Gerenciamento de uma carteira equilibrada de ativos é um tema que tem me atraído bastante nos últimos meses, levando-me, inclusive, a modificar profundamente minha visão não só acerca dos ativos de risco, p.ex., ações, como também do papel dos próprios ativos geradores de juros, como é o caso da renda fixa, na composição de um portfólio permanente.
The Power of Passive Investing: More Wealth with Less Work é um dos próximos livros que estão na minha mira de compras! 😀
Dando sequência à série de resenhas de livros norte-americanos sobre alocação de ativos, que começou com The Intelligent Asset Allocator, de William Bernstein (livro em inglês), e continuou com All about asset allocation, de Richard Ferri, faremos, agora, a resenha do livro de Roger Gibson, com um foco mais voltado para quem pretende trabalhar com clientes, como afirmado pelo Henrique Carvalho, no excelente e atemporal artigo A importância da leitura, no blog HC Investimentos (aliás, essas resenhas só estão sendo possíveis graças às preciosas indicação do Henrique, obrigado!).
Informações técnicas
Título: Asset Allocation, 4th Ed
Autor: Roger Gibson
Número de páginas: 336
Preço: US$ 40,95
1 | The importance of asset allocation
Antes do surgimento da moderna teoria do portfólio (modern theory portfolio, sigla MPT, em inglês), o gerenciamento dos investimentos estava focado apenas no aspecto bidimensional da volatilidade e retorno dos ativos. O MPT adicionou uma terceira dimensão, que estuda os efeitos da diversificação – diversification effect – em um portfólio. Com o declínio da participação da economia dos EUA no PIB mundial, deixou de ser interessante, para o investidor norte-americano, restringir sua carteira de investimentos apenas aos ativos locais.
A construção de um portfólio é feita em quatro etapas. As duas primeiras envolvem política de decisão de investimentos, onde se decide quais classes de ativos serão representadas no portfólio, bem como a porcentagem-alvo de longo prazo que será alocada em cada uma dessas classes. As duas seguintes envolvem gerenciamento dos investimentos: a porcentagem do limite de queda/alta permitida, e a seleção de ativos dentro de cada classe. O ponto de vista tradicional foca nesses dois últimos passos; Gibson defende que os dois primeiros são os mais importantes, além de tecer críticas severas ao market timing que muitos gestores ainda insistem em privilegiar, além, é claro, da vontade dos clientes de tentarem superar o mercado.
2 | U.S. capital market investment performance: an historical review
Muitas vezes, as expectativas dos clientes tendem a um otimismo exagerado (alguma semelhança com os investidores brasileiros!?), e cabe ao profissional de investimentos educá-los e orientá-los nessa questão, antes de gerenciar seu dinheiro. O mito do investimento ideal precisa ser destruído. Nesse capítulo, o autor faz um breve histórico do desempenho das principais classes de ativos nos EUA, tais como T-bills, títulos federais de médio e longo prazos, títulos de crédito privado de longo prazo, ações de grandes empresas e ações de pequenas empresas etc.
3 | Comparative relationships among U.S. capital investment alternatives
Estudos variados sobre as relações entre as diversas alternativas de investimentos disponíveis no mercado de capitais norte-americano.
4 | Market timing
Nesse capítulo, o autor faz severas críticas a aqueles que insistem em tentar fazer market timing. O segredo para um bom gerenciamento de ativos reside menos na aquisição de habilidades superiores na seleção de ativos, e mais no gerenciamento equilibrado dos ativos.
5 | Time horizon
Os dois mais importantes riscos nos investimentos são a inflação, que prejudica sobretudo os investimentos geradores de juros, ou seja, a renda fixa; e a volatilidade, que é mais visível nos investimentos de renda variável, como ações e fundos imobiliários (sim, nos EUA, os REITs são considerados equity investments, ou seja, classificados como renda variável). O problema, aqui, é que muitos investidores, talvez a maioria, se preocupam demais com a volatilidade dos ativos, e menos com os nefastos efeitos da inflação. Como consequência desse comportamento, eles tendem a enxergar mais o curto prazo, do que o longo prazo. E, no longo prazo, o que causa mais devastação no patrimônio de uma carteira de investimentos é, sem dúvida, a inflação, pois ela corrói o poder de compra e reduz a rentabilidade real dos investimentos. Como bem afirmado por Gibson, “se a volatilidade do mercado de ações é uma doença, o tempo é a cura”.
6 | A model for determining broad portfolio balance
Capítulo focado naquela sessão da relação cliente/consultor destinada a coletar dados para determinar o equilíbrio geral da carteira, tais como metas específicas, objetivos dos investimentos, grau de conhecimento do investimento, riscos, tolerância ao risco. A mais importante decisão de investimento que o cliente irá fazer é realizar o equilíbrio entre investimentos de renda fixa e de renda variável, que irá determinar o grau de volatilidade do portfólio, bem como a taxa de crescimento no longo prazo (ou seja, a rentabilidade).
7 | Diversification: the third dimension
Capítulo focado, como o próprio nome diz, aos benefícios da diversificação, com muitos gráficos e tabelas. O aproveitamento no Kindle, do conteúdo desse capítulo, ficou um pouco prejudicado, tendo em vista que, como afirmei no review do aparelho, há dificuldades na leitura de imagens, gráficos e tabelas, no referido gadget. Além dos problemas com leitura de gráficos e tabelas, as notas de rodapé aparecem misturadas no corpo do texto, dificultando a leitura de algumas passagens.
Entretanto, remanesce a lição de que é preferível um portfólio com várias classes diferentes de ativos, pois, quanto maior a diversificação, em tese, menor a volatilidade, e maior o retorno.
8 | Expanding the efficient frontier
Uma continuação natural do capítulo anterior, explicando a importância de haver uma diversificação geográfica, com alocação em classes de ativos do exterior, p.ex., mercados emergentes, bem como de se investir em imóveis, como os REITs (os fundos imobiliários de lá). Aliás, o autor destaca as vantagens de se investir nos REITs, em vez de imóveis de tijolo, vantagens essas representadas pelos menores custos de transação, maior diversificação e transparência e governança corporativa.
É curioso destacar que os autores norte-americanos até aqui abordados têm falado muito bem dos REITs como alternativas de investimentos em ativos imobiliários. Isso, de certa forma, não deixa de ser um indício de um futuro promissor dos FIIs aqui no Brasil…
Outro destaque do capítulo fica por conta dos elogiosos comentários de Gibson aos títulos indexados à inflação, os TIPS, que correspondem, no Brasil, às nossas NTN-Bs. Elas oferece oportunidades únicas de diversificação, dado seu retorno incomum, volatilidade, e atributos de correlação positiva com a inflação.
9 | The rewards of multiple-asset-class investing
Interessantes estudos demonstrando que, para um investidor preocupado primariamente com a maximização do retorno de seus investimentos, as estratégias envolvendo múltiplas classes de ativos têm superado aquelas estratégias concentradas em uma única classe de ativos. Para os investidores mais preocupados em reduzir a volatilidade de suas carteiras, as estratégias fundadas em múltiplas classes de ativos também entregam resultados superiores.
Bom, e aqui vem a pergunta inevitável: se essas estratégias baseadas em múltiplas classes de ativos são tão maravilhosas assim, por quê todo mundo não as adota, ou melhor, quase ninguém as adota? Por 3 razões. Primeira, pela falta de consciência dos investidores acerca do poder da diversificação. Segundo, pela questão do market timing, pois os investidores têm uma tendência a acreditarem que conseguirão bater o mercado, prevendo qual classe de ativos será superior. E, terceiro, pela questão da psicologia do investidor.
No final das contas, segundo o autor, o problema da diversificação é que ela funciona, quer você querendo-a ou não. E a beleza da diversificação é que ela não depende do exercício de habilidades superiores do investidor, mas sim de decisões de política de investimentos bem realizadas.
Por todas essas considerações, considero esse é um dos melhores capítulos do livro, senão o melhor.
10 | Portfolio optimization
Capítulo bastante técnico, com estudos sobre como otimizar um portfólio. Remanesce a lição de que, para um investidor passivo em alocação de ativos, é recomendável manter uma carteira amplamente diversificada, ainda que não seja matematicamente a mais otimizada. Uma boa estratégia de alocação de ativos deve satisfazer duas condições. Primeiro, deve fazer sentido, do ponto de vista do investimento. E, segundo, deve ser aquela em que o investidor se sinta confortável em segui-la.
11 | Know your client
Orientações sobre como um profissional pode construir uma estratégia baseada em alocação de ativos, para seu cliente, na parte inicial de conhecê-lo.
12 | Managing client expectations
Segunda parte do processo de gerenciamento de investimentos, destinada a gerenciar as expectativas dos clientes, em que é fundamental desenvolve e compartilhar com o cliente um mesmo quadro de referência em relação ao desempenho dos investimentos. Achei bem curioso os “quadrantes de referência” criados pelo autor, para descrever o perfil que um investidor possa assumir, de acordo com suas características e aptidões pessoais. Gibson advoga a preferência por uma estratégia mais conservadora, passiva, onde se priorizam as decisões de investimento, em detrimento de uma postura mais ativa, baseada em market timing.
13 | Portfolio management
Aqui, Gibson revela a mensagem mais importante do livro: uma carteira amplamente diversificada entre múltiplas classes de ativos, no longo prazo, irá entregar retornos maiores, com um grau de volatilidade melhor ajustado, do que as tradicionais estratégias que utilizam poucas classes de ativos.
O gerenciamento de carteira constitui a última parte do processo de gerenciamento de investimentos, e, aqui, o autor a divide em quatro partes: alocar os ativos e construir a carteira, preparar uma espécie de “regulamento” da carteira, implementar a estratégia de investimentos, e, finalmente, reportar a performance, ou seja, desempenho, e revisar a carteira.
Gibson defende uma estratégia passiva, que consiste em periodicamente rebalancear o portfólio de volta para os targets iniciais de alocação para cada classe de ativos. Entretanto, uma estratégia passiva não é sinônimo de buy-and-hold, pois ela envolve um rebalanceamento periódica da carteira.
Ele, assim como W. Bernstein e Richard Ferri, também relata sua preferência pelos investimentos indexados, devido ao baixo custo e melhor retorno.
14 | Resolving problems encontourede during implementation
O autor fornece conselhos úteis de como o profissional pode ajudar a resolver problemas típicos na relação com seu cliente, tais como a alta concentração de ações que ele tende a ter em sua carteira, os custos de transação, problemas com impostos nos ganhos de capital, ganhos de capital não realizados, resistência a aceitar recomendações específicas de investimentos, taxas seguras de retirada de capital, na fase da aposentadoria etc.
Nesse capítulo, é impossível não perceber quão atrasados nós, brasileiros, estamos em relação a questões relacionadas à aposentadoria, e à construção e gerenciamento do patrimônio para aproveitá-la. Os norte-americanos, justamente por não contarem com um sistema público de aposentadoria, aliado ao desenvolvimento de um forte e estável mercado de capitais, estão anos-luz à frente de nós nessas questões.
O conteúdo desse capítulo vale, sobretudo, pela lição do planejamento que ele encerra.
Conclusion
O sucesso nos investimentos dependerá tanto de saber lidar com aspectos psicológicos do investidor quanto do gerenciamento da carteira em si. Hoje, com o mercado de capitais cada vez mais eficiente (na opinião de Gibson), é perigoso presumir que habilidades superiores possam determinar o desempenho de uma carteira. Nesse passo, é fundamental que os profissionais de investimento eduquem seus clientes sobre todas essas questões, a fim de lhes garantir seu bem-estar.
Conclusão
Trata-se de um excelente livro sobre alocação de ativos, e não apenas para os profissionais de investimento que lidam com seus clientes, como também para todos aqueles investidores interessados em saber mais sobre a importância da construção e manutenção de uma estratégia de investimentos mais baseada em decisões acerca de diversificação do que de exercício de habilidades (supostamente) superiores.
O conteúdo desse livro encontra-se em linha com os livros anteriormente resenhados sobre alocação de ativos, embora existam, é verdade, alguns pontos de divergência – por exemplo, Richard Ferri não gosta e não recomenda o investimento em commodities, ao passo que Roger Gibson considera natural a destinação de parte do capital para essa classe de ativos. Entretanto, devido à quantidade de gráficos e tabelas, eu não recomendo a leitura desse livro via Kindle, pois a tela do aparelho não consegue acomodar tais imagens com suficiente grau de aproveitamento. Se você for lê-lo, prefira a leitura via livro de papel, onde conseguirá reter muito mais informação, e com menos dificuldade.
Asset allocation: balancing the financial risk, acrescenta algumas informações em relação ao conteúdo dos livros anteriores, enfatizando o papel das TIPS na construção de um portfólio, bem como os passos necessários que envolvem o processo de investimentos. Nesse último ponto, aliás, seria natural esperarmos essas novas informações, haja vista tratar-se de um livro que trata com profundidade da relação profissional/cliente.
Enfim, se você pretende saber mais sobre alocação de ativos, esse é outro livro que recebe o selo de recomendado do blog Valores Reais. 😀
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Parabéns pela leitura e pela resenha Guilherme!
Eu adorei este livro e usei-o como base para praticamente todos os artigos sobre diversificação, correlação e fronteira eficiente nos artigos no HC Investimentos.
A organização dos tópicos neste livro é fantástica e o grande número de tabelas e gráficos ajuda bastante na compreensão dos aspectos mais técnicos da alocação de ativos.
Fico feliz que as indiacações de livros estão sendo de grande valia!
Grande Abraço!
Bacana a resenha! Esse assunto me interessa e muito! 🙂
Ótima resenha Guilherme, parabéns!
Destaco essa parte do capítulo 9:
“Segundo, pela questão do market timing, pois os investidores têm uma tendência a acreditarem que conseguirão bater o mercado, prevendo qual classe de ativos será superior. E, terceiro, pela questão da psicologia do investidor.”
A grande maioria dos investidores querem bater o mercado, é algo psicológico. Querem a sensação de superioridade, em dizer que sabem a hora certa de comprar e vender. Aí vem a velha história que já conhecemos: se vangloriam de um mega acerto e não falam nada dos inúmeros erros.
Grande abraço e deixa eu ir votar agora.
Mais uma boa resenha sobre Asset Allocation.
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O livro já está adicionado na minha lista.
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Bom feriado a todos!
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Abcs
Jônatas,
“Aí vem a velha história que já conhecemos: se vangloriam de um mega acerto e não falam nada dos inúmeros erros.”
É isso aí ! Igual pescadores ! rs
Interessante,
Ele considera a inflação como um dos principais riscos nos investimentos além da volatilidade. Muita gente se preocupa com a volatilidade e esquece da inflação. Falar nisso vai ser difícil fecharmos na meta de 4,5%. Vamos ver..
Abcs,
Henrique, concordo plenamente. O livro do Gibson é uma fonte de referência e consulta obrigatória para todos que pretendem conhecer mais sobre asset allocation, de um ponto de vista eminentemente prático.
Jônatas, sem dúvida. Sorte de quem já conhece os efeitos do market timing antes de tentar utilizá-lo. 🙂
ID e Willy, vale a pena, sem dúvida.
FI, concordo. A inflação é um custo oculto, que as pessoas às vezes só percebem diante do aumento da mensalidade escolar, reajuste do condomínio, aumento da conta de luz, aumento da anuidade da associação de classe etc.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!