A leitura de blogs norte-americanos de finanças pessoais promove um aprendizado triplo. Primeiro, o aperfeiçoamento do fluência no idioma inglês. Segundo, o aprendizado de finanças pessoais sob um ângulo diferente ao do que nós, brasileiros, estamos acostumados a enxergar, o que provoca reflexões novas. E, terceiro, o aprendizado desse tema sob o ponto-de-vista dos leitores, pessoas comuns, como eu e você, não profissionais da área, nem jornalistas, o que confere um toque de humanidade, simplicidade, autenticidade e aproximação com o leitor que, de outra forma, não seria possível.
O Get Rich Slowly é um desses blogs cuja leitura é obrigatória em meu “jornal de feeds“. E o tema de um dos artigos lá publicados chamou tanto a minha atenção, que resolvi converter no assunto que debaterei hoje com meus leitores, convidando-os à reflexão.
Trata-se das lições de um Baby-Boomer. Ou melhor, o que um Baby-Boomer pode nos ensinar. Para quem não sabe, os baby-boomers são as pessoas nascidas após a 2ª Guerra Mundial, ou seja, entre os anos 40 e 50, que, após trabalharem duro por várias e várias décadas, estão agora, de 2007/2008 para cá, chegando no momento da aposentadoria.
Nos Estados Unidos, o investimento em ações está massificado. Mais da metade da população usa as ações como instrumentos de financiamento de suas contas de aposentadoria.
É aí que está o problema. Depois de uma década extremamente generosa no mundo dos investimentos, que foi a década de 90, lá nos Estados Unidos, onde boa parte dos ativos se valorizou a taxas espantosas, como ações e imóveis, o pessoal viu suas contas de aposentadoria, antes recheadas e gordas, encolherem durante essa década, de 2001 a 2010, particularmente de 2007 para cá.
Ou seja, exatamente no momento de saque dos investimentos para usufruto, as pessoas perceberam que não podiam “pendurar as chuteiras”, pois tinham na conta muito menos dinheiro do que o previsto.
Resultado: muitas delas tiveram que adiar seus planos de aposentadoria. O que significava continuar no mercado de trabalho. Ou, pior ainda, retornar a ele, depois de tê-lo abandonado.
O problema da sociedade americana, nessas últimas décadas, foi o excessivo consumismo. Embora o consumo seja o motor do PIB americano, esse consumo passou dos limites com o uso exagerado do crédito. Do empréstimo. Ou seja, da filosofia de consumir agora e pagar depois. Afinal, com os investimentos – igualmente alavancados (!) – indo de vento em popa, na década de 90, e com linhas de crédito cada vez mais facilitadas, a sociedade americana mergulhou no movimento do endividamento, quando se trata de consumo, e no movimento da alavancagem, quando se trata de investimento. O consumo foi aumentando em proporções gigantescas.
As pessoas se endividavam para ter tudo, de artigos domésticos a casas novas. E investiam sem ter dinheiro em conta, tomando emprestado. Formou-se uma bolha. E ela, como qualquer bolha que se preze, um dia estourou.
Neal Frankle, autor do mencionado artigo no GRS, postou quatro lições fundamentais, das quais faço aqui uma tradução livre, com os respectivos comentários:
1. Não presuma que sua casa irá financiar sua aposentadoria. É impressionante como algumas tolices são mesmo universais. No Brasil, muitos têm também esse pensamento. Ou seja, acham que a casa própria é um investimento. Não é. É um bem de consumo. Ponto.
2. Faça de tudo para quitar sua hipoteca até os 55 anos de idade. No Estados Unidos, o pagamento da casa própria é um dos grandes desafios financeiros que todo cidadão médio terá que resolver de forma satisfatória – os outros dois desafios são, basicamente, o pagamento dos empréstimos estudantis e os investimentos para custear a aposentadoria. A dica é eminentemente prática, e visa a evitar que a dívida se prolongue até chegar à aposentadoria.
3. Não envie seus filhos a escolas das quais você não pode pagar. Nunca assuma uma dívida para financiar a faculdade ou o ensino médio. De acordo com Neal, “partimos do princípio de que os nossos investimentos e ganhos continuarão a crescer indefinidamente. Assim, pensamos que não seria um problema gastar esse dinheiro. Nós aprendemos o quanto estávamos errados”. Seja prudente na assunção de dívidas.
4. Pense na atitude de economizar como se fosse qualquer outra despesa. Determine o quanto você precisa poupar mensalmente, e, em seguida, faça-o antes de gastar um centavo com qualquer outra coisa. Não tenha a mentalidade de poupar o que sobrar, porque não haverá sobras. Ou seja, “pague-se primeiro”.
O recado desse baby boomer é simples e direto. Vejam que frase reflexiva:
“I think the recent economic turmoil is a fantastic opportunity for everyone to really “wake up”, take notice of what’s working and what isn’t, and then do things a little differently.”
Numa tradução livre:
“Penso que a recente turbulência econômica foi uma oportunidade fantástica para que todos realmente “acordassem”, tomassem conhecimento do que está funcionando e o que não está, e, em seguida, fizessem as coisas de um modo pouco diferente”.
A última frase do artigo é provocativa:
“Have you changed your financial behavior as a result of what you’ve seen others go through?“
Traduzindo:
“Você mudou o seu comportamento financeiro como resultado de ter visto o que os outros fizeram?“
Na caixa de comentários, pude avaliar o quão importante têm sido essas questões na vida do cidadão americano médio. Com mais de 100 mensagens, escritas por leitores de diferentes níveis, idades e realidades sócio-econômicas, eles funcionam como um bom termômetro de como a crise financeira impactou planos, sonhos e obrigou as pessoas a reverem suas metas, principalmente as de aposentadoria.
Quando o mercado está em baixa, muitos decidem vender ações. Ocorre isso no Brasil, ocorre isso nos Estados Unidos, ou em qualquer outro lugar do mundo. O que mais impressiona é ler o relato de pessoas que fizeram investimentos mensais durante 15 anos consecutivos na Bolsa, e dizerem que, após tanto tempo, tinham menos dinheiro na conta do que o total que investiram. Esse é o perigo de se fazer um plano de investimentos concentrado em ações, sem uma diversificação adequada, sem uma estratégia de alocação de ativos eficiente que controle os riscos.
Como resultado disso, dessa derrocada econômica sem igual na história recente da economia americana, muitos leitores que estavam perto de se aposentar relataram que foram obrigados a continuar trabalhando, ou a buscarem um novo trabalho. Eles estavam vivendo em um contexto que mais se assemelhava a um “conto de fadas moderno”, pois, apenas alguns anos antes, na década de 90, a economia estava prosperando, as ações subindo sem parar, e os imóveis também valorizando a galope.
Com tanto consumo e tanto apelo da mídia, eles foram seduzidos por esse estilo de vida ambicioso, tomando mais empréstimos para sustentar um padrão cada vez mais elevado de vida. Não valorizar aspectos de uma vida frugal foram pontos cruciais para determinar um “choque de realidade” quando o ciclo econômico de prosperidade começou a apresentar uma curva descendente no gráfico.
Até que ponto o Brasil dos anos 00 (2001/2010, particularmente 2003 a 2009), não se assemelha aos Estados Unidos dos anos 90? Estamos vivendo uma escalada monstruosa no crédito. A expansão imobiliária está provocando uma alta exagerada no preço dos imóveis em todas as regiões do País. A Bolsa saiu de 9 mil pontos para 70 mil pontos em menos de uma década. Há facilidades para empréstimos e financiamentos de todo tipo de bem que se possa imaginar. Manchetes de jornais e revistas alardeiam que a prosperidade econômica está batendo à porta do Brasil. Pessoas estão se endividando para anteciparem o consumo, uma vez que o vizinho está fazendo a mesma coisa. Mas até que ponto isso se sustenta no longo prazo? Que tipos de estouro de bolhas nosso País presenciará nos próximos anos? Você está se preparando caso o pior aconteça?
O objetivo desse artigo não é desencorajar ninguém a fazer o que quer que seja, mas apenas o de provocar reflexões para que vocês não se deixem iludir com a falsa idéia de que “agora o Brasil decola” e, portanto, “eu devo aproveitar a onda”. Só a título de exemplo, já comentamos aqui no site que, quando a economia decola, a Bolsa normalmente aterrissa.
A coisa não é tão simples quanto parece.
Na caixa de comentários ao artigo do GRS, muitos leitores escreveram que ainda não conseguiram se livrar das dívidas, mesmo na faixa dos 50 a 60 anos. Aliás, débito é uma coisa tão frequente na vida dos americanos que alguns deles chegam a afirmar que estão mais preocupados com a construção de um plano de eliminação das dívidas do que com um plano de construção de riqueza.
Isso faz todo sentido, porque investir estando atolado em dívidas é o mesmo que pisar no acelerador e no freio ao mesmo tempo. Ou seja, o carro não anda. O que, metaforicamente falando, é o mesmo que dizer que a vida não anda. Não vai para frente.
A solução passa, então, por um tríplice filtro. É preciso consumir melhor, sem dívidas. É preciso investir melhor, com consciência. E, finalmente, é preciso investir no desenvolvimento de suas habilidades. Concentrar-se naquilo que você tem de melhor. Antes de acumular um capital financeiro, preocupe-se em acumular um capital intelectual, porque é isso que irá fazer diferença em sua vida. Siga as 16 regras de ouro da segurança financeira, preconizadas por Harry Browne, consultor financeiro norte-americano já falecido, mas cujas lições se perpetuaram, no livro Fail-Safe Investing: Lifelong Financial Security in 30 Minutes
Acima de tudo, faça um planejamento do que você quer para sua vida, e procure meios para enfrentar tanto os bons quanto os maus momentos. Diversifique sua carteira de investimentos, como ensina Burton Malkiel, no livro A Random Walk Down Wall Street: The Time-Tested Strategy for Successful Investing (Revised and Updated), tenha várias fontes de renda, capacite-se, enfim, prepara-se para o que der e vier. Porque, se você não pode controlar o que se passa no mundo, você, ao menos, pode controlar os seus próprios comportamentos. 😉
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Muito interessante este texto.
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Parece mesmo que esta queda da bolsa de 2008 quebrou a perna de muitos baby-boomers justo na hora da aposentadoria. De tudo que você escreveu, queria destacar este pedaço aqui:
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“Você está se preparando caso o pior aconteça?”
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O pior é que no meu caso a resposta é não. 😳 Tenho que pensar melhor a respeito disso. Creio que o importante mesmo é não perder. Chegando a conclusão que aquele arquivo de riqueza número 2 do livro “Os segredos da mente milionária” que diz que “pensar em não perder” é coisa de quem tem mentalidade pobre não passa de papo-furado.
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Abcs
De fato, Willy. Talvez esse arquivo de riqueza diga mais respeito aos empreendedores, q compõem apenas parcela da população. O negócio é preservar capital, primeiramente.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Gostei da quarta dica, eu ainda não havia pensado dessa forma.
“Com tanto consumo e tanto apelo da mídia, eles foram seduzidos por esse estilo de vida ambicioso, tomando mais empréstimos para sustentar um padrão cada vez mais elevado de vida.”
O estilo de vida americano acabou se espalhando por muitos países e infelizmente o Brasil é um deles.
Hoje em dia, o que mais interessa na compra de um produto é o status relacionado à ele e não as qualidades do produto em si. Triste ver que essa situação tem se solidificado a cada dia.
Oi Rosana, é verdade, e é um estilo copiado sem muita consciência, só porque outros adotaram, nosso país tem a mania de copiar também, sem pensar muito nas consequências.
E sobre a compra de produtos e serviços apenas pelo status, é pura verdade. A ostentação virou um fim em si mesmo.
“A ostentação virou um fim em si mesmo.”
Gostei dessa frase! 🙂
Com pequenos ajustes, daria um excelente título para um novo post no Valores Reais.
Por exemplo: “Quando a ostentação vira um fim em si mesmo”.
E daria mesmo, Rosana! Grato pela sugestão!
Abç