Estamos nos aproximando de um evento que paralisa a vida de milhões, literalmente milhões, de brasileiros. É a Copa do Mundo de futebol. Confesso que me aborrece um pouco esse clima de ufanismo desenfreado, patriotismo levado às últimas consequências, e Copa sendo assunto de todas as revistas e jornais, outdoors, e, é claro, a TV. Ela, a famigerada TV, com seus inúmeros malefícios para a sociedade. Felizmente, há cura, como descrevi em um artigo publicado tempos atrás.
Nessa época, descobrimos que muitos brasileiros parecem viver só em função da Copa. E, por óbvio, a TV aproveita essa que é a chamada “paixão nacional” para fazer reportagens um tanto quanto bem caprichadas. Matérias sobre os jogadores da “seleção canarinho” são produzidas e exibidas no jornal da noite como se fossem produções hollywoodianas. Fiquei impressionado ao assistir, casualmente, uma delas. Efeitos especiais rolando a tela, imagens da infância pobre do jogador, a glória nos campos europeus… enfim, aquele roteiro básico, para despertar a emoção no torcedor-expectador.
Não descarto o futebol como fonte legítima de prazer e emoção. O que descarto é a forma como muitas pessoas o veem, deixando suas vidas de lado, paralisando-as completamente, para ficarem 24 horas por dia respirando Copa.
A Copa do Mundo é um evento que atrai a atenção porque contém os ingredientes básicos para produzir felicidade momentânea. Os idealizadores do evento certamente não eram psicólogos, mas a elaboraram de forma que seu raio de atração se ampliasse de forma significativa.
Uma das propriedades do bom prazer, aquele capaz de produzir felicidade no presente, ainda que fugaz, é ele ter sua habituação controlada, de acordo com os ensinamentos de Martin Seligman. Isso é, ele não pode se repetir a todo momento, porque acaba se tornando um evento redundante, perdendo a sua capacidade de provocar prazer. Por isso, um das técnicas que a Psicologia Positiva recomenda, para as pessoas melhorarem seu grau de prazer no presente, é dar um espaçamento de tempo, um intervalo, maior entre eles. Tomar refrigerante é um prazer para muita gente, mas seu efeito relaxante pode ser diminuído se tomado a toda hora, em todas as refeições. Comer chocolate? Só em ocasiões especiais. Um pastel na feira é bom, desde que seja a cada 7 dias.
A Copa do Mundo é um desses eventos de habituação controlada, pois ocorre somente a cada 4 anos. Teria graça se a Copa fosse realizada a cada ano? Certamente não.
As outras duas propriedades do prazer, causado pela Copa, são intensificadas pela mídia.
Quando você assiste a um jogo de Copa,você se concentra na experiência, de modo deliberado e com consciência. Ou seja, há uma apreciação do jogo de futebol. A mídia trata de levar a apreciação até às últimas consequências. Há até alguns comerciais que tratam os jogadores como se fosse guerreiros, e o futebol, como se fosse uma guerra. Não é nada disso. Futebol é só esporte. Ponto.
O outro elemento, também bastante explorado pela mídia ufanista é a atenção, ou seja, ver o momento presente como único, notando todos os detalhes da experiência. E bota detalhe nisso! Os repórteres invadem a casa dos familiares dos jogadores, tira-teimas exclusivos contam minúcias do jogo, entrevistas narram o que ocorre nos bastidores. Um espetáculo.
Não tenho dúvidas de que esse evento esportivo tem alguns efeitos benéficos interessantes – e não falo aqui da união cívica (que deveria existir no dia-a-dia, e não a cada 4 anos). Falo, sim, da conexão com os amigos e a família, para assistir os jogos, como forma de reforçar relacionamentos.
No entanto, o que vemos é que a mídia – e as pessoas, por tabela – acabam extrapolando as boas funções da Copa e se deixam ficar paralisados por ela.
A Copa do Mundo provoca mudanças no seu dia-a-dia?
Em essência, a Copa do Mundo é um evento onde são jogadas partidas de futebol. Igualzinhas às que ocorrem no campeonato brasileiro. Tem gol, tem 2 times, tem estádio, tem narrador… Experimente ligar a TV no próximo sábado, visando assistir a uma partida, às 4 da tarde. Quando ligar a TV, saia da sala – deixando-a ligada – e vá fazer qualquer outra coisa, qualquer outra coisa construtiva, ou menos passiva. Leia um livro. Navegue na Internet. Brinque com seus filhos. Passeie no parque. Dê uma volta no seu bairro para fazer compras. Faça um lanche na lanchonete mais próxima.
Deu seis horas, volte à sala de TV. Verifique o resultado do jogo. Quem ganhou? Quem perdeu? Agora eu lhe pergunto: qual foi a influência do resultado da partida sobre a sua vida?
Se você tivesse ficado em frente à TV, sua vida teria mudado para melhor, ou para pior?
E se você não tivesse ficado em frente à TV?
Muitas pessoas assistem futebol na TV em busca de felicidade. Ficarão felizes quando seu time ganhar. Suas vidas mudarão para melhor se o Brasil for hexacampeão. Essa felicidade, se existe, é uma felicidade fugaz. É momentânea. É passageira. Vai passar. Na verdade, é mero atalho para a felicidade genuína.
O que nos proporciona a felicidade genuína e duradoura são as gratificações decorrentes das atividades que realizamos, quando não estamos assistindo a partida de futebol pela TV. Pois são essas atividades que nos permitem exercitar nossas forças e virtudes pessoais. Ler um livro promove o conhecimento e o saber. Brincar com os filhos reforça nossos laços emocionais com os pequenos. Andar no parque melhora nossos níveis de saúde.
O prazer, provocado pela vitória da “seleção canarinho”, é uma fonte muito grande de motivação, ainda mais num país como nosso, carente, em muitos aspectos, de “vitórias” e de bons exemplos. Mas esse prazer tem um problema: não realiza mudanças. As mudanças só ocorrem quando nós agimos, quando deixamos a passividade de lado, e vamos atrás de nossos sonhos, quando focamos em nossos objetivos, quando reconhecemos o valor das oportunidades enquanto elas estão aí, em frente às nossas portas.
Como disse acima, não estou condenando o simples fato de assistir partidas de futebol. Eu as considero uma fonte legítima de entretenimento. Os jogos de futebol têm o poder de provocar prazeres de alta intensidade, como euforia, empolgação, júbilo. E os prazeres são elementos importantes para a produção de reservas de felicidade no presente, de acordo com os ensinamentos de Martin Seligman, no livro Felicidade autêntica, resenhado domingo passado.
O que eu quero é que as pessoas redimensionem o verdadeiro papel que tais fontes de entretenimento representam, e, uma vez redimensionadas, não deixem que suas vidas fiquem paralisadas por causa da Copa.
Afinal, esse é apenas um jogo. Enquanto as partidas ocorrem, o mundo não pára. O Brasil pode parar (infelizmente…), mas o resto do mundo não. Mundo afora, negócios são realizados por profissionais com vontade de melhorar suas vendas, aulas são transmitidas para estudantes com sede de vencer na vida, prédios e novas moradias são levantadas, pesquisas científicas continuam sendo realizadas por cientistas querendo produzir o que há de melhor em inovação e tecnologia de ponta…
A Copa é um evento esportivo bonito de se assistir e acompanhar, mas tenha em mente que ela não irá interferir em sua vida. Logo, se você perder algum jogo, não considere isso como perda e motivo de lamentação. Pelo contrário, dedique seu tempo com atividades que te façam exercitar suas forças e virtudes pessoais. Pois essas atividades têm a capacidade de mudar o rumo de sua vida. A Copa não tem esse poder.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Guilherme,
Penso EXATAMENTE como você! Você conseguiu escrever tudo o que penso sobre esse frenesi que a Copa e alguns outros eventos esportivos causam nas pessoas… E eu até já fui ferrenhamente criticado por pensar assim! Nada contra a maré não é fácil, mas é para isso que somos chamados!
Você deve ser uma pessoa bacana, daquelas de sentar numa mesa e bater um bom e longo papo sobre as coisas da vida…
Receba meus parabéns mais uma vez pelo ótimo texto!
Corrigindo:
*Nadar contra a maré não é fácil
Oi, Guilherme. Tranquilo?
Compreendo o que voce quis dizer. Felicidade momentanea e tudo mais. Nao torna niguem mais bonito, mais rico, etc. Podemos fazer outra atividade que no acrescente mais. Entretanto essas coisas sao assim. Tem gente que gosta e pronto. Eu adoro ver meu time vencer! Quando ele vence é a maior alegria e se eu torço é como se eu fizesse parte. Como naquela musica do Skank. Se a Copa do Mundo mobiliza ufanismo exarcebado a cada quatro anos (sou obrigado a concordar que nao deveria ser assim, os valores civicos deveriam ser lembrados todos os dias) e leva as pessoas ao frenesi, eu entendo que ao mesmo tempo essa felicidade momentanea é valida. Como voce disse, num pais como o nosso no qual existem tantas dificuldades, qual o problema em ter esses prazeres? Mas isso vai de gosto pessoal, cada um com seus prazeres.
Só lembrando que o Brasil recebe o apelido de País do Futebol, entao a midia vai apelar mesmo, né?
Pão e circo para o povo!
Igor, obrigado pelos comentários! Quem sabe um dia a gente não bate um papo por aí! Você também deve ter um monte de histórias legais pra contar – aliás, vocês já contam, no Di Grávida!
Pedro, eu concordo com você. Eu também gosto muito de meu time vencer. E gosto também de acompanhar futebol. O caderno de esportes continua sendo um dos meus preferidos nos jornais. Leio com atenção as colunas do PVC, do Tostão… Acompanhei com entusiasmo o Brasileirão 2010. Se tudo é feito sem exagero, não há problema alguma. Divertir-se faz parte da vida. Mas desde que isso não tome o lugar de outros projetos mais importantes. É essa a mensagem transmitida no post.
Glaucia, esse é o tom!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Guilherme, eu tambem queria bater um longo papo com o Hotmar, tenho a mesma impressão que você: a de que ele é uma pessoa muito bacana!!!
Rosa, muitíssimo obrigado pelos elogios!
Aos poucos, a roda de conversa vai aumentando… 😀
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Guilherme, concordo com todas as suas palavras, mas tenho que admitir que assim como o leitor Pedro Rafael, gosto de ver meu time vencer e acima de tudo, gosto de ver uma boa partida jogada, principalmente em Copa do Mundo, sem excessos.
Flávio, então estamos juntos.
O importante, como vc bem disse, é o controle dos excessos. Assistir jogos sim, mas assistir treinos, entrevistas, corridas em volta do gramado, ônibus chegando, ônibus chegando… aí não. Meu interesse se limita às partidas, e à leitura de alguns bons comentaristas.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
Justo… exatamente o que penso… não vou parar a minha vida, meus planos e projetos por causa da Copa do Mundo… quem sai ganhando não é o povo brasileiro porcaria nenhuma, são as empresas de cerveja, lojas de eletrodomésticos (ou vai dizer que não vai ter gente que vai comprar uma TV de plasma só por causa da Copa?), a própria seleção (para futuros contratos)…
Em matéria de futebol somos nota dez, até exportamos craques para outros países, mas em matéria de melhorias com relação ao crescimento de empregos, saúde, bem estar social, deixamos – e muito – a desejar…
Não vou dizer que não gosto desse pão e circo, porque não é verdade, porém, não vou morrer se a taça do mundo não for nossa… affff
Concordo plenamente com o que foi dito. Parabéns!
mael e Dirlene, obrigado!
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
E o sexo ? o que tem a dizer a respeito ?
Copa do mundo é coisa mais incrivel que existe em relação a emocoes!
O ser humano sem emoções nao tem nada!
São 2 horas que mudam seu humor, seu estado de espirito … e poucas coisas hoje em dia produzem este efeito…
Acho que foi muito infeliz em seu comentario … Se dividirmos 2 horas ( contando somente os jogos do Brasil ) + 7 jogos 14 hrs … vms supor que tenha prorrogação: 16 hrs pelo total de horas que existem em 4 ANOS! vejam: 4 anos!!!
Msm assim nao vale a pena? sou viciado em futebol! mas escrevo neste comentario com total imparcialidade, pois é o Brasil que está ali … pode haver campeonato de peido mundial… se for o Brasil: vou parar para assistir … pode considerar um desperdicio de tempo … mas é este “desperdício” que faz com que eu viva com qualidade…
Quando tem copa assisto o máximo de jogos possível. É um evento incrível, não sei porque você critica algo que ocorre apenas de quatro em quatro anos. Seria um vício se a pessoa passasse todos os dias da vida assistindo jogos de futebol. E quem disse que você não pode usar as coisas que te dão prazer para evoluir pessoalmente? Eu também amo idiomas, e assisto alguns jogos em espanhol para aperfeiçoar o meu vocabulário. Você deve ser das pessoas que preferem olhar o copo MEIO VAZIO. Tenha um bom dia!