Quem é consumidor de passagens aéreas – e lê rotineiramente o blog Aquela Passagem (o melhor sobre o assunto no Brasil) – deve ter notado que, dentre as últimas promoções anunciadas pelas cias. aéreas, muitas delas se referem a coisas como “promoção: parcele sua viagem em até 10 vezes sem juros“.
Pois bem, o que quero destacar aqui é que o parcelamento de passagens aéreas, aliás, não só de passagens aéreas, mas também de outras compras em geral, não é, na minha opinião, “promoção” no sentido verdadeiro e genuíno do termo. Vou transcrever aqui o comentário que postei lá no blog do Rodrigo:
Um comentário pessoal: parcelamento em 10x, 12x, não é, na minha opinião, não é “promoção” no verdadeiro sentido do termo, como alardeiam as cias. aéreas, mas sim, visto de um certo ângulo, endividamento, criação de obrigações futuras em que, cada mês, será necessário desembolsar por uma viagem realizada meses atrás.
As verdadeiras promoções são aquelas que concedem descontos no preço total de uma passagem – considerando a soma dos preços de ida + volta – sobre o preço normalmente praticado, porque aí, sim, o consumidor estará pagando menos do que normalmente pagaria. Nos parcelamentos, o consumidor deixa de desembolsar uma grande quantia no começo, mas compromete seu fluxo de caixa futuro. E por um serviço consumido no passado.
É isso aí!
Um grande abraço e que Deus lhes abençoe!
E é isso mesmo. Quero aqui desenvolver dois conceitos distintos.
Primeiro, o parcelamento.
O parcelamento, em si mesmo considerado, não é algo bom nem ruim. Mas a forma como ele é utilizado é que pode ser boa ou ruim. O parcelamento em excesso é uma coisa ruim, pois a pessoa não consegue se livrar das dívidas, mês após mês. Como disse o Mauro Halfeld em um de seus comentários matutinos na CBN, há dívidas que são boas, porque trazem retornos futuros sobre o patrimônio e a vida pessoal da pessoa, e que, por isso, podem e valem a pena serem contraídas. Por exemplo: um financiamento para aquisição de imóvel pelo Sistema Financeiro de Habitação, o financiamento estudantil para pagar a faculdade etc.
Parcelar uma compra de um bem ou serviço é uma oportunidade para gerar um fluxo de caixa, isto é, a pessoa não tem dinheiro para quitar à vista, então, compra o produto em prestações. Por exemplo: a pessoa hoje só tem disponível R$ 650, e quer uma TV de R$ 1 mil, podendo comprá-la em 4 parcelas de R$ 250. Então ela desembolsa hoje somente R$ 250 dos R$ 650, liberando R$ 400 para outras coisas.
Se por um lado isso é bom, por outro é ruim, porque ela compromete o seu fluxo de caixa futuro. Isso é, nos próximos meses, a cada mês, ela terá R$ 250 já comprometidos com o pagamento da dita cuja. O perigo é isso virar uma rotina e, lá pelo quarto mês, ela encontrar outro bem que não dê para pagar à vista, por exemplo, uma passagem aérea, que custe também R$ 650, e aí, como ela só disporá de R$ 400 – pois os R$ 250 estarão comprometidos com a TV – ela resolve iniciar outro parcelamento – dessa vez aproveitando a “promoção” de parcelamento em 10 vezes. Pronto! Está criada a ciranda financeira do perigo, e será preciso muito “sangue frio” – além de paciência – para quitar todas as dívidas.
O parcelamento é uma opção de pagamento que, como qualquer outra, deve ser usada com cautela, prudência e inteligência, e, acima de tudo, equilíbrio, conforme destaquei em outro artigo. Em alguns casos, ele pode ajudar. Já em outros, pode levar a pessoa à bancarrota financeira.
Agora, a promoção.
Para mim, promoção, no sentido genuíno do termo e que, acima de tudo, interesse diretamente a todo e qualquer consumidor – é aquilo que oferta um produto – bem ou serviço – por um valor menor que o normalmente praticado. E é precisamente aí que reside a minha crítica às “promoções de parcelamento”, pois o parcelamento não diminui o valor da passagem, mas sim apenas prolonga o seu prazo de pagamento.
Outra coisa que eu também não gosto são as promoções que oferecem a possibilidade de concorrer a sorteios para ganhar brindes, sem oferecer vantagem intrínseca pela simples aquisição do bem. Por exemplo: “adquira um pacote de torpedos e concorra a sorteios semanais de não sei quantos reais por mês”; “compre sua passagem aérea aqui e concorra a uma viagem-prêmio para Paris com acompanhante”; “invista no fundo tal e concorra a sorteios mensais de não sei quantos reais por mês”. Nos respectivos exemplos, eu preferiria muito mais “adquirir um pacote de torpedos por um preço bacana”, “comprar a passagem aérea por um preço menor” e “investir no fundo desde que oferecesse a menor taxa de administração”.
Tá certo que muitas dessas ditas “promoções” não passam de jogadas de marketing para chamar a atenção da empresa para seus produtos. Ou seja, a promoção, aqui, tem o sentido de “promover” o produto da empresa, e não o sentido de promover uma facilidade para o consumidor no sentido de adquiri-la a um preço mais baixo. Os sorteios, prazos alongados, prêmios etc., sem dúvida são um chamariz para atrair o consumidor, mas não resolvem o problema principal, que é a existência de uma efetiva vantagem para todo e qualquer consumidor que vai comprá-lo – lembremo-nos que, no exemplo do investimento do fundo, só vai levar o brinde quem tiver a sorte grande de ganhar o sorteio. Todos os demais consumidores – eu disse todos – não auferirão os benefícios da dita promoção.
Assim funcionam também todas as demais formas de promoção por sorteios. Somente é premiado quem tirar a sorte grande. Ao contrário, nas promoções que envolvem descontos e facilidades na venda de produtos – por exemplo, desconto de 10% na compra de livros numa loja virtual até a próxima terça – todos os que comprarem os livros até a próxima terça se beneficiarão da promoção. Eu disse todos, e não um ou outro sortudo. Percebeu a diferença?
Com o passar do tempo, nossas mentes tornam-se mais críticas e seletivas nas promoções, e somente aproveitamos as que realmente valham a pena e possam fazer diferença para nosso bolso – afinal, o real tem que valer mais no nosso bolso do que no do vendedor.
Portanto, aproveite as promoções, faça boas compras, mas saiba diferenciar aquilo que é só marketing daquilo que pode fazer real diferença positiva para o seu bolso.
É isso aí!
Um grande abraço e que Deus lhes abençoe!
Prezado Hotmar:
A modalidade de pagamento parcelado em várias vezes está tão incorporada no inconsciente do consumidor brasileiro, que seria inimaginável as consequências duma eventual supressão dessa prática.
Não há muito tempo, li no jornal Folha de S. Paulo um artigo sobre as adaptações pelas quais certas lojas de alto luxo devem passar, ao instalar-se no Brasil, sendo a principal delas a criação do parcelamento nas compras dos artigos ali comercializados, destinados a um público classe A, que, a rigor, não necessitaria de nenhuma facilidade no pagamento, pois já dispõe daquele montante em seu orçamento. Essas mesmas butiques requintadas, do gênero de Louis Vuitton, Chanel etc., jamais fariam isso com seu público europeu, japonês ou norte-americano, porém, no Brasil, o parcelamento é automaticamente estabelecido e acaba tornando-se natural.
O problema é quando o brasileiro sai do país e, em Londres, pergunta que pode parcelar uma compra efetuada, o que é tomado com total estranhamento por parte do vendedor, que não estava preparado para receber um pedido tão inusitado.
Saudações,
puigllum
Essa é uma típica distorção causada pelos altíssimos juros cobrados aqui em terra Brasilis pela maioria das instituições financeiras. Em praticamente todos os lugares do mundo, sequer existe o conceito de compra parcelada no cartão de crédito. Até no país do consumismo e endividamento (EUA), não existe isso! Algumas lojas de departamento até oferecem um cartão da loja, com algum tipo de ‘store credit’, mas sequer chega a ser o fenômeno que são os Private Labels aqui (Cartões da Marisa, Renner, etc).
O que acontece no resto do mundo, onde são praticadas taxas de juros sãs, é que seu rotativo no cartão de crédito vai custar uns 10% ao ANO, ou menos de 1% ao mês. Assim, você paga sempre a vista no cartão de crédito, e depois decide quanto vai pagar da fatura no rotativo depois. Aqui no Brasil, usar o rotativo do cartão é suicídio financeiro. Aí cria-se o parcelado no cartão, onde o lojista já embute um certo juros no preço do produto a vista, e quem paga a vista acaba subsidiando quem paga a prazo.
Dessa maneira, eu parcelo quase tudo o que posso no cartão, desde que não haja desconto para pagamento a vista. Dessa maneira otimizo o meu fluxo de caixa, e pago sempre os cartões em cheio, nunca usando o rotativo. Assim quem paga a vista sem desconto no cartão acaba ‘financiando’ meu fluxo de caixa indiretamente. Mais uma distorção do nosso país. Joga-se o ônus do risco de crédito e parcelamento para o lojista e o custo para os consumidores, já que os bancos oferecem taxas no rotativo muito altas para qualquer pessoa sã usar.
Excelente comentário, Fernando (as always)!
Há algumas vantagens práticas com o parcelamento, desde que se tenha um bom planejamento de fluxo de caixa, como você tem, e atendidas certas premissas, como a de não ter encontrado preço mais baixo para pagamento à vista.
As duas palavras-chave aqui são controle e planejamento.
É isso aí!
Um grande abraço, e que Deus os abençoe!
puigllum, concordo com vc. O parcelamento é uma modalidade que está profundamente enraizada na cultura financeira do brasileiro, e ainda é incentivado pelas propagandas comerciais de lojas que oferecem parcelas a perder de vista na compra de bens.
Por isso que defendo a instituição de uma disciplina de educação financeira nos currículos escolares, a fim de fomentar e disseminar o uso consciente do dinheiro já desde os primórdios da educação.
Obrigado pelo comentário!
É isso aí!
Um grande abraço e que Deus lhes abençoe!
Prezado Hotmar:
Eu iria além, nessa questão: às vezes, quando tenho meios de pagar à vista por uma compra, ao deixar transparecer essa minha intenção (descabida?), percebo que há dificuldade do lojista em estabelecer o que seria o preço real duma mercadoria.
Em várias ocasiões, debatemos durante muito tempo, até chegarmos ao preço justo, pois era como se ele não quisesse receber o dinheiro na hora, alegando que eu teria vantagem ao pagar-lhe em três ou quatro vezes.
Então, vê-se uma situação surreal: o potencial cliente tendo que juntar argumentos para convencer o comerciante de que este só teria vantagem, ao poder, desde já, trabalhar com aquele montante em dinheiro líquido, fato que, num primeiro momento, dá a impressão de que não é totalmente relevante. O que é, no mínimo, triste.
Saudações,
puigllum
puigllum, realmente, esse é o lado triste de uma situação bem surreal, pois temos q convencer o vendedor, muitas vezes, da vantagem em vender à vista, o q demonstra o quão amarrados se encontram os vendedores com as administradoras de cartão, havendo essa dificuldade de se estabelecer o preço justo de uma mercadoria.
É isso aí!
Um grande abraço e que Deus lhes abençoe!