
As pessoas que assim o fazem, relegando o valor do obscurantismo em segundo plano, deixam de viver a vida em seus próprios termos, e passam a viver a vida para as outras pessoas – sendo que outras indivíduos passam a querer viver a vida de outras pessoas, algo que Steve Jobs bem abominou em seu famoso discurso em Stanford.
A obscuridade te dá a liberdade de viver uma vida em seus próprios termos, centrada naquilo que importa para você, sem preocupações externas de agradar seguidores e pessoas desconhecidas.
A obscuridade, em certa medida, tem muita ligação com a simplicidade, afinal de contas, simplicidade também não dá muita audiência, já que implica numa vida menos ligada a bens e posses materiais, e mais ligada a relacionamentos e valorização daquilo que já se tem.
Pessoas que conquistam patrimônio pela via da frugalidade acreditam que o sucesso decorre mais de suas realizações no campo profissional e familiar do que pela posse de bens materiais. É por isso que geralmente os autênticos milionários (e talvez até bilionários) não aparentam ser milionários (ou bilionários): porque eles preferem viver uma vida de obscuridade no que tange à exibição de bens de valor. Preferem ser reconhecidos pelo seu trabalho e por suas realizações. Preferem ser reconhecidos por aquilo que são, e não por aquilo que têm.
Conclusão
“Alguns dizem que a vida começa aos 40…outros aos 50… tudo bobagem! A vida começa quando decidimos parar de agradar a plateia” (autor desconhecido).
Um dos pilares fundamentais para a manutenção da riqueza já conquistada consiste em reconhecer e praticar o valor da obscuridade.
Isso não significa que a obscuridade não seja importante na fase de acumulação de patrimônio, tampouco quer dizer que a frugalidade não seja importante na fase de desfrute do patrimônio.
Quer dizer, isso sim, que devemos resistir às tentações de ostentação num mundo que clama por exibição. E que não só clama, mas também recompensa a exibição.
Resista às tentações do mundo moderno, e experimente levar uma vida mais centrada em agradar mais você do que em agradar à plateia.
Prefira ser reconhecido e valorizado por aquilo que você é e por aquilo que você faz, e não por aquilo que você aparenta ser, ou por aquilo que você possui. 😉
Guilherme,
Interessante essa linha de pensamento sobre a obscuridade, eu ainda não conhecia. Fez muito sentido para mim, pois tem tudo a ver com o que penso e procuro fazer.
“É por isso que os brasileiros preferem ver vídeos do que ouvir podcasts.”
Sou o oposto: prefiro podcasts.
Boa semana!
Oi Rosana, eu também achei bem original a linha de pensamento do Joshua.
Quanto a podcasts, eu estou contigo: também gosto muito de aprender em áudio!
Boa semana também!
MUITO BOA MATERIA, HOJE É DIA A GRANDE MAIORIA DAS PESSOAS SÃO ASSIM, GASTAM O QUE NAO TEM PARA EXPOR EM REDES SOCIAIS, TRISTE REALIDAE
Realmente, Alexssandra, é difícil remar contra a maré!
Excelente texto. Realmente as pessoas hoje se preocupam mais em postar fotos, vídeos para fazer “inveja” aos outros do que aproveitar o momento que estão vivendo.
Obrigado, Antonio!
Você acertou na mosca: as pessoas querem massagear o próprio ego – e muitas vezes, à custa de sua própria liberdade financeira.
Olá, Guilherme! Grande texto, e obrigado por compartilhar mais um bom blog conosco!
Durante a leitura estava pensando em algumas relações entre a frugalidade e a obscuridade. Inicialmente comecei a pensar que um estava obrigatoriamente ligado ao outro, através da ideia de que, se não praticarmos a obscuridade, não poderemos ser frugais.
Embora essa relação possa ser verdadeira para a maioria dos casos, não é universal: poderemos ter pessoas frugais, até com IF, que necessitam ser aplaudidas e admiradas. Mesmo que elas desejem essa atenção pelo o que eles são, e não pelo o que têm, podem terminar por praticando uma vida de “ostentação pessoal”.
A conclusão que cheguei é que talvez a frugalidade seja uma condição necessária, mas não suficiente para a IF, enquanto a obscuridade não é uma coisa nem outra. Talvez apenas uma consequência sadia, mas não mandatória, do modo frugal e simples de ser.
Grande abraço e boa semana!
Oi André, excelentes comentários!
Pois é, também acho que, se fôssemos colocar uma hierarquia de valores entre ambas, a frugalidade ocuparia um lugar mais alto.
A obscuridade para mim é um conceito relativamente novo, mas que graças a comentários como o seu e os dos demais leitores, podemos explorar com mais profundidade!
Abraços!
O que você chama de obscuridade eu chamo de low profile.
Essa questão das redes sociais chegou a um nível absurdo com o Instagram.
Outro dia minha esposa me falou uma coisa que eu achei tão absurda que se outra pessoa me falasse eu não acreditaria: uma colega do trabalho disse a ela que tinha que comprar roupas novas pq não podia repetir roupa no instagram.
O pior, essa colega dela trabalha de auxiliar administrativo, ganha pouco e mora num bairro da periferia.
As pessoas estão vivendo num mundo de ilusão, vivendo uma escravidão auto imposta.
Ótimo exemplo, Dedé.
Essa questão do Instagram realmente contaminou muitas pessoas. E o pior é que, muitas vezes, as pessoas que mais gastam são as que menos poderiam gastar. Triste realidade. As pessoas sendo completamente consumidas pelo que consomem.
Perfeita essa publicação!
Valeu!
Embora nunca tenha sido do tipo que gosta de aparentar, estava precisando desse reforço. Obrigada!
Obrigado, Carla!
Muito boa matéria. Há muito tempo percebo que tem gente que só posta no facebook, viagens, de preferência internacionais, jantares em restaurantes da moda, festas, etc. Aliás, a maioria está sempre com um copo na mão, de frente para a praia. Coisa muito brega, acho. Ninguém posta que foi viajar para a praia de Matinhos, se hospedando numa pousada, ninguém diz que está numa pior, que não pode pagar suas contas, embora esteja parcelando o cartão de crédito e tenha entrado no cheque especial. É o mundo da ostentação mentirosa exteriorizada. O pior é que tenho alguns familiares que fazem isso e depois tentam conseguir algum emprestado. kkk
rsrsrsrsrs…… exemplos muito bons, que demonstram que de fato as pessoas fingem serem pessoas que não são, para impressionar pessoas que não conhecem!
Educar-se financeiramente, atualmente, é algo insólito e solitário.
Pura verdade, Gilberto!
Duro não poder ter amigos reais no cotidiano para conversar sobre tanto conteúdo financeiro excelente…
O importante é manter o hábito da frugalidade e essa lado obscuro, tento ter um pouco de cada. Iniciando um blog pessoal das minhas finanças, quem interessar link abaixo.
Visitem e acompanhem: https://semeadorfinanceiro.wordpress.com/
Sem dúvida, SD, a falta de amigos reais é problemática.
Bom ter lançado um blog também! Seja bem-vindo à blogosfera!
Ótimo artigo.
Alimento para que possamos prosseguir buscando equilíbrio nas finanças apesar das pressões contrárias
Obrigado, Marcos!
Ainda bem que temos o mundo virtual, aqui existe vida inteligente também.
Na vida real é impossível encontrar alguém que pense em economizar, investir, ser frugal.
E como é difícil, Janjão!
Essa ideia de obscuridade me fascina desde que li A Arte da Guerra pela primeira vez. Mais especificamente, quando Sun Tzu diz o seguinte:
“O que os antigos chamavam de guerreiro inteligente era alguém que não apenas vencia, mas que se sobressaía vencendo com facilidade. Porém, suas vitórias não lhe traziam nem reputação de sabedoria nem crédito pela coragem, na medida em que eram obtidas em circunstâncias não esclarecidas. O mundo, em geral, nada sabia delas e o guerreiro, dessa forma, não conseguia uma reputação de sabedoria, já que todos os Estados hostis, submetidos antes, tinham sido mergulhados em sangue. Ele não recebia prêmio algum pela coragem.”
Agradeço não só pelo texto, mas também pela dica de podcast. Com certeza vou conferir.
Gostei bastante desse trecho do livro do Sun Tzu!
Quanto ao podcast, realmente é ótimo e vale uma conferida, principalmente em alguns episódios onde ele trata de temas clássicos das finanças pessoais.
Ótimo post… Realmente as (mal)ditas redes sociais desenhadas para descarregar nosso cérebro com dopaminas e nos deixar viciados e consumidores compulsoriamente rentáveis de propaganda afeta todos os aspectos, inclusive financeiro. Praga digital moderna. Nenhum vírus, trojan, malware fez/faz mais mal do que elas…
Obrigado, Raphael!
Parabéns Guilherme!
Depois de um tempo sumido (por volta de 1 ano), estou de volta e tentando atualizar a leitura dos meus blogs preferidos e o seu está na posição n.º 1.
Obrigado, Pablo! Muito feliz de meu blog estar na posição n. 1 de sua lista de leitura!
O conceito de obscuridade, da forma que foi exposto, é novo para mim. Preciso pensar um pouco mais nele, mas assim de pronto me parece que ninguem quer ser obscuro. Todos querem se destacar de alguma forma.
É muito triste que um numero tão grande de pessoas só consiga fazer isso através da ostentação de bens materiais, de roupas, carros ou viagens. Todos precisamos nos sentir importantes. Mas há tantas formas produtivas e sadias de se destacar!
Da corrida de rua que a pessoa consegue terminar ao conhecimento acumulado em determinado assunto, da capacidade de escrever bem à habilidade culinária – há tantas formas da pessoa se destacar e mostrar que é única…
Muito bem lembrado, Vânia!
No final das contas, as pessoas deveriam se destacar pelas suas realizações, habilidades ou trabalho, e não pela mera exibição de símbolos de luxo.
Abraços!