Existe valor no descanso.
Apesar de essa frase parecer um contrassenso nos dias atuais, em que as pessoas, empresas e organizações exigem cada vez mais de pessoas que parecem ter cada vez menos tempo, o descanso, o intervalo e a pausa são elementos absolutamente essenciais para que o foco e a concentração possam atingir níveis ideais de otimização e aproveitamento.
E isso por um motivo elementar: é que o intervalo revigora. É que o descanso, ao invés de diminuir a energia, em suas múltiplas dimensões (energia nos quadrantes físico, mental, espiritual, emocional), aumenta essa mesma energia.
Mas o problema, como você bem sabe, e até mesmo possivelmente vivencia, é que não prestamos atenção suficiente no valor do descanso. Assim que iniciamos e vamos desenvolvendo uma determinada atividade, seja ela qual for – mas principalmente as atividades que envolvem concentração mental e uso de uma tela de computador – queremos logo concluí-la no menor tempo possível, ou, ao menos, fazer o máximo que conseguirmos dentro daquele período de tempo.
O resultado é que podemos até concluir tal tarefa dentro daquele momento temporal pré-determinado, mas saímos dele com uma sensação de fatiga muito grande. Cansados mentalmente (a chamada sensação de estafa mental), esgotados fisicamente (imagine ficar 3 horas consecutivas sentado numa cadeira, olhando ininterruptamente para uma tela), e fracos emocionalmente (pois nossas emoções foram completamente sugadas pelo afã de terminar o trabalho), apelamos facilmente para “artifícios” a fim de relaxar: açúcar para o corpo físico, redes sociais para distrair a mente, e talvez a compra de alguma besteira para saciar o espírito.
Se um dia cansativo de trabalho, realizado de maneira exaustiva e sem intervalos deliberados para o descanso, já produz consequências catastróficas de curto prazo para nossa mente, nossas emoções, nosso corpo físico e nossa saúde financeira, imagine desenvolver esse tipo de vício de trabalho ao longo de semanas, meses, anos e … décadas!
A “fatura” de realizar atividades nesse ritmo industrial cobra seu preço, mais cedo ou mais tarde, e geralmente vem na forma das seguintes consequências:
- Checkup físico negativo: diabetes (muito açúcar no sangue = alimentação errada, à base de muito sal, açúcar e farinha branca), pressão arterial alta, doenças no coração, perda de massa muscular (sedentarismo), artrite, hérnia de disco (coluna penalizada por ficar muito tempo sentado sem fazer atividade física). Na aparência, você tem 35 anos, mas todos se surpreendem quando você diz sua idade: eles acham que você é dez anos mais velho do que seu rosto aparenta;
- Patrimônio líquido negativo: como consequência de um estilo de vida em que você compra para compensar, e não para recompensar, e diante da dificuldade de se organizar mentalmente para alinhar seus gastos aos seus valores imateriais, bem como a tendência para priorizar gastos que coloquem o curto prazo à frente do longo prazo, você tem dificuldades de construir patrimônio líquido, e o resultado é que você, através de seus gastos, acumula riqueza para os outros;
- Relacionamentos deteriorados: reflexo do cultivo de emoções negativas no ambiente de trabalho e na vida pessoal. Você tem poucos amigos, prefere se isolar do mundo, fica se comparando aos outros com base apenas em critérios fundados na propriedade de bens materiais.
Muitas dessas consequências catastróficas para sua vida decorrem, como já visto, do cansaço gerado pelo ritmo completamente desestruturado de trabalho que você vinha realizando ao longo de vários anos. E muito dessa desestrutura material ocorre pelo fato de você não administrar de forma competente os níveis de energia que tem à disposição; e, por sua vez, muito desse nível de energia que se desperdiça no tempo e no espaço ocorre pela terrível falha de… não criar pausas deliberadas para descanso.
Sim, ter momentos de relaxamento é elemento crucial para ter um vida de trabalho mais produtiva e que produza mais benefícios a longo prazo.
Experimente os ciclos ultradianos
No excelente livro “Não trabalhe muito, trabalhe certo”, Tony Schwartz revela (p. 63):
“Não estamos destinados a descansar apenas durante a noite. Uma década depois de Nathaniel Kleitman dar o nome de ‘ciclo básico de atividade-repouso’ao período de 90 minutos durante os quais passamos pelos cinco estágios do sono, sugeriu que experimentássemos um ciclo paralelo de 90 minutos em nossa vida de vigília. À noite, passamos do sono leve ao profundo. Durante o dia, a cada 90 minutos ou mais, oscilamos do maior ao menor estado de alerta. Chamamos isso de ciclos ‘ultradianos’, cujo sentido literal é ‘menos de um dia’.
De fato, nosso organismo pede descanso a cada 90 minutos ou mais. Com muita frequência, e sobretudo diante da alta demanda, ignoramos sinais como falta de descanso físico, dispersão da atenção e aumento da irritabilidade. Em vez disso, agarramo-nos a uma xícara de café ou, inconscientemente, invocamos nossas reservas de emergência, na forma de hormônios do estresse como adrenalina e cortisol. Esses hormônios geram energia, mas também induzem a níveis maiores de ansiedade e reatividade, que acabam por sabotar nossa eficácia”.
Nos últimos tempos, eu tenho feito exatamente isso: ciclos de 90 a 120 minutos de atividade mental concentrada, seguida por 10 a 15 minutos de descanso deliberado. Notem que eu fiz questão de utilizar o termo “deliberado” porque algumas atividades nos absorvem de maneira tão profunda (como aquelas em que ficamos no estado de fluxo), que nem notamos a necessidade de fazer uma pausa para “recarregar as baterias”.
Daí a necessidade de usar “timers”, pelo menos nos primeiros momentos de utilização, para provocar, de modo consciente e voluntário, essa quebra no ritmo de trabalho. Depois, com o tempo, e até de modo natural, você observará que conseguirá ajustar seu relógio mental a esse tempo pré-determinado de 90 a 120 minutos de trabalho ininterrupto (obs: talvez, no caso de trabalho em frente a uma tela de computador, seja preciso quebrar esse tempo em duas (ou quatro) porções menores de 30, 45 ou 60 minutos cada, pois o cansaço visual provocado por ficar muito tempo observando uma tela de computador exija a adoção de cortes temporais menores para preservar a saúde dos olhos).
O importante é o ato de criação. Você precisa inovar na forma como conduz sua trabalho. Criar intervalos de descanso onde antes só existia tempo para o trabalho talvez seja a melhor forma de melhorar o próprio trabalho.
Os resultados, pelo menos no meu “laboratório particular de experimentos” :-), têm sido excelentes, não só porque eu consigo manter um fluxo de tarefas mais consistente, mas principalmente porque a qualidade da atividade fica mais evidente. Aliás, acabei de ver que o primeiro rascunho desse artigo que você está lendo foi criado dentro de um bloco temporal de mais ou menos 75 minutos. 😉
Além disso, e como efeito colateral direto desse comportamento, eu evito toda a gama de consequências adversas relatadas acima.
Mas olha que curioso: de uma certa forma, a vida já nos conduz a observar esse ritmo de 90 a 120 minutos: nós é que não prestamos muita atenção. Veja os seguintes exemplos:
- Atividade física: se você faz academia ou pratica algum esporte, já sabe, intuitivamente, que um treino de musculação, uma sessão de corrida ou a prática de outro esporte qualquer não deve durar mais do que 60 minutos, sob pena de cairmos no “overtraining” e o exercício físico acabar produzindo mais prejuízo do que benefícios;
- Dirigir na estrada: se você costuma dirigir em rodovias com frequência, intuitivamente já deve fazer pausas a cada 1h30min ou 2horas, não só para abastecer o carro, mas também para descansar a mente e distrair um pouco, depois de tanto tempo concentrado na direção;
- Filmes: os filmes têm duração média de 2 horas, pois é difícil prender a atenção do telespectador durante muito mais tempo do que isso;
- Missas, cultos e atividades religiosas em geral: o tempo varia de 1 hora, 1h30min a 2 horas. Muito mais do que isso já fica difícil prender a atenção daquele que participa da celebração;
- Esportes: veja que até os esportes em geral, que passam na TV, também têm seu tempo “adequado” para prender o espectador e também para fazer o atleta chegar ao seu limite de exaustão física. O futebol tem um ciclo de 90 minutos divididos em dois tempos de 45; o tempo total de um jogo de basquete também gira em torno de 2 horas, com vários micro-intervalos etc.
Conclusão
Se praticamente tudo o que fazemos na nossa vida diária de vigília respeita esses ciclos de 90 a 120 minutos, por quê também não incorporar esses blocos de tempo ao seu cotidiano de trabalho?
Isso sem dúvida poderá ajudar a turbinar sua produtividade, aumentar seu nível de concentração, e, ao menos tempo, dar uma satisfação maior ao trabalho ou atividade que se pretende realizar. Você se cansa menos, justamente porque aumentou a quantidade de porções de descanso, e fica mais revigorado para o trabalho seguinte.
Como eu já disse em outro artigo, que focava na comparação entre o ser humano e máquina:
Ao realizar essa prática de “perda de tempo”, mas de modo consciente, você ganhará uma série de benefícios: acumulará uma perspectiva mais ampla sobre suas atividades, pensará de forma mais reflexiva e em termos de longo prazo, terá oportunidade de absorver e metabolizar melhor suas experiências, e até rejuvenescerá de forma mais consistente – incluindo os fios de cabelo branco que você evitará (e que tem sido cada vez mais comum até em pessoas na faixa dos seus 30 e poucos anos).
Assim como é preciso quebrar o mito de que somos seres programados para sermos multitarefas, é preciso também derrubar a crença de que somos mais produtivos quando trabalhamos continuamente, em alta velocidade, por períodos prolongados de tempo.
A longo prazo, a tendência é que você consiga enfim materializar aquele mantra que os livros de produtividade vivem ecoando: “como fazer mais com menos”. O segredo pode estar justamente em criar pausas deliberadas. Não custa tentar. 😉
Ótimas dicas. Obrigado
Valeu, João!
Parabéns pelo artigo, que me pegou pelas pernas! Vou por em prática hoje mesmo. Para outras atividades, como o estudo, já cheguei a utilizar a técnica do Pomodoro timer. Há até um app do Android que reproduz esse contador. Agora vou exportar para o trabalho tb.
Excelente, Rintintin!
O método pomodoro é mesmo muito bom. Para quem não conhece, é muito simples: 25 min de estudos e 5 min de pausa.
Embora a lógica seja a mesma do método sugerido no post, nunca havia pensado em aplica-la ao trabalho. Certamente farei isso.
Guilherme, obrigado por mais um ótimo post.
Vale a pena tentar, Jorge!
Abraços, e obrigado!
Guilherme,
Excelente post! Quando vi a tag GTD, me interessei ainda mais pelo assunto.
A produtividade tem realmente muita relação com o descanso. Ao forçar demais, inevitavelmente o rendimento começa a cair. Falo por experiência própria, muitas vezes acado me excedendo, na ânsia de terminar, como você disse.
A saúde é como uma fatura de cartão de crédito: se você entrar no crédito rotativo de forma habitual, vai chegar um momento em que sua dívida se tornará impagável, como os exemplos que você disse.
“O cansaço visual provocado por ficar muito tempo observando uma tela de computador exija a adoção de cortes temporais menores para preservar a saúde dos olhos”
Isso é muito importante para mim, preciso prestar mais atenção e fazer algumas pausas quando estou usando o computador.
Na ânsia de fazer muitas coisas de uma vez, acabo ficando mais tempo do que o necessário, pois muitas coisas são totalmente dispensáveis. Embora tenha melhorado muito, continuo em fase de adequação nesse sentido, de colocar mais filtros nesse sentido.
Gostaria inclusive de sugerir um post sobre a tecnologia e o cansaço visual.
Um bom assunto para começar bem a semana, com um novo foco nesse sentido.
Boa semana!
Oi, Rosana, obrigado!
Gostei da metáfora que você fez da saúde com o rotativo do cartão de crédito. 🙂 É bem por aí mesmo. Ter a consciência da importância do descanso é etapa essencial para executar o próprio descanso!
Gostei da sugestão do post sobre tecnologia e cansaço visual. À medida que nossas atividades vão ficando cada vez mais dependentes de telas, ter momentos para não olhar para elas acaba sendo vital até para aquietar a mente.
Abraços e boa semana também!
Guilherme,
Vivemos em uma época de excessos, inclusive de pensamentos. Então, além do descanso das telas, acho importante o descanso dos nossos próprios pensamentos. Cada um encontra sua maneira de fazer isso. Meditação, música tranquila, contemplação na natureza e do céu são muito bons nesse sentido. Fica a dica.
Abraços,
Bem lembrado, Rosana!
Aquietar a mente é tão difícil quanto aquietar o corpo, ou é até mais difícil.
Gostei das dicas.
Abraços!
As vezes parcelo a duração de um filme pra ser mais produtivo.
Eu também, Scant Tales, e olha que a segunda parcela do filme acaba sendo bem mais aproveitada com essa tática. 🙂
Ótimo post Guilherme!
Realmente nos dias atuais parece um contrassenso…ainda mais quando corremos contra o relógio, o descanso ate provoca um sentimento de culpa. Vou tentar colocar em pratica…não custa tentar.
Abraços!
Obrigado, Iara!
De fato, parece uma contradição, pelo fato de a ideia ser até meio contra-intuitiva, mas que funciona na prática. 🙂
Abraços!
Isso funciona de verdade. Tempos atrás cheguei s adotar o sistema pomodoro( 25 trabalho e 5 descanso), e detestei. 25 minutos é mto pouco tempo. Em tarefas mais complexas, 25 min a gente leva só pra pegar o fio da meada. E cinco é mto pouco pra descansar. Bom, não gostei do sistema e deixei de lado. Depois, de forma natural, fui caindo mais ou menos nesses períodos que vc citou: de 80 a 120 min de concentração para 20 a 30 min de descanso. Como trabalho em casa, esse período de descanso mtas vezes é ocupado por tarefas de outro tipo, e que eu curta fazer. Como regar as plantas, ou fazer um chá. Tem funcionado. Chego ao final do dia descansada, mesmo que tenha sido um longo dia.
Oi Vânia, concordo com você. Em tarefas que exigem alto poder de concentração mental e foco, um ciclo de 80min a 120min intercalado com pausas de 20min a 30min funciona melhor.
Abç!
Ótimo artigo!
Para estudo, eu intuitivamente já usava esse método, rsrs Bom também conhecer seu próprio corpo e perceber quando ele já está começando a render menos.
Obrigado, Raphaela!
Tem razão, “ouvir” o corpo é também uma ótima medida para avaliar a necessidade de intervalos para descanso.