Um dos benefícios imediatos do processo de educação financeira consiste no fato de você ganhar habilidades até então inéditas para investir melhor seu dinheiro. E por “investir melhor”, entenda-se não apenas colocar seu dinheiro naquele investimento que renda mais que outro, mas, principalmente, aplicar seu dinheiro naquele tipo de investimento que te conduza com mais segurança e previsibilidade à conquista de seus objetivos.
Nem sempre o investimento que tenha um retrospecto histórico recente de maior rentabilidade é a melhor solução para o seu dinheiro. Por exemplo, se você pretende investir durante seis meses para formação de uma reserva para a viagem das férias de julho de 2018, ações, definitivamente, não são a sua praia. Nesse caso, aplicar o dinheiro na renda fixa talvez seja a solução mais sensata – ou em fundos cambiais, ou ainda em compra gradual de moeda estrangeira, se a viagem for para o exterior.
Porém, existe ainda outro benefício implícito na arte de se educar financeiramente: adquirir uma perspectiva maior sobre os investimentos. Visualizar as coisas sob um ângulo novo, num verdadeiro processo de reenquadramento de como você vê as coisas, principalmente como visualiza o painel de investimentos à sua disposição – nem que isso signifique remar contra a maré, desmistificar conceitos, e repensar sobre certos investimentos muito estigmatizados no meio financeiro.
Vimos um exemplo claro disso semanas atrás, quando publicamos um artigo sobre a importância de se contribuir para o INSS como forma de diversificação de investimentos.
Apesar de o INSS ser o alvo preferido das críticas das propagandas dos fundos de investimentos para aposentadoria – e com razão – isso não é suficiente para afastá-lo por completo da sua carteira de investimentos, por uma série de questões mais propriamente ligadas ao conceito de seguridade social (previdência como “pré” vidência) do que ao conceito de investimento em sentido estrito (previdência como providência).
Situação semelhante ocorre com a caderneta de poupança, que involuntariamente passou a ser o centro das atenções na semana passada.
Taxa SELIC a 8,25% a.a.
Com a queda da taxa SELIC para 8,25% a.a., as regras de rentabilidade da caderneta de poupança passaram a vigorar com um redutor, conforme um artigo escrito em maio de 2012:
“Os valores depositados até a data de 03.05.2012 continuam a ser remunerados como antes: 0,50% mais TR (taxa referencial) ao mês. Já para os depósitos efetuados a partir de 04/05/2012, a regra passa a ser a seguinte: sempre que a taxa básica de juros da economia estiver em 8,5% ou abaixo deste valor a caderneta de poupança remunerará em 70% da SELIC mais a TR. Se a SELIC estiver acima de 8,5% vale a regra antiga”.
Em outros termos, a rentabilidade da caderneta de poupança passou a ser de 70% da SELIC + TR, o que dá, no frigir das contas, e considerando o atual cenário, aproximadamente 5,78% a.a., que já é o rendimento líquido, uma vez que a caderneta não paga imposto de renda nem taxas de administração.
Como consequência desse fato, muitas pessoas vêm afirmando que a poupança não renda nada mesmo, vai ficar pior, que ela é um péssimo investimento etc.
A utilidade da caderneta de poupança
Não há dúvidas de que ela vai ficar pior, já que seu rendimento será somente uma parcela (70%) da taxa SELIC. Porém, todos os investimentos atrelados à SELIC e ao CDI igualmente ficarão piores, já que todos eles “pegam carona” no índice, tais como os fundos referenciados DI, CDBs pós-fixados, Tesouro SELIC etc.
Também não há dúvidas de que, para quem tem um capital para investir em produtos melhores, oferecendo um grau de risco semelhante (como os enumerados acima), a caderneta é um investimento menos recomendável. Afinal de contas, se você tem R$ 1 mil disponíveis para aplicação, faz mais sentido investir, por exemplo, no Tesouro SELIC, que pega a SELIC “cheia” (que, apesar de descontados o IR e taxas, ainda apresenta maior retorno líquido que a poupança), do que investir na poupança, que paga apenas 70% da taxa SELIC e mais a TR.
Porém, como eu disse no começo do artigo, é preciso visualizar a questão sob uma perspectiva diferente.
Há pessoas que estão em diferentes estágios do processo de educação financeira. Uns estão em processo mais avançado, já têm o hábito e as quantias necessárias para investimentos melhores, menos caros, e mais rentáveis.
Porém, há um universo considerável de pessoas que somente agora estão se dando conta da importância de planejarem o orçamento doméstico. Somente agora elas estão saindo das dívidas. Somente agora está começando a sobrar, no orçamento dessas pessoas, algum dinheiro para investir.
E esse dinheiro não é muito. Há casos de pessoas que sofrem para conseguir fazer sobrar, no final do mês, R$ 50, R$ 100, R$ 500, R$ 700. E que, no mês seguinte, provavelmente vai ser outra luta pra conseguir fazer sobrar os mesmos R$ 50, R$ 100, R$ 300. E aí, elas vão colocar aonde esse dinheiro?
- Em fundos DI, que, apesar de baratos, ainda exigem um capital mínimo de R$ 1 mil naqueles fundos que cobram 0,2% a.a. de taxa de administração?
- Em CDBs pós-fixados ao DI, que costumam exigir múltiplos de R$ 500 ou de R$ 1 mil pra investimentos?
- Em Tesouro SELIC, que, apesar de ser acessível a partir de R$ 91 (em valores de hoje), exige resgate em D+1, dificultando, assim, eventual resgate imediato em caso de urgência?
Observe que, para esse conjunto de pessoas, ávidas por educação financeira e, ao mesmo tempo, reestruturação do orçamento doméstico familiar, o acesso a investimentos melhores e mais rentáveis, ainda que de baixo risco, exige um ticket mínimo de aplicação inicial (e/ou aplicações subsequentes) incompatível com as sobras de dinheiro que se verificam no final do mês.
Então, para essas pessoas, a caderneta de poupança, a famigerada caderneta, pode, sim, funcionar como uma porta de entrada para o mundo dos investimentos, com todos os seus defeitos, com todas as suas desvantagens, e apesar de sua parca rentabilidade.
O produto é ruim? É. Tem defeitos? Tem. Mas é melhor do que ficar guardando dinheiro em casa, uma vez que, ao final de 30 dias, o dinheiro depositado na caderneta já vai produzir juros compostos.
Nesse tema, compartilho do entendimento do Zé da Silva, que assim se expressou em artigo publicado na semana passada no Clube do Pai Rico:
“Se você tem um valor acima de R$100 na poupança, e ela já está na regra nova, está perdendo dinheiro. Parta para alguma das n alternativas existentes. Ainda não tem ? Use-a (mesmo rendendo pouco) até chegar neste montante.
E não, eu não tenho vergonha alguma em dizer para que as pessoas mais simples e que só podem poupar valores muito pequenos usem a poupança. É desta forma que elas passarão a enxergar a realidade, que conseguirão ver do outro lado do espelho. É experimentando o que há de “pior” no mundo dos investimentos que ela poderá conhecer os conceitos básicos”.
Conclusão
Todo mundo começa a investir no mercado financeiro usando a caderneta de poupança. Atire o primeiro cartão magnético quem não foi obrigado, quando do primeiro emprego, a abrir uma conta-poupança na Caixa, Itaú, BB, Bradesco, para poder receber o dinheiro do salário ou da bolsa ou do estágio. E aposto que foi uma luta, com filas intermináveis em bancos e juntada de papelada pra cá e pra lá. 😉
Para parcela relevante da população, principalmente para aqueles que não têm acesso a produtos melhores, e têm muita dificuldade de fazer sobrar dinheiro no final do mês, a poupança não chega a ser o fim do mundo. Considerando o acumulado nos últimos 12 meses, a cadernetinha teve o maior rendimento real dos últimos, pasmem, 11 anos (fonte).
É claro que isso se deve mais ao ambiente de inflação controlada do que ao desempenho da poupança propriamente dito.
Porém, isso não deixa de nos transmitir a ideia de que ela é uma forma de investimento que produz juros compostos. Trata-se, pois, de um tipo de investimento que é melhor do que a alternativa de deixar dinheiro parado em casa ou, pior, na conta-corrente de seu banco.
Concluo esse artigo com as mesmas palavras que encerraram o artigo escrito em maio de 2012, dada a sua evidente atualidade:
As modificações nas regras da poupança têm, claro, seu aspecto salutar, na medida em que significam que a “festa dos juros altos” parece estar acabando, mas elas implicam também a necessidade – igualmente salutar – de os investidores reverem seus planos de investimentos, procurando, por um lado, por alternativas mais baratas (a fim de escapar das altas taxas de administração cobradas em fundos de investimentos e Tesouro Direto), e, por outro lado, fazendo um melhor planejamento financeiro (afinal, quanto mais tarde os recursos forem resgatados, menor será a quantia de imposto de renda a pagar).
Parabéns ao blog, sempre muito elucidativo.
Obrigado, Raquel!
Bom dia Guilherme,
sou usuária da poupança desde criança (sim, minha mãe fez uma para mim!) e até hoje parte das minhas economias estão nela. Fui assalariada até nove anos atrás e foi através dela que juntava minhas economias e conseguia alcançar meus objetivos: comprar minha primeira casa, meus móveis, pagar reformas, carro, etc.).
Ao mesmo tempo que acho necessário partir para outras formas de investimento, acho louvável você desenvolver esse texto demonstrando o uso da poupança para iniciantes e pessoas com poucos recursos porque tenho visto com certa estranheza alguns especialistas em educação financeira insistindo em desmerecer a poupança e, de modo efusivo, recomendar o tesouro direto.
Como colocaste, é necessário uma auto-avaliação na hora de investir: quanto consigo guardar por mês, qual é o meu objetivo a curto, médio e longo prazo, quanto eu ganho, etc.
“Especialistas” em educação financeira desmerece a poupança porque recebem do governo para fazer a propaganda de tesouro direto, onde o governo arrecada muito sobre os investimentos.
Verdade, Gu. Devemos sempre ter o famoso “um pé atrás” quando um investimento é recomendado efusivamente na mídia, inclusive na dita mídia especializada.
Oi, Márcia, obrigado!
De fato, existe falta de conhecimento até por parte dos “especialistas em Tesouro Direto”, em abordar, a partir de uma visão mais integral, outros tipos de investimentos que podem, sim, ter sua utilidade para a construção responsável de patrimônio, e seu exemplo é perfeito nesse sentido.
Abraços!
Muito bom! Todo investimento tem sua usabilidade
Verdade, SB.
Diferentes investimentos atendem a diferentes necessidades.
Guilherme,
Considerando as (des)estratégias do governo brasileiro, você acha que a poupança antiga ainda tem algum espaço (exceto como reserva de emergência), considerando-se que rende apenas 6% aa + TR?
Passaram-se 5 anos desde a criação da nova poupança e até agora não vi nenhum retorno significativo na poupança antiga (muito pelo contrário). Lembro que foi tão comentado na época como um bom investimento futuro, mas esse futuro parece que não chegou.
Será que algum dia teremos mesmo uma inflação no centro da meta de 4,5% ou abaixo dela, que compense as perdas ocasionadas durante esses 5 anos (ou mais), levando-se em conta outras opções de investimentos em renda fixa muito mais rentáveis?
Boa semana 🙂
Oi Rosana,
Eu não acredito que a poupança antiga ainda tenha algum tipo de utilidade, exceto se a inflação estiver no centro da meta, de 4,5% a.a., o que foi particularmente impossível nos últimos 5 anos.
Ainda que o Brasil rode com uma inflação baixa nos próximos anos, abaixo de 5% a.a., os juros reais da caderneta antiga ainda perderão um custo de oportunidade em outros investimentos que, apesar de pagarem imposto de renda, ainda têm um atrativo maior, como fundos DI com baixas taxas de administração, CDBs e debêntures etc.
Abraços!
Guilherme,
Agradeço por sua resposta tão esclarecedora. 🙂
Gostei do que falou sobre o custo de oportunidade, você tem toda razão.
Abraços,
De nada, Rosana!
Texto bem informativo, não é sempre que consigo parar para olhar todas as mudanças que ocorrem na economia. Obrigado.
Obrigado, xará!
Guilherme, você tem razão que a poupança pode ser a melhor alternativa (ou menos pior) para algumas pessoas.
Antes eu era mais radical no pensamento oposto e tentava dissuadir meu pai a fazer suas aplicações na caderneta. Até que um momento eu parei, pois o que ele precisava era sentir-se à vontade. Fiquei também com medo de ele ser enganado com ofertas ainda piores do que a poupança pelos gerentes do banco, uma vez que ele mora em outra cidade e não posso estar sempre presente para orientá-lo a cada aplicação.
Ou seja, ela está tranquilo, não há mais discussões e o custo em juros traduz-se em mais harmonia familiar.
Mas é claro que nunca incentivarei ninguém a fazer o que ele faz rsrs
Abraço!
Oi André, muito interessante seu exemplo pessoal, que deve retratar o que ocorre em muitas famílias brasileiras.
Eu também era radicalmente contra a poupança. Mas temos que levar em conta que nem todas as pessoas têm o mesmo nível de alfabetização financeira que nós, que há emoções envolvidas na arte de investir etc.
Nada como a experiência acumulada ao longo de bons anos de investimentos para passarmos a visualizar os investimentos a partir de outras lentes.
Abraços!
Gostei muito do jeito que expôs sua opinião sobre a poupança.
Entendo que as críticas a poupança são necessárias, pois existem muitas pessoas com dificuldade de enxergar além dela, porém não devemos exagerar. Reconhecer os pontos positivos e negativos dos diversos investimentos para poder aproveitar da melhor forma possível o que existe disponível ao investidor.
O dinheiro em espécie é um exemplo, não rende nada, nem sequer é investimento, mesmo assim preciso sempre ter um pouco comigo, para uso cotidiano e para possíveis emergências.
Obrigado, Leitor!
É verdade, cada investimento tem seus prós e contras, cabendo a nós avaliar o que é mais importante, dentro do nosso espectro de possibilidades e necessidades.
Até o dinheiro em espécie tem lá sua utilidade, como você bem exemplificou.
Abraços!
Diversifico bastante e acho a poupança prática pra deixar uns trocados e completar alguma conta a pagar.
Pensei em botar numa RF, mas não gostei da parte q diferencia fundo de curto/longo prazo e a instituição não deixou claro como seria tributado.
Bem lembrado, Armando, fora o fato de que muitos bancos oferecem a possibilidade de integração da poupança para resgate automático da conta-corrente, o que a deixa com um atrativo adicional.
Eu e meu marido usamos duas estratégias: a) fundo DI; b) Caderneta de poupança, quantias praticamente iguais, mas para fins diferentes. Caderneta para curto prazo: evitar ficar no vermelho, por exemplo, viagens, mas principalmente aplicamos quantias mensais nela para contas do início do ano, como IPTU (10 por cento de desconto se pagamos à vista), imposto de renda….. para pagar à vista sem juro. Mas também par emergências, obra inesperada em casa. e o Fundo DI par proteger mesmo o dinheiro. Assim, separamos a primeira parcela do 13o. Salário e botamos na poupança. Já o fundo DI já fazemos uma aporte mensal programado. Gostamos da Caderneta, enfim.
Oi Sônia, excelente sua estratégia: cada investimento para fins predeterminados. Isso traz segurança e proporciona uma visão integral entre seus objetivos financeiros com suas necessidades não financeiras.