Um breve passeio no futuro
Suponha que você chegue aos 70 anos de idade administrando suas finanças da mesma forma como as vem administrando hoje.
Você sai de sua casa para dar um passeio pelo centro de sua cidade. Leva um casaco – afinal de contas, está fazendo um pouco de frio, com ventos leves.
Observa o movimento das ruas. Pessoas apressadas indo de um local para o outro. Comércio aparentemente agitado, afinal de contas, é véspera de uma data comemorativa comercial. Folhas caindo das árvores anunciam o outono que se aproxima.
E você, durante sua caminhada, se depara com um cartaz afixado em destaque em frente a uma loja:
Como você reagirá?
Para uns, com a vida financeira em dia, essa cartaz não significará absolutamente nada.
Para outros, será uma verdadeira – e falsa – tábua de salvação.
Empresas especializadas em fornecer crédito fabricar dívidas para pessoas físicas escolhem os aposentados como alvo primário de seus produtos, não apenas porque têm renda “certa”, mas principalmente porque é um grupo de pessoas que apresenta, em seu conjunto, claro déficit em suas habilidades cognitivas de lidar com o dinheiro.
Declínios cognitivos: causas, consequências e soluções
Dizem que quanto mais velha uma pessoa for, mais sábia ela será. Isso pode ser verdade até um certo grau, mas certamente não representa um dogma infalível em todas as áreas da vida – e especialmente na financeira.
Um estudo científico conduzido por George Korniotis e Alok Kumar, intitulado “Do Older Investors Make Better Investment Decisions?” (link para o estudo completo, em inglês, aqui), e reportado por Larry Swedroe no artigo Aging No Guarantee Of Financial Wisdom, publicado no portal ETF.com, concluiu que investidores mais velhos são menos eficientes em aplicar seu conhecimento financeiro, além de exibirem as piores habilidades em investimentos.
O estudo identificou os 70 anos de idade como o ponto a partir do qual há um declínio cognitivo considerável nas habilidades de lidar com os investimentos.
E o que esse estudo tem a ver com a sua realidade?
É que a velhice um dia chega, e devemos estar conscientes da nossa incapacidade de perceber esse declínio cognitivo.
Aliás, você podem fazer um teste prático dessas conclusões observando a própria realidade que o circunda. Observe a lenta evolução da idade ocorrendo com seus pais ou com seus avós. Há um certo momento da vida deles em que se atinge um ponto a partir do qual há um manifesto declínio nas suas habilidades cognitivas de lidarem com questões do próprio cotidiano, o que se refletirá, ou se refletiu, na inabilidade gradual deles de lidarem com questões financeiras.
Pequenos esquecimentos, como onde ele(a) guardou a chave, o nome correto de um neto, o endereço da padaria, que eram eventos raros, transformam-se em eventos recorrentes.
Quando o seu futuro chegar – e e ele inevitavelmente chega -, você deve estar preparado para lidar com um possível declínio em suas habilidades cognitivas na área financeira, seja compartilhando seus planos e decisões de investimentos com seus (futuros) filhos, ou parentes próximos de confiança (como irmãos ou sobrinhos), seja compartilhando – mas com prudência e cautela – esses mesmos planos com planejadores financeiros pessoais contratados exclusivamente para essa finalidade.
Digo isso porque o futuro é incerto. A incerteza é um elemento indissociável do futuro. A incerteza faz parte do próprio futuro. Ninguém está livre de sofrer uma doença degenerativa que implique em disfunções neurológicas, como Mal de Parkinson ou Mal de Alzheimer. Se você leva um estilo de vida biologicamente desequilibrado, se alimentando mal, sendo sedentário, e psicologicamente afetado pelo estresse de modo negativo, você aumenta as probabilidades de acelerar o surgimento de doenças que afetem sua capacidade de pensar.
Antever essas possibilidades, e se programar para minimizar os impactos delas em sua vida financeira, é o mínimo que você deve fazer a fim de cuidar de si mesmo.
Além disso, por óbvio, você deve tomar medidas não apenas quando o futuro chegar, mas também antes desse mesmo futuro chegar. Como?
Educando a si mesmo. Ser um alfabetizado financeiramente, e não apenas um “alfabetizado” na escola, colégio ou faculdade. Há incontáveis pessoas com talento indiscutível em suas respectivas profissões, mas que são um verdadeiro zero à esquerda quando se trata de falar de finanças. Não sabem administrar suas finanças, gastam tudo que têm, levam um estilo de vida inflacionado, e, quando chegar à velhice, são os verdadeiros potenciais candidatos a engrossarem as filas das lojas com o cartaz afixado logo no início desse texto.
Praticar e adquirir educação financeira pode soar de uma obviedade ululante para você, que já deve até estar cansado de tanto ler isso aqui no blog – afinal, falamos da importância do aprendizado contínuo em outros artigos antigos do blog (post aqui).
Porém, ela ainda é o meio mais seguro e mais confiável de aumentar as chances de, no futuro, e quando o futuro chegar, você sofrer menos com o declínio de suas habilidades cognitivas de lidar com o dinheiro.
Além do mais, se você não saber sobre a importância da educação financeira continuada aqui, você vai saber aonde? Assistindo o Jornal Nacional? 😛
A curiosidade como o motor do aprendizado
Se tem uma qualidade que você deve possuir para que o aprendizado seja eficiente na área financeira, essa qualidade é a curiosidade. O cérebro tem essa especialíssima característica de ter plasticidade, isto é, de estar continuamente se “refazendo” à medida que novas conexões neurais, advindas da aquisição de novos conhecimentos, são fabricadas no plano físico, quando você incorpora uma nova ideia ao seu acervo intelectual.
Bill Gates já disse certa vez que uma das coisas que o fizeram ser quem ele é consiste na curiosidade. Foi a curiosidade incansável dele que fez, ainda menino, invadir, na calada da madrugada, o campus da faculdade para saber mais sobre computadores. Ele queria saber como eles funcionavam, porque eles funcionavam, e se dava para fazer algo para melhorar o funcionamento deles.
Warren Buffett e Charlie Munger: dois curiosos insaciáveis que construíram um império (post aqui).
Da curiosidade vem naturalmente a humildade. A humildade de saber que não sabe, e, justamente por saber que não sabe, ir atrás de quem sabe muito sobre o desconhecido, a fim de “completar”, digamos assim, seu acervo cerebral, e, a partir da mistura dos conhecimentos velhos com os novos, tentar fabricar novas ideias para viver uma vida melhor – para si, e para os outros.
Ray Dalio
Engraçado como é o mundo das descobertas. Apesar de esse blog estar em funcionamento há 9 anos, e de ter lido diversos textos, blogs e livros de investimentos durante todo esse período, somente no ano de 2017 é que vim a conhecer esse sujeito chamado Ray Dalio. Acho que daqui pra frente ele será mais estudado e teremos mais artigos em português sobre as teorias e práticas dele. Assim eu espero. 😉
Ray Dalio é uma das pessoas mais ricas do mundo, que construiu sua fortuna usando basicamente seu cérebro, poderoso o suficiente para criar o maior fundo hedge da história, com ativos financeiros que ultrapassam 160 bilhões de dólares.
No vídeo abaixo (de 10 minutos), intitulado as 10 regras para o sucesso, o que mais me impressionou foi a última das 10 regras (pule para o minuto 8:32 para vê-la): “Know that you don’t know a lot”.
Clique aqui para abrir o vídeo diretamente do YouTube
Ele diz que a grande vantagem dele não é aquilo que ele sabe, mas sim que ele não sabe de muita coisa. Sabendo que não sabe, ele vai atrás das pessoas que sabem muito sobre aquela coisa que ele não sabe, a fim de aprender bastante, e, assim, diminuir o perigo que incorreria com as coisas que ele não sabia.
Ray Dalio é ou não é uma pessoa curiosa? Claro que é.
Albert Einstein, possuidor do cérebro mais poderoso e mais brilhante que habitou o planeta Terra desde Isaac Newton, já dizia que ele não se considerava uma pessoa tão inteligente e tão acima da média. Ele próprio se considerava apenas um curioso sobre as coisas que acontecem no mundo.
A curiosidade mantém seu cérebro jovem, como se esse órgão do corpo humano fosse um atleta. Exercite sua curiosidade, e ele se manterá tão vivo quanto possível a fim de diminuir as probabilidades de te deixarem na mão quando a idade avançar.
Pessoas que acham que sabem tudo costumam chegar a lugar nenhum. E são as primeiras a apresentarem declínios cognitivos.
Conclusão
Refletir sobre o provável declínio cognitivo de suas habilidades financeiras enquanto você está em pleno processo de aumento cognitivo dessas mesmas habilidades parece um paradoxo, um contrassenso, e uma verdadeira perda de tempo. Mas não é.
Pois, da mesma forma que você contrata seguros de vida para ter uma rede proteção financeira para seus dependentes, contra riscos e incertezas a que todos estamos sujeitos, você também precisa pensar em meios e modos de proteger seus investimentos e sua renda quando você perceber que já não está sendo tão capaz de gerenciá-los por conta própria, mesmo que isso implique em protegê-lo de si mesmo.
Essa tarefa não é simples e não é fácil, pois ela parte do pressuposto em você admitir sua própria falibidade em algum ponto do futuro. Se pensar sobre a própria morte já não é lá coisa das mais fáceis (post aqui), imagina então pensar sobre a perda gradativa de sua própria capacidade de pensar.
É por essas e outras que adquirir continuamente a educação financeira é essencial para uma vida feliz, saudável, equilibrada e longeva. Proponha-se um desafio: todos os dias leia algo sobre finanças. Toda semana interaja com alguém sobre investimentos e finanças pessoais. Todo mês aplique e invista seu dinheiro. Todo ano avalie sua evolução nas finanças pessoais.
O exercício consistente e contínuo de suas habilidades financeiras, aliado à sua curiosidade permanente sobre o que não sabe, lhe dará ferramentas necessárias para lidar melhor com o provável declínio de suas habilidades financeiras. Faça de tudo para que esse declínio seja amenizado, ou mesmo sequer exista. Daqui a 90 anos, quem sabe você não estará escrevendo um comentário nesse artigo, escrito na remota data de 5 de fevereiro de 2018, para me agradecer? 😉
Educação financeira é essencial para ter uma vida melhor, para ter a independência financeira e não precisar da aposentadoria.
Abraço e bons investimentos
Isso mesmo, DIL!
“Proponha-se um desafio: todos os dias leia algo sobre finanças. Toda semana interaja com alguém sobre investimentos e finanças pessoais. Todo mês aplique e invista seu dinheiro. Todo ano avalie sua evolução nas finanças pessoais.”
Acredito que uma das melhores formas de colocar esse conselho em prática é criar um blog de finanças pessoais, respeirar semanalmente, ou mesmo diariamente, o ar das pessoas que buscam melhorar não só as suas finanças, mas outros aspectos da vida.
Excelente artigo Guilherme! Uma ótima semana para você …
Isso mesmo, VJ! Criar um blog produz todos os efeitos positivos sugeridos no artigo.
Abraços!
Desde já agradeço Guilherme. Seus artigos são leitura esperada para as manhãs de segunda-feira.
Eu é quem agradeço pela sua audiência, Moisés!
Seus Artigos tem sido alvo de minha melhor atenção, principalmente quanto à prudência sobre controle de gastos. Achei interessante o artigo sobre planejamento para quando chegar a uma idade mais avançada. Ocorre que, sem perceber, já estou com 70 anos completados em 2017. E continuo no controle de minha planilha, iniciada há mais de 30 anos e continuamente melhorada, face às novas condições tecnológicas com que nos deparamos. Hoje meus pagamentos são feitos, praticamente todos, através de débito em conta e DDA, onde posso programar para o débito no dia do vencimento. Também tenho de controlar as contas de meu filho, que tem uma pequena empresa de instalação de câmeras de segurança. Minha filha, que é professora na Universidade de Vancouver, no Canadá, também depende de minha ajuda para controlar seus negócios no Brasil. Por ora, tenho um bom controle de tudo, sem problema, porém, conforme você falou, os lapsos de memória começam a aparecer, apesar de estar envolvido em todo tipo de informações ( acho que isso até prejudica). Mas é bom saber que, sem mesmo planejar muito sobre a questão de idade, estou mantendo as coisas em andamento, como se tivesse 50 anos.
Olá, Paulo, muito legal o seu depoimento! É muito gratificante saber que o público do blog Valores Reais também alcança pessoas que já atingiram as 7 décadas de vida.
Parabéns pela disciplina e pelo controle financeiro! Sem dúvida, o ato de realizar planilhas de controle há mais de 30 anos é um excelente exercício para a mente, evitando que ela sofra os efeitos deletérios do envelhecimento precoce.
Continue assim, em pleno vigor intelectual!
O bom do Valores Reais é que além de um artigo de qualidade, ainda levamos como brinde um depoimento como o de Paulo Roberto. Parabéns aos dois.
Obrigado, Claudinei!
O Larry Swedroe eh um dos grandes, Guilherme!
La nos EUA, se recomenda um “Financial Power of Attorney” (procuraçao limitada as contas financeiras) como parte fundamental do planejamento sucessorio.
Aqui no Brasil, seria comum?
Acredito que tal vez seria mais comum colocar parentes (de confiança!) na sua conta para movimentar – mas isso vem com os seus proprios riscos!
Qualquer avaliaçao sua destas duas opçoes aqui (ou outros) seria muito interessante Guilherme. Claro que voce nao eh advogado, mas suas observaçoes informais seriam valiosas para a gente!
Abraço!
Verdade, Michael!
Aqui no Brasil essa figura é bem rara, pelo que sei.
Vamos traçar um paralelo com a economia em geral. A moeda mais valiosa do mercado é o crédito, ou seja, a confiança. Quanto mais crédito uma pessoa tem, mais confiança é depositada no fato de ela ser capaz de honrar suas obrigações.
Aplicando o mesmo raciocínio para o campo das finanças pessoais, eu diria que o fator decisivo na escolha de um terceiro, seja ele financial power of attorney, seja ele um parente, é o elemento “confiança”. Quanto mais confiança você tiver numa pessoa, mais crédito dará a ela para administrar o dinheiro.
Mas quais os parâmetros para avaliar o grau de confiabilidade de uma pessoa, tendo em vista que essa percepção é muitas vezes subjetiva?
Resposta: histórico de desempenho. Passado. Reputação. Retrospecto de convivência, sem acidentes ou falhas de comunicação.
Todos esses elementos objetivos podem dar uma boa base na escolha da pessoa encarregada.
Abraços!
Guilherme,
“Pessoas que acham que sabem tudo costumam chegar a lugar nenhum. E são as primeiras a apresentarem declínios cognitivos.”
Perfeito!
“Dizem que quanto mais velha uma pessoa for, mais sábia ela será.”
Acho que isso pode até ter sido válido algum dia, mas atualmente o que vemos é o contrário, particularmente no Brasil: idosos sem educação, sem paciência, glutonaria e acumulação em muitos casos, falta de hábitos saudáveis, financeiramente se escorando nos filhos, ou seja, o oposto de sabedoria.
Há exceções, mas parece que são cada vez mais raras, infelizmente.
Por isso esse post é muito importante e diria que até fundamental, para que essa geração da qual fazemos parte volte a ser ao menos um pouco mais sábia do que a atual.
Abraços,
Olá, Rosana,
Excelentes as suas ponderações. Concordo com o que você disse: a falta de hábitos saudáveis faz com que os mais velhos percam muito de sua sabedoria, frente a gerações mais novas.
Abraços
Excelente post Guilherme.
Beira o absurdo a desonestidade que algumas instituições financeiras usam para empurrar verdadeiras ciladas financeiras aos idosos. Relatando um caso pessoal, recentemente descobrimos que a avó da minha esposa tinha dois títulos de capitalização, e mais um empréstimo que ela adquiriu para colocar o dinheiro na poupança!!!! Tudo isso no mesmo banco, ou seja, claramente quem empurrou isso pra ela agiu com má fé.
Oi Rafael, realmente, é incrível a má-fé dessas pessoas inescrupulosas, tentando vender a qualquer custo.
Ainda bem que vocês conseguiram detectar esse problema com ela. Tomara que tudo se resolva da melhor forma possível.
Abraços!
ótimo artigo.
Espero poder voltar aqui em 2080 para lhe agradecer pela contribuição.
Abs,
Muito obrigado!!!
Valeu, Marcos!
Guilherme,
você é o cara!
grande trabalho, grande jornada
sempre melhor
prazer em te conhecer
sucesso !!!
Adorei o post! Bom pra fazer refletir (mais um pouco) rsrs
E ainda, de quebra, aprendi um termo novo “ululante!”, nunca tinha ouvido ou lido. Como sempre, Valores Reais é cultura!
Obrigado, Raphaela!
Uma das vantagens da leitura como meio de aquisição de conhecimento é justamente essa citada por você: a possibilidade de expandir e aumentar o vocabulário, por meio da incorporação de novas palavras.
Abraços!