Tony Schwartz disse, no livro Envolvimento total, que nós só sabemos que temos de fato os valores que dizemos guiar nossos comportamentos quando eles enfrentam o teste da realidade.
É na “hora do vamos ver” que verificamos se uma pessoa que se diz paciente é realmente paciente. É quando um motorista te dá uma fechada no trânsito que você constata se você é de fato uma pessoa que se auto-proclama “zen”. É quando você está com fome e aparece na sua frente uma barra de chocolate calórica que verificaremos se você é ou não adepto de uma alimentação saudável.
É quando a Bolsa cai 10% num único dia que vemos quem realmente age na Bolsa com visão de longo prazo.
Não é quando as coisas vão bem que seus valores são melhor examinados e postos à prova. É quando as coisas vão mal.
Nesses 10 anos de investimentos diretos em Bolsa de Valores, a coisa mais comum que eu vi foi ver investidores que se diziam tolerantes a alto grau de risco a fugirem integralmente para a renda fixa. Eles diziam possuir um valor (tolerância a alto risco) que, quando colocado no teste da realidade, na verdade não existia.
O artigo de hoje é diferente porque o dia de hoje é diferente. A Bolsa de Valores brasileira está presenciando nesse 18 de maio de 2017 o primeiro circuit breaker (CB) desde o “remoto” ano de 2008. Para quem não sabe, circuit breaker é um mecanismo da Bolsa que interrompe os negócios se o Índice cair mais de 10%.
Na verdade, esse também é o primeiro circuit breaker acionado no IBovespa desde que esse blog foi criado, em 2009, e daí a relevância do artigo de hoje, uma vez que estamos mais uma vez assistindo a História se desenrolar, ao vivo e a cores, bem à nossa frente – ao menos no mundo dos investimentos.
Apesar do ineditismo do CB, mais uma vez eu recorro a textos que escrevi há muito tempo, já que gosto de escrever artigos atemporais, cujo prazo de validade seja tão vitalício quanto possível.
Dentro desse contexto, transcrevo trechos do artigo que escrevi em agosto de 2011, Muita calma nessa hora, cujas lições se aplicam, com perfeição, nesse maio de 2017:
“Num ambiente financeiro marcado pela alta volatilidade nos preços dos ativos, a coisa mais sensata que você deve fazer nesse momento é elevar o seu grau de educação financeira. Por quê? Porque, ao fazer isso, você estará diminuindo a probabilidade de cometer erros nos seus atos de investimento.
Como o próprio título desse artigo deixa claro, a coisa mais difícil é agir de forma racional quando os mercados são irracionais. Controlar as emoções é fator-chave para ter sucesso nos investimentos em renda variável. Não passa de um mito, pelo menos em se tratando de Bolsa de Valores, a afirmação de que os seres humanos seriam agentes econômicos racionais. Não são, e a irracionalidade apresenta seus pontos mais fortes de evidência tanto em momentos de euforia – quando a Bolsa estava no pico, perto dos 73 mil pontos -, quanto em momentos de pânico, como agora”.
Nesse maio de 2017, eu reforço o que disse em agosto de 2011: siga o plano.
Se a Bolsa subir 10% amanhã, você, que tem ações em Bolsa visando a aposentadoria, irá vendê-las? Claro que não, pois você não vai se aposentar amanhã.
Pensando por outro lado, se a Bolsa cair 10% amanhã, você, que tem ações na Bolsa visando a aposentadoria, irá vendê-las? Claro que não, e não é apenas porque as ações são investidas com foco no longo prazo, mas principalmente porque você não as investe para pagar as contas do dia-a-dia.
Faço questão de publicar esse artigo ainda durante esse pregão histórico de 18 de maio de 2017 porque não tenho ideia de como ele fechará, assim como não faço a mínima ideia de como ele terminará o mês, o ano, ou os próximos 10, 30 ou 100 anos. Ninguém sabe.
Eu assumo minha ignorância em relação ao futuro, pois só saberei o que ocorreu com a Bolsa de Valores depois que os pregões terminarem, e nunca antes.
Como eu disse em 2011:
“Enfim, o futuro é uma incógnita, e esse mês de agosto [maio] pode ser tão ruim quanto outubro de 2008 (quando o IBovespa chegou a perder, em determinado momento daquele mês, a bagatela de 36,5% num único mês). Pode ser tão ruim ou … pode não ser. Já que você não pode controlar o mercado, controle apenas aquilo que está ao seu alcance, que é a sua política de investimento. Você não pode controlar a rentabilidade, mas pode controlar o risco. Não aja de forma emocional e irracional no mercado de ações, controle seus impulsos, e certamente você será recompensado por escolhas bem feitas decorrentes da racionalidade, do planejamento e da implementação de uma estratégia sólida em seus investimentos”.
Conclusão
Situações de pânico extremo são eventos raros, ao menos em se tratando de circuit breakers no IBovespa. Costumam ocorrer poucas vezes a cada década, e o pregão de hoje, que ainda não acabou, é um desses eventos raros.
Justamente por serem eventos infrequentes, constituem também ótimos momentos para o exercício dos valores, ideias e objetivos que você diz professar. Como diz Tony Schwartz no livro Envolvimento Total (p. 177):
“É relativamente fácil agir de acordo com os nossos valores quando nos sentimos confortáveis e seguros. O verdadeiro teste é quando o comportamento virtuoso exige que a gente resista à gratificação instantânea e faça sacrifícios. É nessas situações que os valores melhor nos servem, tanto como fonte de energia quanto como um código de conduta”.
É fácil dizer que imóveis são o “melhor investimento” quando seu próprio imóvel valorizou 100%. É fácil dizer que você é tolerante ao risco quando sua própria carteira de ações valorizou 300%. O difícil é manter o curso quando os mercados apresentam alta volatilidade e prejudicam, ainda que temporariamente, sua posição de investimentos.
Além de seguir seu plano de investimentos, ter sangue frio e tentar ser racional numa hora em que todo mundo parece ser irracional, é também importante você observar suas próprias emoções, diante de situações como essa.
Aja como um agente observador de si mesmo, e policie-se, a fim de você evitar ser o pior inimigo de si mesmo, fazendo coisas que você mesmo não faria.
Encerro esse artigo da mesma forma que em 2011: com o parágrafo de encerramento do livro The Four Pillars of Investing, de William Bernstein (livro em inglês), no postscript escrito em 2010 (p. 331):
“Consider yourself privileged, then, to have lived through one of history’s most dramatic periods of financial distress. Carry its brutal lesson about the connection of risk and return with you forever. Remember, the capital markets are fundamentally a mechanism that distributes wealth to those who have strategy and can adhere to it from those who either do not or cannot. Know what to expect, develop your own strategy, and stick to it” (destaquei).
Numa tradução livre:
“”Considere-se um privilegiado por vivenciar um dos períodos mais dramáticos da história das crises financeiras. Carregue para sempre com você a lição brutal sobre a conexão entre risco e retorno. Lembre-se, os mercados de capitais são, fundamentalmente, um mecanismo que transfere riqueza para os que têm estratégia e podem aderir a ela, de quem não quer ou não possa ter. Saiba o que esperar, desenvolva sua própria estratégia, e cumpra-a” (destaquei).
hoje é um verdadeiro dia de “black friday” da bovespa
Concordo.
aproveitei o desconto de mais de 10% em ITSA3 e mandei bala…
Excelente, Gustavo! Muitos ativos de qualidade sendo negociados com grande desconto hoje…
Realmente foi black friday, tudo pela metade do dobro, kkk. Não vi promoção nenhuma.
rsrsrsr….esse é o encanto da Bolsa: cada investidor tendo uma visão diferente da Bolsa. 😉 Uns comprando, outros vendendo, outros ainda não fazendo nada.
E milhões de investidores diferentes formam o julgamento coletivo sintetizado naquilo que se define numa só palavra: mercado. 😉
Abraços!
E o mais triste de tudo é saber que um movimento desse só leva os recursos a mudarem de bolso pois não há geração líquida de riqueza.
Verdade, Carlos. Esses movimentos atípicos estão completamente descorrelacionados dos fundamentos das empresas.
Guilherme,
Boa tarde!
Parabéns, excelente reflexão sobre valores… “Não é quando as coisas vão bem que seus valores são melhor examinados e postos à prova. É quando as coisas vão mal.”
Vejo gente batendo no peito dizendo que não faz isso ou aquilo, mas quando a situação bate na porta, é que se põe a prova os valores e os planos.
Meu nome é Débora Malveira, estamos no início de atuação como consultores financeiros independentes, o nome chama Oliva Alfabetização Financeira.
Estamos em fase de criação do site, por enquanto estamos na página:
https://www.facebook.com/olivaaf/ , acompanhamos o Valores Reais semanalmente e é inspiração pra nós.
Hoje tomei a liberdade de compartilhar esse artigo, e já indiquei o blog várias vezes pra clientes, amigos e familiares.. rs
Grande abraço, desejo vida longa ao blog, pra aprendermos sempre e muito com você.
Débora Malveira
Olá, Débora, parabéns pelo projeto, e muitíssimo obrigado pelas palavras!
Agradeço também por compartilhar meus artigos no blog com seu público, e fico feliz que meu trabalho esteja sendo útil para vocês!
Desejo-lhe sucesso em sua jornada financeira!
Abraços!
Bem… eu tenho a perceção de que estamos nos aproximando de uma “queima de estoque” sem precedentes pro ‘fim do mundo’.
Não creio num ciclo eterno da Bolsa, nem em mil anos de ‘Pax Romana’
Mas isso aí já é assunto para outro post…
Verdade, David….
Ótimo texto Guilherme. Por isso, que é muito importante definir e seguir o plano. O efeito manada (http://ead.li/efeito-manada) nesta hora é fatal.
Um grande abraço.
Verdade, amigo Cleiton! Controle das emoções é fundamental numa hora dessas!
Abraços!